3 de maio de 2018, 11h31
Por João Ozorio de Melo
Uma disputa judicial entre a Eletronic Frontier Foundation, organização que defende as liberdades civis no mundo digital, e o Departamento de Justiça, que supervisiona o FBI (a Polícia Federal dos EUA), deixou em estado de alerta advogados e, mais especificamente, diretores jurídicos de empresas: o FBI vem usando serviços de suporte técnico para fazer buscas forenses em computadores levados para reparo.
Um caso que chegou à Justiça recentemente revelou que o FBI paga técnicos do departamento Geek Squad do Best Buy, a maior varejista de eletrônicos do mundo, para fazer busca nos computadores dos clientes por ilegalidades.
A Geek Squad é, provavelmente, o serviço técnico de computação mais popular dos EUA. Por uma taxa anual de pouco mais de US$ 90, eles consertam três ou quatro computadores do associado, até mesmo os mais complexos, como a recuperação de arquivos de um disco rígido danificado, durante todo o ano.
O caso foi o do médico cirurgião Mark Rettenmaier, da Califórnia, que deixou seu computador na Geek Squad (esquadra de “gênios” da informática) para reparo. O técnico que consertou o computador descobriu pornografia infantil em um “espaço não alocado” do disco rígido e telefonou para o FBI.
Um agente do FBI conseguiu um mandado de segurança para fazer busca e apreensão na casa do médico, onde encontraram mais pornografia infantil. O médico foi denunciado, mas todas as provas obtidas foram descartadas e o processo foi encerrado, mais tarde, porque o agente do FBI fez declarações falsas no pedido de mandado judicial.
Mas, antes de trancar o processo, o juiz federal Cormac Carney, na Califórnia, disse que o médico não poderia razoavelmente esperar que a pornografia infantil em seu computador permaneceria privada durante o processo de recuperação de dados que ele autorizou. Ele deveria saber que a pornografia infantil seria descoberta e, isso feito, as autoridades seriam comunicadas.
A direção do Best Buy também divulgou uma declaração na qual afirma que o serviço técnico pede aos clientes para assinar um contrato de reparo, no qual admitem que, se os técnicos encontrarem alguma coisa ilegal no computador, eles devem avisar as autoridades.
Mas o advogado Aaron Mackey, do quadro da Electronic Frontier Foudation (EFF), disse aos sites Corporate Counsel, ExtremeTeck e à National Public Radio (NPR) que “uma coisa é dizer que não há expectativa de privacidade se um técnico descobre por acaso uma foto pornográfica quando está consertando um computador. Outra coisa bem diferente é dizer que não há expectativa de privacidade quando um técnico faz uma busca forense no computador do cliente, especificamente para procurar provas de ilegalidade, porque está recebendo dinheiro do FBI”.
“O fato de as imagens terem sido encontradas em um 'espaço não alocado' do disco rígido indica que o técnico da Geek Squad usou um software de busca forense para fazer a varredura do computador, para ver se encontrava alguma coisa ilegal. O contrato não diz nada sobre isso”, acrescentou o advogado.
A questão é que o Best Buy, através de sua Geek Squad, vem funcionando como um braço do FBI, alega a EFF. E os informantes do FBI na Geek Squad podem ser qualificados como agentes do governo, porque fazem esse trabalho por dinheiro, como foi comprovado.
Com a prática, o FBI pode contornar os dispositivos constitucionais que regulam as buscas e apreensões. A quarta emenda da Constituição dos EUA diz: “O direito das pessoas de estarem seguras em suas pessoas, casas, papéis e efeitos contra buscas e apreensões não razoáveis não pode ser violado e nenhum mandado por ser emitido a não ser diante de causa provável, sustentada por juramento ou afirmação e particularmente descrevendo o lugar a ser buscado e as pessoas ou coisas a serem apreendidas”.
A revelação desses fatos levou as publicações jurídicas a alertar advogados e diretores jurídicos das empresas sobre os riscos de enviar seus computadores para reparo em alguns serviços técnicos de grande porte como a Geek Squad. Eles podem ter em seus computadores documentos que se referem a problemas jurídicos dos clientes, como em casos de suborno para obter contratos no exterior ou de violação da lei de valores mobiliários. Tais informações podem ser passadas ao FBI e gerar uma denúncia.
Outro problema é que não se sabe se a Geek Squad é o único serviço de suporte técnico que colabora com o FBI. Podem haver outros. Por isso, a EFF entrou na Justiça para obter do FBI informações mais completas sobre empresas da área que operam como informantes. No último capítulo dessa disputa, o Departamento da Justiça peticionou à corte para não obrigar o FBI a revelar essas informações para a fundação.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2018, 11h31
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