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sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Música - Sobre o Tango


10.11.09

por Ariel Palacios, Seção: Lunfardo, a gíria portenha, Buenos Aires, Cultura 01:09:10.

compadrito1
O compadrito e seu punhal multiuso para as horas de tédio

maoalienaa “Dos hombres llegan / son dos rivales / en el duelo criollo / resolverán / que el brazo diga / quién tiene más derecho / a disfrutar los besos / de la mujer fatal”.

O poema, de Martinelli Mazza, ilustra o “compadrito”: um homem disposto a matar outro homem pelo amor de uma mulher. E muitas vezes, apenas pelo prazer de matar, de ver o sangue correr, de ter uma épica pessoal para contar na hora de beber o aguardente no bar com amigos e desconhecidos.

Como no caso do “majo” espanhol, morrer, para o “compadrito”, não era um drama. Os estudiosos indicam que, para saciar o acentuado gosto pela morte, tanto fazia ser a causa do óbito ou seu objeto.

“Compadrito” é um diminutivo pejorativo de “compadre”, palavra usada na Espanha e na Argentina para designar um tipo de homem semi-urbano. Na Argentina do século XIX, as pessoas eram designadas em duas modalidades: o homem urbano e o “gaucho” (o homem do campo livre ou peão que trabalhava nas planícies do Pampa).

linage
Compadritos, em charge de Eduardo Linage

O “compadrito” não era nenhum dos dois. Vivia de biscates na periferia das cidades, sem ousar entrar nas mesmas, nem pensar voltar ao campo. Trabalhava ocasionalmente como vaqueiro levando o gado ao porto ou carneando as reses.

Nas horas livres – que eram muitas – o compadrito dedicava-se ao jogo, tocar o violão, além de cuspir entre os dentes com inigualável destreza. Na hora da conversa, “compadreava”. Ou seja, fanfarronava. O costume de lavar a honra com profusão de sangue alheia teve no compadrito o último representante desse modus operandi de resolver problemas em solo argentino.

O compadrito seria a temática principal dos tangos das primeiras décadas, com letras que relatavam os duelos e seu comportamento briguento e passional. Mas antes de ser assunto de letras de tangos o compadrito mudou a forma de tocar e dançar esse gênero.

Tanto o compadrito como o descendente de escravos eram párias da sociedade. Os afro-portenhos tinham seu lugar de divertimento, os “tambos”. Os compadritos, nada. Portanto, começaram a frequentar o lugar de batuque dos afro-argentinos da cidade.

Dali, levaram o ritmo dos tambores a seu bairro, o “Corrales Viejos”, onde estavam os currais do gado. Hoje, ali está o bairro de “Parque de los Patrícios”, ou simplesmente, “Parque Patrícios”.

corrales
Os “corrales viejos”

Em seus lugares de festa, os compadritos acrescentaram o violão ao batuque. Os tambores foram eliminados rapidamente. Mas a herança negra ficou através dos trejeitos e do compasso na hora de dançar.

Antes de entrar em contato com os afro-portenhos, o compadrito dançava a milonga, a polca, a mazurca e a quadrilha. Depois, continuou dançando os mesmos gêneros. Mas a forma de dançar mudou. O compadrito as havia “africanizado”.

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Compadrito deu seu toque pessoal ao protótipo do tango

Para um dos maiores “tangólogos” da Argentina, José Gobello, o tango não seria uma nova dança (em sua origem), mas uma nova forma de dançar aquilo que já se dançava na época.

A nova forma era gozadora, irreverente, descontraída. Mas, ao contrários dos afro-portenhos, o compadrito dançava colado à sua parceira. O animado jeito africano cedeu terreno à uma elegância hispana.

O principal lugar de dança dos compadritos eram as “academias”, cafés misto de bordéis. Além destes lugares onde consumia-se mulheres e bebidas, estavam os “peringundines”, lugares exclusivos para a prática do sexo pago. Tanto nas academias como nos peringundines dançava-se o tango, dança excessivamente lasciva para os padrões da época. Mulheres “decentes” não o dançariam. As únicas que aceitavam fazê-lo eram as prostitutas.

armenoville
Prostitutas no cabaret Armenoville

O tango, dançado por elas – afirmava o escritor espanhol Rafael Salillas em 1898 – “é uma dança que não é dorsal como o flamenco. O tango é postero-pélvico...sua representação é um simulacro erótico”. Depois de explicar detalhadamente os movimentos do ventre e o “jogo de quadril”, faz um esclarecimento: “dança-se entre casais, mas sem cópula”.

O tom sexual da dança era tão acentuado que tornava-se praticamente impossível encontrar mulheres disponíveis para o tango. Mas, a vontade de dançar do compadrito era frequentemente impossível de deter. Por este motivo, sem grau algum de misoginia, para matar a vontade, dançava com um colega homem, em via pública, diante de todos.

Alguns analistas do tango consideram que isso indicaria uma raiz “gay” nesse gênero de dança. No entanto, a maioria sustenta que dançar com outro homem é coisa costumeira em diversas danças em todo o mundo.

Os compadritos, no entanto, não deram o formato final do tango. Para chegar lá, o tango passou antes pelas mãos dos imigrantes italianos, que ao chegar em massa na década de 1880, acrescentaram a flauta, o bandolim e o realejo, como instrumentos. Além disso, muitas prostitutas italianas – que vinham fazer a América - “amaciaram” a forma excessivamente lasciva de dançar o tango.

A italianização do tango começou nos cabarés da avenida Corrientes, na esquina da calle Uruguai. Mas estes “antros” tiveram vida curta, e por causa das pressões da polícia precisaram emigrar para áreas mais afastadas do centro. Nos novos estabelecimentos, o tango recebeu uma nova guinada, com a chegada dos “cajetillas”.

“Bailarín y compadrito”, um tango de 1929 que refere-se ao compadrito tardio, já do século XX.
O link:

http://www.todotango.com/spanish/las_obras/letra.aspx?idletra=633


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Notícia recente:

quarta-feira, 30 de setembro de 2009, 20:42

Unesco declara o tango patrimônio de Argentina e Uruguai

REUTERS

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MONTEVIDÉU - A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) incluiu nesta quarta-feira o tango da Argentina e do Uruguai na Lista Representativa do Patrimônio Imaterial da Humanidade.

"A tradição argentina e uruguaia do tango, hoje conhecida no mundo inteiro, nasceu no vale do Rio da Prata, entre as classes populares das cidades de Buenos Aires e Montevidéu", disse a Unesco em seu site oficial.

Na lista também figura o tradicional candombe do Uruguai, um ritmo frenético que se toca com tambores cuja origem remonta à época colonial e que ainda perdura nas mãos dos descendentes de escravos, em um país no qual 10 por cento dos 3,3 milhões de habitantes são de raça negra.

O pedido de inclusão como patrimônio para ambos ritmos foi apresentado à Unesco em setembro de 2008.

"Ambos começaram como expressões culturais menosprezadas pela sociedade que se acreditava bem-pensante e culta", explicou a ministra de Cultura do Uruguai, María Simón, em um ato realizado na Praça Carlos Gardel de Montevidéu.

"Por fim deixamos de discutir se o tango era daqui ou dali, esta iniciativa se apresenta como um patrimônio comum, rio-platense", acrescentou Simón.

A origem do tango volta e meia é tema de discussão entre os habitantes dos dois países. Em 2000, surgiu uma polêmica quando a Argentina se apresentou nos Jogos Olímpicos de Sidney ao som de "La Cumparsita", o tango mais famoso do mundo, cuja melodia foi criada em 1917 por um uruguaio e sua letra por um argentino.

Em 1998, "La Cumparsita", que se pode ouvir até no filme "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" e na transmissão original de "A Guerra dos Mundos", foi declarada hino popular e cultural do Uruguai.

Gardel, cuja origem também é tema de polêmica entre os dois países, já que o Uruguai afirma que ele nasceu em seu território e a Argentina insiste que era francês, é um dos expoentes máximos do gênero.

"É uma homenagem a centenas de milongueiros, de cantores, de músicos que foram preservando esta tradição de voz em voz. Esta é uma contribuição que o Rio da Prata faz à cultura da humanidade", disse o ministro da Cultura argentino, Hernán Lombardi, ao diário argentino Clarín.

(Reportagem de Patricia Avila e Conrado Hornos)

http://www.estadao.com.br

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Este ritmo forte, marcante e sensual, é um dos meus preferidos.

Um pouco mais de história:

05.11.09

por Ariel Palacios

piernas
A herança afro no tango argentino fica evidente pela sensualidade dos passos desta forma de “caminhar pela vida”

Um relatório elaborado por Cynthia Quiroga, psicóloga colombiana (o cantor Carlos Gardel morreu em 1935 na colombiana Medellín), integrante da Universidade de Frankfurt (Alemanha, terra onde foi inventado o bandonenón) afirma que o tango eleva o desejo sexual.
A Universidade recomenda o tango para casais com problemas de baixa testosterona
Sexo à parte, o tango - ritmo musical do rio da Prata (pois é praticado em ambas margens, a uruguaia e a argentina) - foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, no mês passado.

maozinhassd “O tango é uma dança que não é dorsal como o flamenco. O tango é postero-pélvico...sua representação é um simulacro erótico”. (do escritor espanhol Rafael Salillas em 1898)

“...Dança-se entre um homem e uma mulher, mas sem cópula”.(Salillas, 1898)

Para o escritor Jorge Luis Borges, o tango era “uma forma de caminhar pela vida”. Para o poeta Enrique Santos Discépolo, “um pensamento triste que pode ser dançado”. No exterior, o tango é a música emblemática que representa a Argentina, embora o mesmo gênero musical também seja símbolo do vizinho do outro lado do rio da Prata, o Uruguai. Os argentinos se ufanam da definição dada pelo filósofo americano Waldo Frank, que sustentou que o tango é “a dança popular mais profunda do mundo”.

A palavra tango talvez seja a mais associada à Argentina em todo o planeta. A crise econômica de dezembro de 2001 foi chamada de “efeito tango” pela imprensa mundial. O caráter fatalista e pessimista que muitos argentinos exercem diariamente sobre a política, a economia e suas próprias vidas pessoais também é apontado como “um tango”.

Mais do que triste, o tango é introvertido e introspectivo, ao contrário de outras danças populares que são extrovertidas e eufóricas. Para o escritor Ernesto Sábato, “somente um gringo pode fazer a palhaçada de aproveitar um tango para conversar e se divertir”. Segundo o autor, “um napolitano dança a tarantela para se divertir. O portenho dança um tango para meditar sobre seu destino”.

O tango é multifacético. Suas letras falam da mãe “santa”, da turma de amigos, das ruas do bairro e da pérfida - e perdida - mulher que os abandonou. Mas além disso, o tango também fala do hedonismo e da aparência, das divisões sociais e dos picaretas. Ele também é frequentemente satírico, com letras que disparam ácidas farpas contra tudo e contra todos.

NASCIMENTO
Na Argentina (no Uruguai a História é outra), mais do que 'argentino', o tango é portenho, já que o interior da Argentina seria melhor representado por outros ritmos, como o chamamé, o malambo e a zamba.

O bairro da Boca não foi o berço do tango, ao contrário do que indicam certas lendas, especialmente de guias turísticos estrangeiros.

mondongo
Tango nasceu no 'barrio del Mondongo', atual bairro de Montserrat. O bairro está marcado em vermelho nesse mapa antigo de Buenos Aires.

O tango surgiu ao redor de 1877 no bairro de Montserrat, situado entre a Casa Rosada e o atual Congresso Nacional. Na época, ali residiam os descendentes dos escravos negros que haviam sido liberados em 1813.
Em Montserrat, também chamado de “barrio del Mondongo”, os afro-argentinos organizaram-se em associações beneficentes, que de noite – em barracos de sapé - preparavam festas para angariar fundos.

Nesses eventos, tocavam batucadas lânguidas, que para os escandalizados vizinhos brancos da área eram danças “luxurientas” e “indecentes” na coreografia.

As reuniões em Monserrat-Mondongo muitas vezes acabavam subitamente com a intervenção da polícia, que aparecia para “colocar ordem” no lugar.

Na época de carnaval as associações de afro-argentinos saíam às ruas para dançar ao som da batucada, denominada na região do rio da Prata como “candombe”.

A rivalidade dos grupos – cada um queria mostrar que era melhor na coreografia - provocava confrontos sangrentos nas ruas. Por este motivo, depois de anos de incidentes, o governo ordenou a dissolução das associações.

Sem poder sair às ruas, os afro-portenhos organizaram lugares exclusivos de dança, os “tambos”. Com esta palavra começa a polêmica sobre a origem do tango. Para alguns “tangólogos”, “tango” viria de “tambo”. Para outros, vem de “Xango”, ou “Xangô”, deus africano da guerra.

A própria palavra “tango”, com essa grafia, apareceu em 1836 no “Diccionario Provincial de Voces Cubanas”. O livro define “tango” como “a reunião de negros para dançar ao som de seus tambores ou atabaques”. Outra teoria indica que “tango” vem de “tambor”.

A polêmica e a discussão são elementos altamente cotados na mesa dos argentinos. Portanto, abundam versões sobre o assunto. Uma teoria indica que “tango” vem de “tang”, palavra pertencente a um dialeto africano que poderia ser traduzida como “aproximar-se, tocar”.

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Uma forma de caminhar pela vida com raízes africanas que posteriormente foram europeizadas

Curiosamente, outra versão sustenta que a palavra vem do latim “tangere”, que também significa “tocar”. No espanhol antigo, “tangir” equivale a tocar um instrumento.

Para complicar, no século XIX existia na Espanha um “tango andaluz”. E no México, no século XVIII, uma dança com o mesmo nome.
Nenhuma dessas teorias (há várias teorias adicionais sobre a origem da palavra) foi comprovada. Os argentinos continuam dançando este gênero sem se preocupar por sua etimologia.

Desta forma, os afro-portenhos tiveram que resignar-se a ficar dentro de seus “tambos”, dançando o embrião daquilo que em poucas décadas seria o tango tal como o conhecemos hoje em dia.

A forma de dançar era – de certa forma – vagamente similar ao samba brasileiro atual: dança solta, eventualmente segurando o/a parceiro/a, além de muito requebro.

Mas, nesse momento em que essa forma prototípica do tango está em plena ebulição nos lugares de encontros dos afro-argentinos, ocorre uma guinada que seria fundamental para o desenvolvimento do tango: o surgimento do “compadrito” nos “tambos”.

gabino
Gabino Ezeiza, um dos expoentes afro-argentinos do tango em seus primórdios

(Veremos o surgimento do compadrito no tango nos próximos dias e também a vida de Gabino Ezeiza)

Fonte: O Estado de SP

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A matéria esqueceu-se de referir a milonga, de matriz espanhola, muito cultuada em terras argentinas e de países vizinhos e que é identificada como a origem do tango por alguns:

Tango da Morte: Ritmo do lamento

Há 91 anos, em um teatro de Buenos Aires, Carlos Gardel cantou

por Kalleo Coura

"A música começa a soar do outro lado do portão. Sim, temos uma orquestra de 16 homens, todos prisioneiros. Essa orquestra, que conta com algumas personalidades do mundo da música, sempre toca quando vamos e voltamos do trabalho ou quando os alemães recolhem um grupo que será executado. Sabemos que um dia, para muitos de nós, senão para todos, a orquestra também tocará o ‘Tango da Morte’.”

A cena, descrita pelo engenheiro polonês Leon Weliczker Wells em O Caminho de Janowska, mostra como era comum até nos campos de concentração da Segunda Guerra um gênero musical caracterizado por melodias tristes e nostálgicas. “Tango da Morte” era a forma genérica como eram conhecidos os tangos tocados principalmente durante os fuzilamentos e enforcamentos e antes de os judeus entrarem nas câmaras de gás em locais como Auschwitz, Terezin, Dachau e Buchenwald. Wells, por sorte, não chegou a ouvi-lo.

Fosse em iídiche, em russo ou em espanhol, sua língua de origem, o tango era um estrondoso sucesso na Europa e no resto do mundo nos anos 40. A música melancólica, como a conhecemos, nasceu entre o fim de março e o começo de abril de 1917. Foi nessa época que Carlos Gardel cantou “Mi Noche Triste”, de Pascual Contursi, no Teatro Esmeralda, e estreou o tango-canção – caracterizado pela presença de letra nas músicas. A história do tango, no entanto, é mais antiga e obscura do que isso. E, diz a antropóloga argentina Maria Susana Azzi, foi o instrumento de integração cultural do povo argentino.

Entre os anos de 1821 e 1914, a Argentina foi o segundo destino preferencial para a imigração em todo o mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Subsidiados pelo governo local, que precisava de mão-de-obra e pretendia “civilizar” e povoar o país, espanhóis, franceses, poloneses, muitos judeus e principalmente italianos desembarcaram no porto de Buenos Aires em busca de um trabalho. Para se ter idéia do tamanho desse fluxo imigratório, segundo o censo de 1887, dos 433375 habitantes da cidade, 228651 eram estrangeiros – mais da metade. Além disso, nos anos 1910, 80% dos trabalhadores do comércio, da indústria e da pecuária não eram nascidos no país. Por julgar que os imigrantes estavam tirando seus empregos, os criollos, filhos de espanhóis nascidos na Argentina, os desprezavam. Nos lotados cortiços argentinos, os conventillos, onde todos moravam, a miséria juntava-se à animosidade entre os grupos.

Os imigrantes que chegavam às margens do rio da Prata para trabalhar traziam consigo os costumes, cultura e ritmos de seus países. Mas mesmo os casados raramente atravessavam o oceano com uma companheira. Ainda segundo o censo de 1887, havia cerca de 53 mil homens a mais do que mulheres em Buenos Aires – ou 78 mulheres para cada 100 homens. Segundo a professora Rita Laura Segato, do departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, a diferença entre o número de pessoas do sexo masculino e feminino motivou o tráfico de mulheres para prostituição. Em 1930, a organização criminosa Zwi Migdal – que levou para a Argentina cerca de 30 mil garotas, principalmente polacas, dos países do Leste Europeu – possuía só em Buenos Aires 192 casas de tolerância. Por volta de 1880, num fenômeno que aconteceu ao mesmo tempo em algumas dessas casas e envolto num contexto de sofrimento eternizado anos mais tarde em suas letras, o tango seria gerado.

A origem

Devido à discrepância entre o número de homens e mulheres, os imigrantes e os jovens argentinos, mesmo os mais abastados, visitavam freqüentemente os prostíbulos, principalmente nos bairros periféricos de Las Catalinas, La Boca e Las Barracas. Até nesses locais a quantidade de mulheres era bem menor que a de clientes, o que ocasionava imensas filas. Situação só contornada no dia em que alguém teve a idéia de tocar músicas dançantes para amainar a espera. O pesquisador José Gobello, presidente da Academia Portenha do Lunfardo, identifica um triplo propósito nos cabarés da época. “Eram lugares adequados para bailar, consumir bebida e eventualmente dormir com alguma das moças.” Do encontro da havaneira cubana, da polca da Europa central, do candombe – dança afro-uruguaia – e da espanhola milonga surgia, no fim do século 19, o tango. “Trata-se de uma experiência multivocal que conta a história de pessoas muito diversas. É um integrador cultural, a aceitação da diversidade e a inclusão do marginal dentro do sistema”, diz Maria Susana.

Em seus primeiros anos, o ritmo era tocado por um trio – composto por um violeiro, um flautista e um violinista, geralmente todos italianos, nacionalidade da maioria dos imigrantes – de maneira altamente dançante e sem letras. A dança era bem mais rápida que a de hoje, mas, em comum, tinha os passos sensuais. Na década de 1890, surgiram as primeiras letras do gênero, que faziam referência explícita, de maneira chula, às partes íntimas do corpo das prostitutas e ao sexo – como “Dos sin Sacar” (duas sem tirar). Já o registro mais antigo do uso do bandoneon, instrumento alemão parente do acordeão e hoje característico do gênero, é de apenas 1899.

Fora da zona do meretrício, nenhuma mulher ousava dançar aquele ritmo. Na época, uma inocente dança entre homens e mulheres abraçados já era considerada pecaminosa. Mas nem a beatitude nem a escassez de mulheres foram entraves para a realização de bailes populares. Jornais e revistas argentinas do fim do século passado, como La Prensa e Caras y Caretas, relatam que Eram os chamados bailes callejeros. “Os homens praticavam entre si para treinar. Então, quando chegassem nos prostíbulos, poderiam dançar com as melhores dançarinas”, diz Maria Susana.os rapazes se encontravam, no cair da noite, no meio das ruas, para dançar tango.

Só nos primeiros anos do século 20 as letras que acompanhavam as músicas passaram a ser mais elaboradas. A temática ainda girava em torno das cercanias portenhas e descrevia principalmente os tipos do submundo: o cafetão (ou cafischio), a polaca (lora), o machão (guapo) e o desleal (malevo). Ainda entre as décadas de 20 e 40, algumas das letras contavam histórias de garotas pobres que, ambiciosas, preferiam a prostituição à miséria.

Enquanto a alta sociedade portenha desdenhava vociferando “del fango viene el tango” (da lama vem o tango), o ritmo já chamava a atenção dos europeus. Para surpresa dos argentinos mais ricos, que tinham condições de viajar até a Europa, ele havia se tornado, por volta de 1910, a dança preferida na noite parisiense. Segundo José Gobello, o bailarino brasileiro Antonio Lopes de Amorim Diniz, mais conhecido como Duque, criou em Paris, em 1913, a primeira academia séria da dança na Europa: o Dancing Palace.

O arcebispo da cidade, Leon Adolphe, temeroso de que a origem pecaminosa do ritmo influenciasse seus fiéis, pediu ao papa Pio X que o proibisse e excomungasse os bailarinos. Nesse mesmo ano, o dançarino argentino Vasco Ain e uma mulher desconhecida apresentaram o tango ao próprio papa. “Não há registros de como eles dançaram na frente dele. Talvez tenham suavizado um pouco, mas o tango foi absolvido”, diz o jornalista e pesquisador de tango Hélio de Almeida Fernandes. Depois de perceber o quanto os franceses gostavam da música e da dança que tanto desprezava, a alta sociedade portenha mostrou-se mais disposta a aceitá-las. Mesmo assim, quando passou a figurar nos grandes salões portenhos, o ritmo já havia sofrido a influência européia. Antes rápido, ágil e repleto de cortes bruscos, o tango tornou-se mais lento e melodioso, exatamente como é hoje.

A história do mito

A música “Mi Noche Triste”, executada por Carlos Gardel em 1917, levaria o tango a um novo patamar. As letras do primeiro tango-canção ganharam mais importância e a temática deixou de abordar principalmente os tipos marginais para tornar-se mais melancólica e nostálgica. “O tango já era mais do que um ritmo apenas para ser dançado. Era a expressão do sentimento argentino”, diz José Gobello.

Impossível não se falar de Gardel quando o assunto é tango. Além de cantar, ele estreou no cinema em 1917, com Flor de Durazno. “Nesse filme mudo, a figura dele é um pouco diferente da do galã eternizado no imaginário popular. Ele pesava quase 100 quilos”, diz Américo Mezzatestta, vice-presidente da Associação Gardeliana Argentina. Segundo o estudioso, o homem que cantava músicas populares em prostíbulos, além de ter uma qualidade interpretativa incrível, ficou famoso também por ser bem apessoado, humilde, rico e pelo magnetismo fora do comum. “Ele personificou o argentino médio. O povo identificava nele aquilo que poderia ter sido”, completa Hélio Fernandes.

Paira uma aura de mistério sobre o cantor. Muito discreto quanto à vida pessoal, seu relacionamento mais duradouro foi com Isabel de La Valle, sua noiva, a quem conheceu quando tinha 34 anos e ela, 14. Até a respeito do lugar em que nasceu há controvérsias. Os uruguaios afirmam que foi em Tacuarembó, no Uruguai, enquanto a maioria dos estudiosos diz que foi em Toulouse, na França. O fato é que, naturalizado argentino, Carlos Romualdo Gardés, como se chamava, deixou um testamento assinado de próprio punho e protocolado no qual dizia ser francês. E tinha passaporte emitido pela França. Com a introdução do som no cinema, o tango e Gardel atingiram novos horizontes. Gravou outros filmes e mudou-se para os Estados Unidos, em 1933, para filmar quatro longas em nove meses, dentre eles El Día Que Me Quieras.

Além de cantar e filmar, compôs algumas de suas músicas mais famosas, como: “Mi Buenos Aires Querido” e “El Día Que Me Quieras” para o filme homônimo. Aos 44 anos, sua carreira foi interrompida por um choque entre dois aviões no aeroporto de Medellín, na Colômbia. Ao lado de Alfredo le Pera, seu maior letrista, morria, carbonizado, o homem que ajudou a popularizar o tango. O mito, contudo, continua vivo. Aliás, como gostam de dizer os argentinos, ele canta melhor a cada dia.

http://historia.abril.com.br

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Há outra versão: a de que o tango é gênero musical de origem judaica. E judeu é o que não falta na Argentina, dita a nação que agasalha a maior colônia de hebreus da América Latina, seguida pelo Brasil.

O Tango de Rashevski
(Tango des Rashevski, Le, 2003)

Por Emilio Franco Jr.
26/06/2007


O filme tem seu ponto forte nos bons diálogos e conflitos entre os personagens.

Neste ano, Sam Garbarski recebeu muitos elogios por seu novo filme, Irina Palm, que foi ovacionado no Festival de Berlim, e era considerado, por muitos, o favorito ao Urso de Ouro. Porém, quatro anos antes de fazer sucesso no festival alemão, Garbarski lançou O Tango de Rashevski, produção que ficou engavetada por algum tempo e só agora chega aos cinemas nacionais.

O filme - uma co-produção entre França, Bélgica e Luxemburgo – conta a história da família Rashevski. Tudo começa com a morte de Rosa, a avó, uma judia que odiava a religião judaica e seus rabinos. Com o falecimento da avó, os Rashevski ficam perdidos. Eles não sabem como agir, nem como enterrar Rosa, que mesmo odiando a religião, já havia comprado um jazigo em um cemitério judaico. Sem ela, os Rashevski iniciam uma nova vida, pois percebem que não conhecem direito um ao outro, já que a avó era considerada o elo da família (um personagem chega a dizer isso no começo do longa).

O Tango de Rashevski é lento, mas não cansa. O filme é um grande passeio pela religião judaica e seus costumes, mostrando-nos dos judeus ortodoxos aos liberais. Os Rashevski são uma família com integrantes que divergem em suas opiniões sobre a religião. Nina (Tania Garbarski), por exemplo, percebe com a morte da avó que, para ela, a religião deve fazer parte da vida. Ela passa a fazer questão de ter um marido judeu, mas não um judeu qualquer. Nina quer que ele seja praticante e que tenha sido criado em meio aos costumes da religião. Já, como contraponto, um outro personagem, integrante da família, chega à conclusão de que não quer seguir os costumes da religião, talvez, por ter passado a vida sem se sentir inserido na comunidade judaica, como ele mesmo afirma em um determinado ponto do filme, ao dizer que, no enterro de Rosa, sentiu-se, pela primeira vez, um judeu de verdade.

O filme coloca seus persongens em situações de conflitos, ou de dúvidas, mas que de alguma forma acabam se solucionando. Com a morte da avó, os Rashevski começam a conhecer e a entender melhor o modo de pensar e agir de seus parentes. Cada qual encara a vida de um jeito, mas todos sabem que, não importa o que pense cada um, não há uma maneira certa ou errada de se viver. No fundo todos têm sua pitada de razão. O necessário é que as pessoas consigam viver de uma maneira feliz. E se algo na vida não der certo, se a saudade apertar, não tem problema, basta dançar um belo tango, nem que para isso, a música e a parceira estejam apenas na imaginação.

O novo trabalho de Sam Garbarski se mostra um filme agradável, sem exageros. Se o filme não alça grandes vôos, também não há do que reclamar. Garbarski é diretor e roteirista – divide os créditos com Philippe Blasband – de O Tango de Rashevski, e ele não decepciona nas funções que desempenha. O roteiro escrito a quatro mãos tem como ponto forte a qualidade dos diálogos os quais proporcionam discussões interessantes entre os personagens. Há frases inesquecíveis, que a todo tempo parecem estar concluindo um ponto da trama, como forma de chegar à solução dos contratempos da família. A velocidade lenta do filme – reafirmo que não cansa – é proposital, e causada pela forma como Garbarski resolveu filmar. Ele optou por mais momentos em que a câmera está imóvel, ou se move vagarosamente, como se dessa maneira ele estivesse fazendo constantes retratos da família. O trabalho de fotografia ficou por conta de Virginie Saint-Martin, que optou por usar tons escuros de cores, deixando os ambientes sombreados.

A liberal família Rashevski, com seus diversos integrantes, acaba nos apresentando a histórias de amor, amizade e relacionamentos, por meio de um levemente humorado drama, contado com uma dose de tango, que é uma dança judaica. Se algum personagem não aceitar muito bem sua origem religiosa e preferir, pelo motivo que for, viver afastado da religião, será a dança que o fará relembrar suas origens. Uma homenagem às diferenças – sejam elas quais forem - e à crença judaica. A maneira encontrada para fazer tal homenagem é o que acaba sendo mais interessante: uma família que, apesar de não negar sua origem, vê a religião como um problema.



Por Emilio Franco Jr.
26/06/2007

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