POR CLEIDE CARVALHO
06/2014 8:00
POR CLEIDE CARVALHO
06/2014 8:00
SÃO PAULO - Se até os 14 anos meninas e adolescentes são vítimas principalmente de violência sexual, a partir dos 15 anos de idade é a agressão física que encabeça a lista da violência contra a mulher no país. Um levantamento feito a pedido do GLOBO pelo sociólogo Júlio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e responsável pelo Mapa da Violência, mostra que 46% dos atendimentos prestados pelo SUS a mulheres vítimas de violência correspondem a espancamentos. Na faixa etária de 15 a 59 anos, lesões provocadas por violência física superam 50% dos atendimentos. Quando se trata de mulheres acima de 60 anos, a agressão física segue alta (41,3%), e aumentam as ocorrências por negligência e abandono (19,1%).
— De longe, a física é a forma mais frequente de violência sofrida pelas mulheres. E não devemos esquecer que estamos lidando com a ponta do iceberg. Nem todas, nem a maioria das violências cotidianas vão parar nos postos do SUS — explica Waiselfisz, que analisou os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) de 2012, atualizados este ano.
De acordo com o levantamento, 106.030 mulheres vítimas de violência foram atendidas pelo SUS em 2012. A taxa chega a 107 por 100 mil mulheres. Isso significa que, a cada cem mulheres, uma foi agredida a ponto de precisar de atendimento médico. Mais de 75% dos casos acontecem a partir de 15 anos, e a prevalência é maior na faixa entre 15 e 19 anos.
Violência também psicológica
O segundo tipo de violência mais frequente é a psicológica e moral, que aumenta no ritmo em que avança a idade. Em terceiro lugar aparece a violência sexual, que ocupa o primeiro lugar para meninas até 14 anos. Em 70% dos casos, o crime acontece dentro de casa.
Maria Letícia Fagundes, médica do Instituto Médico Legal do Paraná e à frente da ONG Mais Marias, afirma que a tortura psicológica só não lidera a lista de violência contra as mulheres porque elas só se percebem vítimas depois da agressão física.
— É uma ação progressiva. Primeiro ocorrem as ofensas, depois as surras. A mulher só se dá conta do quanto foi torturada psicologicamente depois que foi fisicamente agredida — diz Maria Letícia.
A vulnerabilidade nas ruas é maior para jovens de 15 e 29 anos, quando as ocorrências em vias públicas representam de 20% a 24% do total. Mesmo assim, os crimes cometidos por agressores desconhecidos não passam de 10% do total. Enquanto a violência contra meninas de até 14 anos parte principalmente de pais e mães, na idade adulta a mulher é vítima em relacionamentos amorosos. Metade das agressões contra jovens entre 20 e 49 anos é praticada por maridos, namorados, ex-maridos e ex-namorados.
Os relatos feitos ao Disque 180, telefone de denúncias da Secretaria Nacional de Política para Mulheres (SPM), mostram que 25% das vítimas sofrem violência desde o início da relação. O período em que ficam expostas é longo: em 38% dos casos, o tempo de relacionamento chega a dez anos. Mesmo depois da Lei Maria da Penha, as mulheres demoram a denunciar por medo de serem mortas ou por vergonha.
— O fim do relacionamento é um momento de risco para a mulher. Muitos assassinatos ocorrem com o rompimento — diz Aline Yamamoto, coordenadora de Acesso à Justiça e Combate à Violência da SPM.
Ainda hoje os tribunais abrandam a pena aplicada aos autores desse tipo de crime, sob argumento de que foi cometido sob “forte emoção”.
— Não são crimes passionais. São crimes de ódio cometidos com requintes de crueldade, com mutilações do corpo feminino — ressalta Aline.
Na América Latina, 11 países já tipificaram o crime de feminicídio. No Brasil, o projeto de lei aguarda aprovação no Legislativo. Entre 84 países do mundo, o Brasil ocupa o sétimo lugar em homicídios de mulheres, com taxa de 4,4 homicídios em cem mil, atrás de países como El Salvador, Rússia e Colômbia. As mortes estão em alta: a taxa de homicídios de mulheres entre 15 e 29 anos subiu de 6,93 por cem mil habitantes em 2004 para 7,75 em 2011. A gravidade da situação levou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou a violência contra a mulher no Brasil a sugerir a inclusão da discriminação de gênero na Lei de Crimes de Tortura. Aprovado pelo Senado, o projeto está na Câmara dos Deputados e em abril passado foi retirado do plenário por falta de acordo para votação.
Desde 2009 está parado no Legislativo o Projeto de Lei 4.857, chamado de Lei da Igualdade, que tipifica o crime de discriminação de gênero contra a mulher e estabelece pena de detenção e multa.
— Os projetos relativos à mulher não são prioridade no universo masculino — afirma a deputada Jô Morais (PCdoB/MG), líder da bancada feminina.
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