Até o momento, 22 empresas apresentaram através de um concurso público propostas para vender cannabis em farmácias
MAGDALENA MARTÍNEZ Montevidéu 3 SEP 2014 - 21:09 BRT
Os cultivadores de maconha do Uruguai comparecem há dias em um lento gotejo às agências dos Correios para legalizar sua situação. Até sexta-feira passada, eram 54 os inscritos no arquivo eletrônico previsto pelo Governo. Ao mesmo tempo, as empresas que pretendem cultivar a erva em grande escala apresentam suas propostas. Até a data, 22 empresas se apresentaram ao concurso público – oito uruguaias, dez estrangeiras e quatro de capital misto –. Serão selecionadas até cinco, que terão licença por cinco anos (renovável) e terão de produzir mais de uma tonelada de maconha por ano.
O autocultivo é um dos pilares da lei, que prevê também a autorização à criação de clubes de maconha, e tem como ponto mais inovador a venda controlada da substância nas farmácias, que poderia começar a valer em princípios de 2015. Nessa data, espera-se uma forte afluência ao cadastramento, já que o autocultivo é limitado aos consumidores com certa dedicação e espaço para as plantas.
Os cultivadores cadastrados poderão ter até seis plantas de cannabis em casa e deverão renovar a licença a cada três anos. A empregada de uma agência dos Correios do bairro de Pocitos, em Montevidéu, calcula que seis pessoas fazem o trâmite por dia. Os requisitos são apresentar um documento de identidade e uma conta que indique o lugar de residência do solicitante. Essa trabalhadora se diz surpresa pelo “fácil e natural que está sendo” o processo. “O mais curioso é que a maioria dos que vêm tem mais de 60 anos”, acrescenta.
Não há estatísticas sobre a idade dos autocultivadores, um mundo clandestino que inclui várias gerações. Mas a Federação Nacional dos Cannabicultores do Uruguai confirma que os primeiros a aproveitar a mudança legislativa estão sendo os consumidores de sempre, aqueles que têm plantas há anos, estiveram sempre à mercê de uma denúncia de sua atividade ilícita e inclusive conheceram a prisão.
A maioria dos que querem cultivar maconha tem mais de 60 anos
Uma funcionária de agência dos Correios de Montevidéu
O modelo de negócio das empresas que pretendem produzir cannabis é inovador em escala mundial. O Governo avalia o investimento inicial em mais de um milhão de dólares (cerca de 2,2 milhões de reais). O retorno dependerá do preço de venda que as autoridades determinarem. “Nosso grupo é composto por empresários uruguaios vinculados ao agronegócio, que têm conhecimentos de cultivos protegidos (em estufa), com 40 anos de experiência como floricultores”, afirma Rafael Rünnitz, que trabalha em uma das empresas que se apresentaram à licitação, e que pede não mencionar o nome da companhia.
A empresa trabalha com vários cenários de rentabilidade. Se o Governo fixar o grama de maconha a 0,6 centavos de dólar, seria possível recuperar o investimento em um prazo de 10 a 14 meses, afirma Rünnitz. O objetivo das autoridades é manter os preços abaixo do que é cobrado no mercado negro.
Uma das preocupações do setor é a segurança. Existe temor de ataques por parte do narcotráfico, de modo que algumas propostas incluem o transporte da maconha em caminhões blindados como os que levam o dinheiro dos bancos.
De forma alguma é um ‘não tô nem aí’. Melhor que esconder a realidade é tratar de conduzi-laJosé Mujica em plena campanha eleitoral
O investimento de outra das empresas uruguaias que pretendem cultivar a cannabis supera amplamente o milhão de dólares, e não prevê lucros antes dos cinco anos, indica seu coordenador, Gastón Rodríguez. Enquanto algumas empresas projetam várias colheitas anuais, o seu “é um modelo de negócio de produção contínua”, que consiste em “um ciclo permanente de trabalho e colheita, acumulando maconha para poder entregar a cada 15 dias, como exigem as autoridades”, afirma. “Está em jogo toda a indústria que pode estar por trás da planta em nível mundial. Se isso fracassar no Uruguai, dificilmente se repetirá em outros países”, opina Rodríguez.
A implementação da lei avança passo a passo e sem contratempos, em um país onde 65% da população é contra a legalização da maconha, segundo uma pesquisa de opinião realizada em julho. Em plena campanha eleitoral, o presidente José Mujica advertiu que a medida “de forma alguma é um ‘não tô nem aí’”, e que “melhor que esconder a realidade é tratar de conduzi-la e capturar a tempo os efeitos mais nocivos que ela tem. Espero que algum dia o país possa compreender isso”.
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