O padre Beto, longe da Igreja há mais de um ano, diz que a Igreja Católica precisa mudar muito para que ele tenha vontade de voltar
GABRIELA COLICIGNO São Paulo 31 AGO 2014 - 10:11 BRT
Roberto Francisco Daniel, de 49 anos, mais conhecido como padre Beto, foi excomungado pela Igreja Católica há mais de um ano, mas mesmo assim continua pregando os ensinamentos que o fizeram ser expulso da Igreja. Vem celebrando cerimônias de casamentos, inclusive entre casais homossexuais. Desde o seu desquite com a Igreja – após uma advertência por usar as redes sociais, ele se negou a participar de um tribunal eclesiástico – ele já realizou três uniões religiosas de casais do mesmo sexo, sendo duas em Jaú, interior de São Paulo, e outra em Belém, no Pará.
Nesses últimos meses, ele, que vive em Bauru, no interior de São Paulo, continua mantendo hábitos do sacerdócio, inclusive afirma que mantém o celibato. "Foi a vida que escolhi e que tenho certeza de que é a certa para mim", explica. Além de casamentos, ele comparece a velórios, mas "sem ser em nome da Igreja Católica". Dá aulas de filosofia no Centro Universitário de Bauru e na Universidade Paulista (Unip) e ministra palestras na área de ética. Beto também aproveitou para lançar um livro,Verdades Proibidas, e agora se prepara para lançar em setembro Jesus e a sexualidade, em que aborda a sexualidade na Bíblia e qual é o fundamento da moral sexual da Igreja Católica.
Ao se deparar com o assunto nas confissões que ouvia, nas discussões diárias e com os pedidos que recebia, ele achou que era necessário estudar de onde vinha a concepção da Igreja e como ela poderia lidar melhor com o assunto diante da sociedade atual. "Não existe fundamento na Bíblia que sustente a postura da Igreja diante do sexo", afirma.
Em abril de 2013, recebeu uma carta de advertência da diocese, exigindo que ele retirasse todo o conteúdo das redes sociais, nas quais o padre Beto era muito ativo e pregava seus pensamentos e suas visões de mundo. Eles também disseram que ele teria de pedir perdão por tudo o que havia postado na internet e falado em suas missas. Mas ele se recusou a pedir perdão e apagar o conteúdo, e lhe pediram que tirasse uma semana para repensar no assunto. Quando ele chegou para a segunda reunião, decidido a se afastar da diocese e parar de exercer suas missas, foi surpreendido por um tribunal eclesiástico. "Eu me recusei a participar do tribunal, porque não fora intimado". Isso foi o suficiente para que ele fosse excomungado no mesmo dia.
Ele mantém, ainda, suas posturas polêmicas. Defende, por exemplo, a necessidade do uso da camisinha – "Ser contra o uso da camisinha no Brasil é um crime" –, o que chocou a diocese da região.
Padre Beto é categórico: não quer voltar para a Igreja Católica, muito menos fundar uma igreja própria. "Acho que o ciclo se encerrou. A Igreja precisaria mudar muito para que eu conseguisse voltar para ela", afirma.
Nascido em uma família católica, foi criado dentro da religião, em um núcleo da Teologia da Libertação, linha mais aberta da Igreja. Na faculdade, cursou História e Direito, foi professor, mas resolveu entrar para o sacerdócio em 1991. "Se tivesse nascido em uma família evangélica, seria pastor. Se fossem budistas, me tornaria um monge", explica ele.
Nos estudos para se tornar padre, lhe ofereceram duas bolsas de estudo: uma para Roma, na Itália, e outra em Munique, na Alemanha. Ele aceitou ir para a Alemanha, onde fez seu mestrado em Teologia: um estudo teológico sobre o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, do cineasta Glauber Rocha. O trabalho impressionou a universidade, que lhe ofereceu uma bolsa de estudos para o doutorado. Porém, antes disso, ele resolveu voltar ao Brasil em 1998 para se ordenar padre. Depois, foi novamente para a Europa e fez seu doutorado, analisando a memória histórica dos filmes de Steven Spielberg, principalmente em O Resgate do Soldado Ryan, Amistad e A Lista de Schindler.
Quando voltou ao Brasil para ficar, em 2001, ele encontrou uma Igreja Católica diferente da que havia deixado anos antes. A Igreja havia se distanciado da política, da economia e se tornara mais dogmática. "Antes, nós tínhamos uma Igreja que queria humanizar as pessoas, não convertê-las para o catolicismo", afirma ele. Mesmo com todas as divergências, suas missas atraíam bastante público, chegando a mais de mil pessoas em alguns dias. Os assuntos abordados e a maneira mais aberta ao diálogo como o fazia eram bastante populares entre os católicos da região.
Fonte: EL PAIS
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