Os serviços de inteligência não conseguem se antecipar às ações dos grupos antissistemas
Desde 2005 já foram instalados 203 artefatos explosivos
ROCÍO MONTES Santiago de Chile 9 SEP 2014 - 20:45 BRT
Um buquê de flores marca o lugar da explosão. / M. BERNETTI (AFP)
A explosão ocorrida na segunda-feira em um shopping center próximo a uma estação de metrô em Santiago, que deixou 14 feridos, alguns em estado grave, se tornou um assunto prioritário para o Governo de Michelle Bachelet. “O que aconteceu é horrível, abominável, mas o Chile é e continuará sendo um país seguro”, afirmou a presidenta depois do atentado, o mais grave desse tipo desde a volta da democracia, em 1990.
O atual Executivo assumiu em março passado, mas a autoridades já se encontravam em alerta havia vários meses: em 2014, os grupos antissistema instalaram 29 artefatos. Desde que começaram a atuar no Chile, em 2005, foram 203. Em 13 de julho, uma bomba explodiu pela primeira vez em uma estação de metrô, a de Los Domínicos, mas não causou vítimas. Embora tenha sido detonada à noite, quando quase não havia passageiros, foi um sinal para as autoridades, que entenderam que os autores estavam dispostos a atuar em lugares públicos de grande movimentação. Até então, os alvos mais frequentes haviam sido caixas eletrônicos, e sempre de madrugada.
O atentado da segunda-feira foi diferente. Dois jovens instalaram um extintor com pólvora negra em uma lixeira do centro comercial que fica junto à estação Escola Militar, por onde transitam entre 120.000 e 150.000 pessoas por dia. O mecanismo estava associado a um sistema de relojoaria e explodiu às 14h, em plena hora do almoço. Dois feridos estão em estado grave, uma faxineira perdeu parte da mão direita, e um técnico de informática venezuelano precisou ser operado devido a uma fratura na perna. A onda expansiva da bomba foi suficiente para provocar danos auditivos a uma dúzia de pessoas.
Os grupos antissistemas apontados como suspeitos das ações têm um perfil bastante complexo e, apesar de haver pistas, como os nomes de algumas pessoas e de 81 agrupamentos diferentes aos quais se atribuem ataques, a inteligência chilena não pôde se antecipar às suas ações.
Em maio de 2009, por exemplo, morreu Mauricio Morais: um artefato explosivo que ele iria instalar perto da Escola de Polícia foi prematuramente ativado. Esse anarquista de 27 anos era conhecido nos circuitos de casas ocupadas de Santiago e tinha uma tatuagem onde se lia: “Sem deus nem senhor”. Um novo nome apareceu em cena em 2 de junho de 2011: Luciano Pitronello, de 23 anos. Uma bomba estourou em suas mãos, e ele sofreu queimaduras em 32% do corpo, além de perder a mão direita, três dedos da esquerda e parte da visão em um olho. Foi condenado por portar um dispositivo incendiário, mas se livrou da acusação de terrorista e recebeu uma pena de seis anos, com o privilégio da liberdade condicional. Aos 17 anos, escrevera em seu blog: “Sou um anarquista de apenas 17 anos, mas tenho o critério bem formado para tomar minhas decisões (...). Um exemplo claro de não estar de acordo com as injustiças do mundo é, por exemplo, estar a favor dos boicotes contra empresas que fazem deste mundo uma grande injustiça… exemplo: a Coca-Cola (...) financiou a guerra do Iraque”. O único que cumpre uma pena efetiva é o sociólogo Hans Niemeyer, de 41 anos, que foi processado pela acusação de fabricar e instalar bombas, embora os tribunais não lhe tenham atribuído nenhum delito terrorista. A Justiça o condenou a 5 anos e 300 dias depois da explosão de uma bomba em um banco, em 30 de novembro de 2011.
A primeira administração de Bachelet (2006-2010) e a do presidente Sebastián Piñera (2010-2014) realizaram esforços para controlar os ataques, mas eles foram infrutíferos. Em agosto de 2010, pouco depois de um artefato explodir perto da casa de Piñera, o Ministério Público ordenou a detenção de pessoas acusadas de associação ilícita para o terrorismo, o que culminou com processos judiciais contra 11 pessoas no chamado Caso Bombas. Os tribunais, no entanto, absolveram em junho de 2012 os seis que chegaram a ser indiciados. A Lei Antiterrorista tem deficiências, e o Ministério Público, que não tinha em mãos uma investigação sólida, nada pôde fazer diante da falta de provas. Inclusive falou-se de uma armação envolvendo o Governo Piñera.
O reforço das medidas de segurança, as ações judiciais do Governo, a atuação dos órgãos policiais e a formação de uma comissão de especialistas para estudar a reformulação da Lei Antiterrorista não bastaram para impedir o inédito atentado da segunda-feira. Tampouco bastou a designação de um promotor exclusivo para investigar a trama: o Ministério do Interior ainda não concretizou a injeção de recursos que prometeu para formar equipes de investigação.
Fonte: EL PAIS
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