por Franca Giansoldati
Padre Maciel foi estuprador,
mentiroso, corrupto, funesto
Na periferia oeste de Roma, ao longo da Via Aurelia, em um dos becos de cimento em que todas as coisas parecem iguais às outras, surge uma anônima igreja de tijolos vermelhos e mármore branco, de construção recente, nem pequena nem imponente, nem feia nem bonita.
Ela quase desaparece de vista, dissimulada no meio de uma selva de grandes palácios compactos e sem graça, agredida e engolida pelo tráfego mortal que corre à sua frente sem trégua. Ela poderia passar totalmente despercebida, se não se encontrasse na parte inicial de uma artéria de grande fluxo que, da capital, leva para o mar.
Aparentemente, essa igreja não tem nada de incomum: parece ser nada mais do que uma das 330 paróquias romanas que surgiram como cogumelos junto com os novos bairros da cidade, durante o boom da construção dos anos 1960. Linhas regulares, quadradas e anônimas, nenhum vício arquitetônico.
No entanto, o seu interior conserva um segredo. Uma passagem escondida que leva a uma cripta de mármore, perpendicular ao altar, ao andar de baixo. Está desoladamente vazia e despojada. Não hospeda altares, estátuas, quadros, afrescos nem relíquias. Nada. Com exceção do pároco e do sacristão, quase ninguém pode cruzar esse limiar, como se fosse um lugar a ser esquecido, capaz de despertar inquietação, desconforto, más recordações.
Nessa cripta vazia, deveria encontrar uma solene sepultura um padre mexicano muito amigo de Karol Wojtyla e que, até poucos anos atrás, era estimado e elogiada por fiéis e prelados. Para depois ser removido da veneração e da memória, até o esquecimento. Hoje, ninguém mais quer falar nem ouvir falar dele, como se a sua própria vida fosse um acidente, uma maldição (...).
O padre Marcial Maciel Degollado, o diabólico fundador dos Legionários de Cristo, queria ser sepultado justamente ali. Ele mesmo tinha feito com que se construísse essa cripta para si mesmo, sonhando para fazer com que seus restos mortais repousassem, um dia, entre essas lápides de mármore, talvez venerado como santo, se o destino não tivesse intervindo para descobrir uma caixa de Pandora, mudando o curso dos acontecimentos.
E assim o triunfo final que Degollado havia programado e ansiado por toda a sua vida – enganando até mesmo o Papa Wojtyla, que tinha sido iludido pelo afeto que sentia em relação a ele – felizmente não ocorreu, embora tenha estado a um passo de ser cumprido.
Interveio o costumeiro, providencial grão de areia para desviar o curso dos eventos, determinando um fim da pomposa parábola costurada por Maciel profundamente diferente daquilo que este homem, de aspecto aparentemente reconfortante e inócuo, havia programado para si mesmo.
Como na história do Dr. Jekyll e de Mr. Hyde, ele tinha mais de uma identidade e mais de uma vida. Estuprador, mentiroso, coração corrupto, alma funesta. Os seus jovens, no seminário, eram obrigados a chamá-lo de nuestro padre, quando o encontravam nos corredores, dentro das estruturas da congregação disseminadas por meio mundo. Caso contrário, receberiam reprimendas e punições.
O fundador era poderoso, carismático, intocável. E ninguém jamais poderia imaginar que, um dia, para muitos desses jovens, esse padre magro de olhar um pouco pasmado se transformaria no diablo, o pior dos seus pesadelos. Sem alimentar nenhuma suspeita, sentindo-se seguro de que ninguém jamais o poria em discussão, Maciel conseguiu conduzir, ao longo da sua vida, três existências paralelas. Era o amigo do papa.
Ele era poderoso, admirado e respeitado tanto em Roma quanto na América Latina, onde os Legionários de Cristo tinham o seu quartel general. Ninguém jamais imaginaria remotamente que, enquanto isso, ele tinha criado e mantido duas famílias, uma no México e outra na Espanha. Que com as suas duas "esposas" ele tivera dois filhos. Que ele havia submetido dois dos seus filhos aos piores abusos sexuais. Um pai inquietante, inaferrável, que provia o seu sustento, mas depois entrava e saía de casa e desaparecia por longos períodos.
A ficção seguiu em frente para além da imaginação. Tanto na vida pública quanto na vida privada, os desígnios do mal avançavam.
Livro traz novas
relevações sobre padre
Bastaria apenas o horrendo destino que coube aos filhos naturais, crianças inconscientes, agora adultos forçados a acertar as contas com um passado devastador. O capítulo dos abusos é terrível.
O monstro Maciel se manchou com esse crime também nos seminários, molestando diversos meninos que frequentavam as realidades dos Legionários de Cristo. De acordo com as testemunhas, crueldades e violências físicas e psicológicas sempre se consumaram no silêncio, no medo, na cumplicidade.
Só com a morte de Maciel, que ocorreu em janeiro de 2008, o muro desmoronou lentamente, deixando aterrorizadas a opinião pública, a Igreja, as pessoas que gravitavam de boa fé em torno dessas estruturas, perturbando e entristecendo todos aqueles que, em Roma, tinham conhecido e ajudado Maciel inconscientemente.
A verdade brotava dos relatos como um riacho que lentamente desce para o vale, tornando-se um rio, varrendo tudo. Às denúncias iniciais, iam se somando outras inúmeras denúncias. As revelações sobre as diabólicas identidades de Maciel puseram sob acusação todo o sistema do Vaticano, respingando lama até mesmo sobre a memória de João Paulo II João Paulo II (...)
Esse texto é um trecho do livro Il demonio in Vaticano. I Legionari di Cristo e il caso Maciel [O demônio no Vaticano. Os Legionários de Cristo e o caso Maciel] (Ed. Piemme). A tradução é de Moisés Sbardelotto.para IHU-Online.
Leia mais em http://www.paulopes.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário