Acampamento Abril Vermelho, ligado ao MST, era responsável pelo abastecimento de quatro cidades da região
Bruna Caetano, Caroline Oliveira e Emilly Dulce
Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 26 de Novembro de 2019 às 09:46
Cerca de 700 famílias perderam as suas casas - Foto: MST Bahia
A professora Alexandra de Santos, 39 anos, se gaba da produção agrícola do acampamento Abril Vermelho, no município de Juazeiro (BA): “era gigantesca”. Segundo ela, as plantações foram destruídas durante a ação de despejo nesse e em outros dois acampamentos da região, que desalojou um total de 700 famílias nesta segunda (25).
No acampamento Abril Vermelho, as forças de segurança federais e militares retiraram cerca de 200 famílias – 800 pessoas. Alexandra, que vivia ali há oito anos, ajudava na organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
A área é da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e, segundo as famílias, a ocupação existia desde 2007, quando foi feito um acordo entre a empresa, os governos federal e estadual, o Incra, Ouvidoria Agrária e o Ministério Público Federal. Conforme a PF, entretanto, o início da ocupação se deu em 2012, quando a Codevasf entrou com o pedido de reintegração de posse, determinada nesta segunda-feira (25).
A vida no acampamento
O acampamento Abril Vermelho, com uma área de aproximadamente 700 hectares, era bem estruturado: possuía padaria, mercearias, sorveterias, lanchonetes e uma escola com 17 alunos e três professores remunerados pelo município de Juazeiro. O forte era a produção agrícola, totalmente destruída pelas forças de segurança, de acordo com Alexandra. “A produção era gigantesca. Quando eu estava saindo de lá, eles [forças policiais] estavam destruindo toda a nossa produção. Tinha batata, feijão, goiaba, manga, macaxeira... de tudo”, afirmou.
De acordo com a professora, o acampamento abastecia as cidades de Juazeiro, Petrolina, Sobradinho e Casa Nova, além remessas que iam para fora do país. A produção era dividida entre cultivos temporários, como feijão, milho, cebola, melão, melancia; cultivos permanentes, como manga, goiaba, acerola, limão; e cultivos semi-perene, como a plantação de maracujá.
A área faz parte do Projeto Salitre, um programa de irrigação da Codevasf, no município de Juazeiro, que tem como objetivo “contribuir para o desenvolvimento da região semiárida através da agricultura irrigada”, de acordo com o site da companhia. O rio Salitre é uma sub-bacia da bacia do rio São Francisco.
Segundo a empresa, a ocupação prejudicava o projeto de irrigação na região, que fica ao lado do rio São Francisco. Para o acampamento, este era o principal recurso hídrico disponível, além dos afluentes que passam pela área e desaguam no Velho Chico e de reservatórios.
Relembre o caso
Junto com o Abril Vermelho, outros dois acampamentos foram alvos de despejo na mesma operação: os assentamentos Irmã Dorothy e Irani de Souza, todos ligados ao MST, entre os municípios de Juazeiro e Casa Nova. No total, cerca de 700 famílias perderam as suas casas. Na madrugada de domingo para segunda-feira, por volta de 5h20, quando ainda era noite, “chegaram vários carros da polícia ao mesmo tempo”, e um helicóptero começou a rondar a área sem parar, segundo Alexandra de Santos. Os moradores, que estavam reunidos, começaram a entoar canções do movimento e palavras de ordem.
A reação do outro lado foi soltar tiros de bala de borracha e bombas de gás lacrimogêneo de forma desproporcional, de acordo com o movimento. Um morador foi atingido na cabeça, outro precisou ser socorrido e levado às pressas para uma Unidade de Pronto Atendimento da região. Alguns ainda passaram mal devido às consequências do gás lacrimogêneo, como Alexandra, que sentiu forte ardência nos olhos e na garganta.
Ela relatou que os policiais chegaram junto com uma ambulância ao local caso ocorresse alguma emergência. Em nota, a Polícia Federal afirmou que a operação foi deflagrada de forma pacífica.
Com a repressão, as pessoas recuaram e foram para as suas casas. A orientação foi retirar todos os pertences, caso contrário, passariam por cima. “A gente estava tirando as coisas de dentro e ao lado eles estavam passando por cima de todas as casas e barracos”, afirmou Alexandra. Foram disponibilizados caminhões para os moradores, caso estes tivessem algum lugar para ir. Alexandra foi levada para o assentamento Vale da Conquista, do MST, no município de Sobradinho, para onde está previsto o destino da maioria dos assentados.
Edição: Julia Chequer
Fonte: Brasil de Fato
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