Voltávamos de um curso na Cemig, a empresa de eletricidade e MG, quando o avião começou o procedimento de aproximação do Aeroporto Hercílio Luz.
Éramos um grupo de cinco, capitaneados pelo Engenheiro João Carlos Mosimann, à exceção de Waltrick (natural de Lages), nascidos na Ilha.
Quando o referido engenheiro, que depois tornou-se dedicado historiador, avistou o mar, emocionou-se e seus olhos verteram.
Isso aconteceu lá pelos primeiros anos da década de setenta. Entretanto, nunca me esqueci daquela manifestação sentimental de apego à terra onde nascemos.
Mas, de lá para cá, as coisas mudaram absurdamente, em decorrência do incentivo ao turismo, atividade que promoveu a transformação da cidade e adjacências em espaços exageradamente cosmopolitas.
E hoje, eu que tinha verdadeira atração pelo mar - o que não poderia deixar de ocorrer, por ter nascido em Canasvieiras, filho de pescador e ter surfado bastante - já não sinto vontade de ir à praia, sequer.
Tudo isso foi lembrado e dito, como decorrência da frase escrita por JACQUES ROUMAIN, na famosa obra Os governadores do rocio: Desde hace tiempo ese paisaje oceánico ya no lo commueve. Mira ahora el mar con los ojos del pescador que lamenta no tener una caña. Una fibra se cortó completamente en él. ¿Cómo pescar sin ella esa rara presa, el entusiasmo?
Vivo no único distrito da Ilha que não tem orla marítima: Ratones. O mar ainda me atrai, mas já não me comove, exceto quando leio a joia escrita por Othon D'Eça, titulada Homens e algas, por exemplo.
E parafraseando LEONARDO PADURA (renomado escritor cubano, na obra Água por todos os lados), a respeito do bairro onde nasceu (Mantilla, em Havana), sinto que nossa Ilha está cada vez mais deteriorada e despersonalizada pela modernidade e por culturas invasoras, notadamente a gaúcha, que se impõe, por conta de uma grande e histórica desídia administrativa, a qual tem consentido na inversão e expulsão de todos os nossos valores culturais. O ser e o falar ilhéus (ou manezinho, como muitos preferem) já não são os mesmos. O jeito "agalegado" (cantado) de falar anda sumido, quase por completo. O "oióió, tás tolo", o "si qúes, qúes, si non qués dix", o "vai ti cagá...", já raramente são pronunciados. Ninguém cheira mais a maresia, nem a fumo de cachimbo, como os nossos velhos pescadores. Se falarmos em "buzo", "papaterra", "puxadô", "toleteira", "perapau", "encontro", "espinhel", "toiceira de mambu", pouquíssimos saberão do que se trata. Ninguém mais "inresta cebola" em Canasvieiras, ou em Ratones, e raríssimas mulheres ainda sabem fazer "renda de birro". A pesca de "pribimbó" é uma vaga lembrança de raríssimos pescadores. Enfim, nossos costumes "já eram". A Ilha não é mais "nossa", senão de incontáveis adventícios.
Talvez - é imperioso admitir - a velhice me faça pensar assim, como o mesmo PADURA, na obra citada, lembrou:
( ...) siento la artera evidencia
de que esa ciudad en la que nací y vivo, a la que pertenezco
y de la cual escribo, comienza a ser un sitio ajeno, que me repele y al que repelo, que se empeña en maltratar mis recuerdos
y nostalgias. Tal vez porque envejecemos y nuestras percepciones físicas y espirituales cambian. Tal vez porque mi ciudad se
va convirtiendo en otra ciudad dentro de la misma ciudad.
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