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domingo, 20 de maio de 2018

União cede 1.042 terrenos para ocupação por entidades religiosas



Em um dos casos, templo paga R$ 0,62 anuais pela utilização
GV Gabriela Vinhal LN Lucas Negrisoli * postado em 20/05/2018 08:00 / atualizado em 20/05/2018 12:13


(foto: Bárbara Cabral/Esp. CB/D.A Press) Nada menos que 1.042 imóveis pertencentes à União estão ocupados por igrejas evangélicas, católicas, centros espíritas, de umbanda e lojas maçônicas. Muitas pagam aos cofres públicos taxas irrisórias, outras nem isso. Para se ter uma ideia, o valor médio desembolsado pelos inquilinos religiosos para usufruírem do terreno ou da construção pública é de R$ 395 por mês, mas há casos em que o pagamento não passa de R$ 0,62 anuais.

De acordo com dados obtidos pelo por meio da Lei de Acesso à Informação, desse total de imóveis “alugados” a entidades religiosas em todo o país, 16,7% pagam menos de R$ 10 por mês de taxas; 43,1% pagam entre R$ 10 e R$ 100; e 37,8% até R$ 1 mil. Apenas 2,5% das instituições contribuem com valores maiores, que vão de R$ 1,1 mil a R$ 54 mil mensais. Para especialistas ouvidos pela reportagem, esse quadro é resultado da má gestão do patrimônio público.

Os imóveis em uso pelas instituições são terrenos chamados de dominiais — quando, apesar de pertencerem à União, não são designados para uma função específica. Nesse caso, há a possibilidade de que um particular se aproprie do imóvel, desde que cumpra com as determinações legais e com o pagamento de taxas. Há, nos casos levantados pela reportagem, dois tipos de uso desses imóveis: pelo regime de ocupação e pelo de aforamento. O primeiro se refere às entidades religiosas que não têm posse real sobre as terras e, nesse caso, a União exerce, apenas, uma “tolerância” com o particular. Já no aforamento, o governo divide a posse com a entidade religiosa, mas o caráter público do imóvel ainda é mantido.
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Para que um particular possa usufruir desses regimes é necessário pagar taxas de ocupação referentes a 2% do valor avaliado do imóvel — isso para as instituições que registraram as ocupações até 30 de setembro de 1988. Depois dessa data, sobe para 5%. No caso do aforamento, a taxa é de 0,6% do valor do terreno. Em nota, o Ministério do Planejamento afirma que os tributos “refletem o valor de avaliação do imóvel com base na Planta de Valores Genéricos da região onde esteja localizado.”

É essa regra, no entanto, que permite distorções e situações como a do pagamento de uma taxa de apenas R$ 0,62 anuais pela ocupação de um imóvel em Belém (PA). Nesse caso, o felizardo inquilino é o Templo Adventista da Reforma. De acordo com a Planta de Valores Genéricos, o imóvel está avaliado em R$ 17,40 e por isso a taxa de ocupação foi fixada em R$ 0,62. Na verdade, nem mesmo com o baixo valor, a taxação está correta. Levando em consideração o preço declarado do imóvel, o valor cobrado deveria ser de R$ 0,87.

Existem situações parecidas na capital do Pará e em outras cidades pelo país. A Assembleia de Deus de Belém ocupa três endereços da União e paga taxas anuais que variam de R$ 0,80 a R$ 1,22. Em Inconfidentes, no Sul de Minas,

um templo da Assembleia de Deus desembolsa R$ 359 por ano. No Recife, a Congregação de Assistência Social das Irmãs Nossa Senhora da Glória paga R$ 8,51. Já Associação Bíblica e Cultural de Pregadores do Reino, sediada em Parnaíba, no Piauí, destina R$ 7,36 por ano à União.

Entre os mais de mil imóveis ocupados por essas entidades, boa parte não é usada como templo. Exemplo disso são as 20 vagas que a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária tem no estacionamento do edifício Topo do Rio, no centro da capital fluminense, pagando R$ 130 anuais de contribuição. Outro exemplo: os 19 apartamentos que diversas entidades ocupam em todo o país, entre elas a Benemérita Loja Maçônica Conciliação, que paga R$ 74,24 anualmente por um imóvel – avaliado pelo Ministério do Planejamento em R$ 3 mil. Há, ainda, uma chácara ocupada pela Federação Nacional da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, em Brasília, cuja taxa é de R$ 944 por ano.

Atualização

O professor de direito da Fundação Getulio Vargas Linneu de Albuquerque Mello explica que as distorções na cobrança das taxas pela União podem ser reflexo de uma desatualização dos valores dos imóveis. “Houve uma discussão, há alguns anos, sobre a possibilidade de se atualizar ou não os valores dos imóveis na cobrança de taxas. Mas, hoje, isso não vale mais”, explica. Para o professor, não há razão legal para os valores cobrados. “O que talvez esteja acontecendo é que o preço do imóvel não esteja sendo atualizado, mas não há nada que justifique uma contribuição de R$ 0,62 por ano”, aponta. “É preciso ponderar, também, que as taxas são cobradas pelo valor do que havia no terreno no momento da ocupação dele”, explica.
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O advogado Flávio Boson, mestre em direito público pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atribui as ocorrências à falta de fiscalização. “É má gestão. É a mesma coisa que fez a União permitir que pessoas morassem no Edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou há poucos dias em São Paulo”, afirma. Para ele, a falta de fiscalização é uma tônica importante na questão. “A União tem muito patrimônio, o país é enorme e poucas pessoas o estão gerindo. No frigir dos ovos, isso é um dano ao bem público, de todas as formas. Dano pela depreciação dos imóveis, dano pela perda da propriedade deles e dano por ter uma arrecadação inferior ao que poderia arrecadar”, afirma.
Falta de dados dificulta

As informações, disponibilizadas pelo Ministério do Planejamento, a partir do Portal da Transparência do governo federal, listam todos os imóveis que são de posse — integral ou parcial — da União e os responsáveis pelos mesmos. Não há, porém, uma relação clara entre quais imóveis são ocupados pelos responsáveis descritos nem mesmo o endereço ou o número completo do CNPJ dos particulares que ocupam as terras públicas. Durante quatro meses, a reportagem tentou contato com o Ministério do Planejamento para que as informações — tanto em relação aos valores pagos por essas entidades, quanto à localização desses imóveis — fossem repassadas. Somente quando a Lei de Acesso à Informação foi acionada a pasta liberou os dados.



Em nota, o ministério informou, em um primeiro momento, que não podia divulgar os valores pagos por cada uma das entidades religiosas à União, que o processo de discriminação é demorado e que não havia pessoal suficiente para que os dados fossem prontamente disponibilizados.



Além da falta de clareza nas informações divulgadas sobre os imóveis da União, há, também, a ausência de dados básicos para muitos deles. Dezessete não têm CNPJ declarado e, em um dos casos, há apenas o nome “igreja” constando no banco de dados do Ministério do Planejamento sem quaisquer outras informações.
Terra ocupada e depois invadida

Um dos lugares com maior número de igrejas ocupando terrenos da União é a capital federal. Há casos, inclusive, de moradores sem-teto que invadiram a área repassada a uma entidade religiosa. “A gestão anterior da igreja não teve interesse nesse terreno, então, o local foi invadido”, conta o pastor Fábio Bezerra, que comanda a Primeira Igreja Presbiteriana, em Sobradinho, há 10 anos. A igreja ocupa dois lotes, na zona rural de Sobradinho, e paga anualmente R$ 661,57 e R$ 989,18.



De acordo com o pastor, a União já foi avisada diversas vezes sobre a situação. “O grupo invadiu o terreno há 18 anos e construiu um condomínio com 10 casas, todas habitadas. Fiz questão de informar à União. Já fiz isso várias vezes, mas só agora, há dois anos, que a secretaria moveu uma ação de expulsão deles”, relata. Ele afirma que, no início, algumas pessoas ligadas à igreja moravam no local, mas já saíram.



“Uma foi passando pra outra, que passou para outra e perdemos o controle. A igreja tem a posse dessas áreas, mas não é dona”, conta. “Eu quero abrir mão do terreno invadido, mas já me disseram com todas as letras que não posso devolvê-lo, porque as pessoas estão morando nele”, afirma o religioso. O pastor explica que ainda paga a anuidade porque, caso a dívida não seja quitada, a igreja vai para a dívida ativa da União.



Em outro imóvel, funciona o Lar Batista Canaã, uma casa acolhedora de idosos cuja mensalidade é R$ 5 mil, no Lago Oeste. Atualmente, quatro idosos vivem no local, com capacidade para 16 pessoas. O lar foi inaugurado na última segunda, mas a ocupação ocorreu em 1996. O terreno de 21 mil metros quadrados, que é mantido pela Igreja Batista do Lago Norte, tem 702 metros de área construída e uma mansão que, de acordo com a coordenadora, que não quis ser identificada, foi construída pelos fiéis.



Nas informações fornecidas pelo Ministério do Planejamento, o valor do imóvel é de R$ 84.695,21. Tanto na escritura quanto nos registros da União, o nome de Helena Augusto Ludwing aparece como proprietária. Mas a coordenadora afirma que não foi ela quem doou o terreno à igreja. “Ela morou aqui muitos anos, mas a casa não foi dada pela União. Todas foram compradas de grileiros”, afirma. A coordenadora diz que o terreno é fruto da “boa ação de uma família” e que fazia parte de uma chácara que foi desapropriada.



Ainda existe em Brasília uma rádio da Federação Nacional da Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, também no Lago Oeste, que ocupa um terreno da União. No local, há uma antena de rádio e um gerador de energia elétrica. A vizinhança relatou à reportagem que, depois da instalação da torre, o sinal de telefone piorou. Apesar da tentativa de contato, ninguém respondeu.
Imunidade fiscal não inclui taxas
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As taxas de ocupação e de aforamento não estão incluídas na “imunidade fiscal” que entidades religiosas têm no Brasil, uma vez que não são impostos. Essa imunidade é garantida pelo item B do sexto inciso do artigo 150 da Constituição Federal, que determina que é vedado “à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios” o poder de “instituir impostos sobre templos de qualquer culto”.



Porém, esse benefício já foi questionado. Um exemplo, como relata o professor Linneu de Albuquerque Mello, é a cidade do Rio de Janeiro que, durante o mandato do prefeito Cesar Maia, passou a cobrar impostos de qualquer área que não fosse especificamente o “templo” previsto na Constituição. De acordo com ele, espaços agregados, como dormitórios de sacerdotes ou bibliotecas, por exemplos, começaram a ser tributados. “Foi uma discussão enorme, o prefeito entendeu que tudo que não fosse o templo em si era passível de tarifação. Foi um deus nos acuda na época. IPTU foi cobrado de todas essas entidades”, conta.


Porém, a jurisprudência atual sobre a cobrança de impostos é favorável às igrejas. O entendimento de que não é possível tarifar qualquer patrimônio, renda ou serviço com fins religiosos vem sendo aplicado desde 2002. Na época, a Prefeitura de Jales (SP) havia tentado recolher impostos da diocese da cidade, uma entidade de caráter administrativo da Igreja Católica, e esta recorreu à Justiça. O caso foi parar no STF e, no fim das contas, o plenário decidiu que a imunidade tributária ainda se aplicava. Desde então, essa é a maneira com a qual a Justiça lida com essa questão. 
 
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br

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