CANDIDATOS LEGAIS
3 de julho de 2022, 9h
* Esta é sétima entrevista da série Candidatos Legais, na qual a ConJur sabatina profissionais do Direito que se candidatarão a cargos eletivos nas eleições deste ano. Para ler as outras entrevistas, clique aqui.
Após 11 mandatos de deputado federal e passagem pelo comando do Ministério das Comunicações, Miro Teixeira perdeu a disputa pelo Senado em 2018. Jornalista e advogado, ele voltou a atenção para seu escritório, especialmente em causas referentes à liberdade de expressão.
Contudo, ficou achando que seu trabalho no Legislativo estava incompleto. Teixeira sentiu que era preciso avançar na consolidação das leis e organizar o funcionamento dos três poderes. Com esse objetivo, ele decidiu se candidatar ao 12º mandato de deputado federal pelo Rio de Janeiro, dessa vez pelo PDT, partido ao qual foi filiado pela maior parte de sua vida política, mas que havia deixado em 2013.
Deputado constituinte, Teixeira diz ser necessário colocar em prática o artigo 59, parágrafo único, que estabelece que "lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis". "Não é possível o brasileiro conviver com tantas leis", afirma.
Ele também avalia que os poderes "estão enfraquecidos e desorganizados, desarticulados". "Quando se vê no parlamento as emendas orçamentárias secretas, bate uma sensação de que é preciso estar lá para tentar impedir essa prática. Assim como impedimos muitas coisas, como a anistia para o caixa dois de campanha", declara.
Autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, na qual o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), Miro Teixeira é contra qualquer regulação da liberdade de expressão, mesmo diante da ascensão das fake news na internet.
O ex-deputado também defende que jornalistas tenham a mesma imunidade constitucional de advogados no exercício da profissão, ficando isentos de responder a processos de indenização e crimes contra a honra, como injúria e difamação.
Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros, Miro Teixeira foi, por muito tempo, um canal de interlocução entre a advocacia e o Congresso. Ele apresentou a deputados, por exemplo, proposta de reforma do Código de Processo Penal elaborada pelo IAB.
Com atuação em Direito Penal no começo de sua carreira, Teixeira aponta que a "lava jato" teve o ponto positivo de cessar a prática de corrupção em alguns estratos do Estado. Contudo, ele se diz decepcionado pelos métodos ilegais do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores de Curitiba e critica a destruição de empresas provocada pela operação.
Leia a entrevista:
ConJur — Por que o senhor decidiu se candidatar a mais um mandato de deputado federal?
Miro Teixeira — Eu disputei a minha última eleição para o Senado (em 2018) sabendo que não tinha chance. Era um posicionamento político. E achei que ali eu encerraria a minha atividade. Mas confesso que fiquei achando que faltava alguma coisa, faltavam algumas discussões. Por exemplo, a consolidação das leis. É algo que precisa ser feito, com base no artigo 59, parágrafo único, da Constituição ["Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis"]. Consegui fazer uma coisa ou outra, mas não é possível o brasileiro conviver com tantas leis. Na constituinte, nós pensamos nisso e criamos esse parágrafo único do artigo 59, imaginando que poderíamos fazer as comissões de consolidação das leis diretas. No penal, é perceptível que o número de leis extravagantes é cada vez maior, e isso também estimula a apresentação de projetos. Havendo essa possibilidade, essa facilidade de leis extravagantes para mexer no arcabouço jurídico, isso só vai se multiplicar cada vez mais. É só ver o que se passou com a redução do quórum para emenda constitucional de dois terços para três quintos. Em quase 34 anos, a Constituição Federal recebeu 111 emendas. Isso contando apenas as aprovadas.
Além disso, é preciso discutir a organização dos poderes. Há muitas discussões sobre democracia. Mas os poderes estão enfraquecidos e desorganizados, desarticulados. Não na relação entre eles, independente e harmônica, mas no funcionamento. Quando se vê no parlamento as emendas orçamentárias secretas, bate uma sensação de que é preciso estar lá para tentar impedir essa prática. Assim como impedimos muitas coisas, como a anistia para o caixa dois de campanha.
ConJur — O senhor pretende propor alguma alteração constitucional ou legal para delimitar as atuações dos poderes? De que forma isso ocorreria?
Miro Teixeira — Só pode ser constitucional. Porque há aberrações tanto no Legislativo quanto no Executivo e no Judiciário. Na constituinte, todo o projeto foi elaborado com base na ideia de um sistema parlamentarista. O presidencialismo foi estabelecido na última revisão. Tanto é que tem a medida provisória, que é um instrumento do parlamentarismo. Então é preciso ter essa autocrítica de que nós cometemos erros na constituinte. Nós não criamos, por exemplo, os balizamentos para a elaboração orçamentária. Remetemos a uma Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), tivemos algumas preocupações genéricas.
Há quem sugira desconstitucionalizar uma série de coisas, deixar que a lei ordinária regule, e entrar na common law em vez de ficar só na civil law. E quanto à jurisprudência e interpretações da lei que são ultrapassadas? Não podemos trabalhar com inteligência artificial para facilitar o trabalho? Podemos. E podemos também criar mecanismos de consulta para a população com facilidades para seguir decisões judiciais. Dentro do Judiciário, advogado tem prazo. Se não cumprir, está frito. Mas os ministros não têm prazos nos tribunais superiores. No primeiro grau, os juízes sofrem muito. Há um acúmulo enorme de processos e poucos juízes para a demanda da população brasileira. Mas nós podemos constitucionalmente estabelecer o direito de o cidadão ter direito ao julgamento da causa. Temos uma população carcerária enorme, que nunca esteve distante de um juiz.
Também é preciso estabelecer uma política nacional de segurança pública. Basta ver essa recente chacina ocorrida na Vila Cruzeiro, no Rio, que deixou 23 mortos.
ConJur — A União tem a Força Nacional. Mas o órgão não tem efetivo permanente. Ele convoca policiais de outros estados. Seria desejável que a Força Nacional tivesse um efetivo permanente e funcionasse como uma polícia ostensiva federal?
Miro Teixeira — O objetivo é mais definir uma política para segurança pública, definir que não pode haver esses excessos que são cometidos. É incrível como as coisas vão acontecendo, vão se tornando naturais, e os cidadãos vão ficando com medo do aparato de segurança do Estado. A rigor, ficam com medo do Estado. Ficam com tanto medo quanto do bandido.
ConJur — De modo geral, como o senhor avalia a qualidade das leis produzidas no Brasil?
Miro Teixeira — Nós estamos com muitas leis. A primeira coisa a se fazer é uma consolidação das leis. Aplicar o disposto no parágrafo único do artigo 59 da Constituição.
ConJur — Como seria essa consolidação das leis? Em códigos?
Miro Teixeira — A consolidação não inova. A consolidação junta e limpa, varre o que está em desuso, o que não é considerado constitucional. Mas passa-se a ter um corpo organizado para analisar. Há muitas emendas constitucionais e leis, além dos projetos. Então a qualidade das nossas leis não é boa. Veja quantas vezes o Judiciário é chamado a intervir pelos legisladores. E depois falam contra a judicialização da política. Ou seja, o legislador reclama à Justiça e depois reclama do que a Justiça decide.
ConJur — A qualidade da justiça se subordina à qualidade das leis?
Miro Teixeira — Sim, e à qualidade dos juízes. Uma recente avaliação [do World Justice Project: Rule of Law Index 2021] sobre eficácia do sistema carcerário para reduzir a criminalidade e a reincidência e respeito aos direitos dos presos colocou o Brasil ficou na 131ª posição de 139 países. Penso que isso é um exagero. A Justiça brasileira não é perfeita, mas, mesmo com epidemia e uma porção de coisas nesse período, ela seguiu funcionando. Vejo os juízes de primeiro grau atolados de trabalho, sem condições de trabalho. Também vejo muitos advogados reclamando que os juízes pararam de recebê-los, mas é que passou a ter muita coisa online, e isso foi mudando.
Mas o julgamento presencial é indispensável. O juiz tem que olhar para o advogado, e o advogado tem que olhar para o juiz. O Ministério Público também tem que olhar para o advogado, e o advogado, para o Ministério Público. Todos têm que olhar quem está sendo julgado quando estamos tratando de matéria penal.
ConJur — Em sua opinião, é possível ou desejável criar parâmetros objetivos para aferir o impacto econômico e social das leis?
Miro Teixeira — Não vejo a menor dificuldade de se ter apoio da tecnologia para fazer isso. Há diversos instrumentos à disposição para fazer avaliação do impacto econômico e financeiro. E isso não é feito na ponta do lápis. Isso é feito por inteligência artificial.
ConJur — Em sua opinião, a advocacia, a academia e demais profissionais do Direito deveriam ter maior participação no processo legislativo? Se sim, como?
Miro Teixeira — Deve ter maior participação no processo legislativo, mas também deve ter no processo eleitoral. Eu sou diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros. E há grupos de advogados no Rio que estão começando a se organizar para apoiar as candidaturas de advogados. Não é corporativismo, porque o advogado não precisa disso — ele já tem o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), que foi alterado há pouco. E o advogado é essencial à Justiça. Não há Justiça sem advogado. Então é preciso que ele esteja presente na tramitação das leis que a Justiça vai aplicar, para que elas se tornem melhores e para que a Justiça fique cada vez melhor. Vamos fazer uma assembleia só de advogados? Não, não é nada disso. Mas a presença dos advogados é essencial nas comissões permanentes. Pode-se ter pessoas ótimas em ciências exatas, por exemplo, mas que acabam cometendo algum disparate constitucional. E o advogado que faz parte daquela comissão chama atenção para isso.
Outra ideia que pretendo levar adiante são os advogados sem mandato parlamentar. Na Câmara dos Deputados e no Senado existem as comissões externas. Se existe um episódio excepcional, cria-se uma comissão externa para avaliar o que está se passando. Seria positivo incorporar mais advogados para acompanhar as missões externas no Congresso, para que venham com as suas indagações e as suas dúvidas, aproveitando o momento em que o Legislativo está fazendo a sua investigação para aperfeiçoar uma lei ou evitar que algo se repita.
O artigo 133 da Constituição estabelece que “o advogado é indispensável para a administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Então ele tem que dar reciprocidade à Constituição, tem que estar mais presente na garantia dos direitos individuais, nas ações do Legislativo. No IAB, advogados emitem pareceres sobre projetos de lei, que são encaminhados aos relatores das propostas no Congresso. A OAB também tem essa prática. Mas nas questões de atuação externa ou até na iniciativa de projetos de lei, os advogados, com mandato ou sem mandato, precisam atuar mais.
ConJur — Após se formar na faculdade, o senhor começou a atuar com Direito Penal. Como avalia o legado da operação “lava jato”?
Miro Teixeira — Há prós e contras. O dinheiro que foi devolvido não é falso. Mas o que aconteceu com as empresas foi muito ruim para a vida do país. Era preciso punir quem praticou crimes, mas poupar as empresas. Eu confiei na operação “lava-jato”, então a minha decepção foi grande. Sou um crítico ácido de alguns procedimentos. Mas a operação inegavelmente interrompeu um fluxo de roubo na administração pública. Hoje há uma fiscalização maior, está mais difícil roubar. Não que tenham parado, mas está mais difícil.
ConJur — Por que o senhor se decepcionou com a “lava jato”? Avalia que houve abusos na condução da operação?
Miro Teixeira — Sergio Moro não deveria ter saído da 13ª Vara Federal de Curitiba. Não deveria ter se tornado ministro. Isso foi muito estranho e tirou a credibilidade do que foi feito. Depois foram divulgadas aquelas conversas entre ele e procuradores. É normal que juiz e procuradores conversem, porque eles trabalham no mesmo ambiente. Agora, juiz orientar a ação do Ministério Público é ilegal. Então é uma frustração ter visto isso acontecer. E hoje se vê que todas as punições aplicadas aos políticos praticamente desapareceram. Parece que quem tem que ficar com medo é quem não transgrediu, é quem não roubou. O controle da política parece está na mão daqueles que têm familiaridade com esses procedimentos, para usar palavras muito delicadas.
ConJur — Em 2010, o senhor, ao apresentar projeto de alteração do Código de Processo Penal, criticou a proposta de criação do juiz das garantias. “Embora fundado no justo e louvável propósito de separar o ‘juiz que investiga’ do juiz que efetivamente julga a causa, o legislador acaba por afirmar a existência do ‘juiz que investiga’, conferindo-lhe um reconhecimento estranho à magistratura”, diz a justificativa do novo projeto, apresentado por Teixeira. “A própria denominação ‘juiz das garantias’ constitui um pleonasmo assustador, de vez que nenhum juiz pode ser juiz sem compromisso com tais garantias”, completa. Continua tendo essa opinião?
Miro Teixeira — Foi um projeto baseado em documento produzido pelo IAB. Hoje o IAB mudou de posição. Há prós e contras. Vamos começar pelos contras: será que o juiz que sentencia sem ter acompanhado toda a instrução do processo está em condições de organizar completamente o seu processo de decisão? Por outro lado, o juiz que, ao fazer a instrução inicial do processo, sabe que é ele que vai julgar não pode direcionar o caso? É preciso estudar o assunto. Mas, hoje, sou a favor do juiz das garantias.
ConJur — No projeto de alteração ao CPP, o senhor entendeu ser necessário que o código proibisse expressamente a possibilidade de a investigação criminal ser conduzida pelo Ministério Público. Desde então, o MP só ampliou seus poderes investigatórios. Como avalia a possibilidade de o MP conduzir investigações?
Miro Teixeira — Na maioria dos casos, é a polícia quem conduz as investigações. O Ministério Público conduz poucas investigações. O Ministério Público tem o poder de investigar, mas a condução do inquérito é do delegado.
ConJur — O senhor foi relator da Lei 12.683/2012, que atualizou a lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998). A norma permitiu que casos de lavagem de dinheiro fossem processados e julgados independentemente do processo e julgamento das infrações penais antecedentes. Há quem critique esse ponto, dizendo que, se não for comprovado o crime antecedente, não há que se falar em lavagem de dinheiro. Como avalia esse ponto?
Miro Teixeira — Simples: é aquele tipo de coisa que, diante do fato, você vai saber que houve lavagem de dinheiro. Se alguém entrar na casa de um servidor e encontrar R$ 55 milhões, saberá que é dinheiro de lavagem. Agora, se tiver a prática de outro crime, então ocorreram dois crimes. Mas a consequência de um crime está visível. A polícia tem essa sensibilidade de saber o que é resultado da prática de um crime. Nas investigações criminais, quase sempre a primeira impressão do primeiro policial que chegou no local é verdadeira, corresponde ao que aconteceu. Mas como fazer essa medição pela lei? É preferível deixar aberta a possibilidade de algo que, muito provavelmente, é produto de crime seja objeto de investigação. Na “lava jato” teve muita coisa que tinha aparecido lá atrás, com o cruzamento de informações bancárias. Ao seguir as contas, às vezes se esbarra em dinheiro ilícito. Então é preciso "seguir o dinheiro".
ConJur — O senhor foi autor da arguição de descumprimento de preceito fundamental na qual o Supremo Tribunal Federal declarou que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967) não foi recepcionada pela Constituição de 1988 (ADPF 130). Na era da internet e das fake news, seria desejável ter uma nova lei de imprensa? Se sim, em que moldes?
Miro Teixeira — Não há possibilidade. A Constituição protegeu a liberdade de imprensa. Tudo bem que não existe essa expressão na Constituição, ela fala apenas em direito à livre manifestação do pensamento, da expressão e tudo mais, mas ela inseriu a prática nos direitos e garantias individuais. É cláusula pétrea. E todas as questões que surgirem são resolvidas com mais liberdade. Isso foi discutido pela Suprema Corte dos EUA no caso New York Times Co. v. Sullivan, no qual o tribunal decidiu que decidiu que as proteções à liberdade de expressão na 1ª Emenda da Constituição norte-americana restringem a capacidade de governantes processarem por difamação. O julgamento foi parte da luta de Martin Luther King pelos direitos civis dos negros nos EUA, e eu o citei na tribuna do STF.
Mas não há possibilidade de uma lei de manifestação de expressão. Não há o que fazer. Os direitos da personalidade estão garantidos na Constituição. A injúria, a calúnia, a difamação. Agente público não deveria ter direito a ser polo ativo em ação penal de crime contra a honra praticado pela imprensa. Agente público, o que foi eleito para cargo eletivo, tem que estar exposto a todo tipo de crítica, para que o cidadão saiba em quem está votando.
ConJur — O senhor já declarou que jornalistas deveriam ter a mesma imunidade constitucional de advogados no exercício da profissão, ficando isentos de responder a processos de indenização e crimes contra a honra, como injúria e difamação. Como fazer isso? Via projeto de lei? Ou poderia ser feito por decisão do STF?
Miro Teixeira — Quando eu era deputado, fiz uma palestra no Supremo Tribunal Federal no plenário, que foi presidida pela ministra Cármen Lúcia. Eu falei que isso poderia ser feito via recurso extraordinário. Mas, por exemplo, a tarifação da indenização virou inconstitucional antes de se derrubar a Lei de Imprensa. Precisaríamos olhar os recursos que estão em tramitação. Também poderia ocorrer por iniciativa do Executivo ou do Legislativo. Mas dificilmente isso irá acontecer. Afinal, os detentores do poder gostam de elogios.
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Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
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