por Fernando do Valle
Alto Volta, pequeno e pobre país colonizado pelos franceses, sem acesso ao mar e fronteiriço a seis países (entre eles, Mali, Níger e Costa de Marfim) sofreu em 1983 um golpe de Estado, infelizmente comum nos países africanos. Mas dessa vez quem assumiu não foi mais um corrupto ditador defensor dos interesses das antigas metrópoles. Quem passou a comandar o país foi Thomas Sankara, jovem capitão do exército de apenas 34 anos, que rebatizou o país como Burkina Faso, a Terra dos Homens Íntegros, e se tornou figura emblemática no combate à pesada herança de séculos de colonização.
Fortemente influenciado pelos ideais socialistas e anti-imperialistas, Sankara pregava que seu país não necessitava de ajuda humanitária como a doação de alimentos dos países ricos, que utilizavam esse método falsamente generoso para manter os africanos na miséria, como verdadeiros “pedintes”. Sankara afirmava que Burkina Faso produzia alimento suficiente para alimentar sua população e isso não acontecia devido à desigualdade, como sempre, e a desorganização do país. Em alguns anos de governo, Sankara realmente alcançou a autossuficiência alimentar do país.
Thomas Isidore Noel Sankara nasceu em 21 de dezembro de 1949 e foi assassinado em 15 de outubro de 1987.
Acusado por um funcionário francês das Nações Unidas de militarizar o país, Sankara respondeu que tinha consciência das forças contrárias ao seu projeto político e que seus soldados eram treinados dentro do projeto político e ideológico para conscientizar a população do país. Sem essa consciência, afirmava Sankara, todo soldado é um potencial criminoso. É lógico que a teoria não funcionava com perfeição na prática.
Segundo os ditames da revolução de Sankara, os soldados dos exércitos africanos deveriam libertar o povos reprimidos por regimes reacionários e opressores. Para isso, ele criou em Burkina Faso “Os Pioneiros”, grupo de meninos de até 12 anos educados dentro dos ideais do anti-imperialismo e do anticolonialismo. Se Sankara conseguiu feitos notáveis na área social, também tratava com mão de ferro sindicatos que se opunham ao seu governo.
Durante uma greve, chegou a prendeu 1400 professores. Muitos desses professores passaram a ser substituídos por “professores da revolução” que passaram por breve treinamento de 10 dias. O autoritarismo e intolerância com os opositores era o traço que jogava a figura de Sankara na vala comum de dezenas de líderes e ditadores africanos. Além disso, Sankara chegou a criar tribunais revolucionários onde opositores do regime eram julgados com severidade.
Por outro lado, algumas decisões de Sankara modificaram a dura realidade de Burkina Faso. Entre elas: ampla campanha de vacinação que praticamente erradicou doenças como poliomielite e sarampo, criação de programa de reflorestamento no país que sofria com a desertificação de boa parte de seu território, duro combate à corrupção, programa de mutirão que construiu centenas de casas retirando grande parte da população de barracos precários, reforma agrária e programa de irrigação que praticamente dobrou a produção de trigo por hectare no país, além da construção de estradas de ferro.
Mesmo em um país pobre e com poucos recursos, o forte carisma de Sankara conseguiu mobilizar os burquinenses nessas empreitadas. O líder burquinês também reconheceu o direito das mulheres e incentivou a emancipação feminina na forte cultura machista africana indicando mulheres como ministras e na formação militar.
Vídeo produzido por “Media Alien” reúne alguns trechos de discursos de Sankara:
Adepto do pan-africanismo, Sankara aproveitou uma conferência em Adis Abeba, na Etiópia, que reuniu vários líderes africanos, para questionar a imoralidade da dívida externa contraída por governos africanos submissos aos antigos colonizadores. O líder burquinês enxergava na dívida externa a perpetuação do poder dos países europeus sobre o continente africano.
Ainda dentro dos ideais da união africana, Sankara fez um duro discurso em que colocou o presidente francês François Mitterrand contra a parede quando o recebeu em Burkina Faso em 1986 ao questionar a recepção em solo francês do líder sul-africano Pieter Botha. Sankara afirmou que Botha passeou com suas “mãos e pés cheios de sangue” tranquilamente em Paris. Botha reprimia com violência a luta contra o apartheid na África do Sul. Para escapar da saia justa, Mitterrand falou que o discurso do presidente de Burkina Faso era fruto da “juventude e do amor por seu povo”.
Sankara também tomou fortes medidas de austeridade nos gastos públicos: diminuiu seu salário e de seus ministros, substituiu a frota oficial de Mercedes pelo carro mais barato vendido no país, o modelo 5s da Renault, cancelou viagens de primeira classe de funcionários públicos e acelerou o julgamento de ex-membros do governo anterior por corrupção.
O assassinato de Sankara
Em 15 de outubro de 1987, Sankara foi fuzilado por opositores, em seu corpo foram encontrados balas de armas como a russa Kalashnikov e até estilhaços de granadas. Essa foi a conclusão de uma autópsia realizada somente em 2015.
Centenas de pessoas choraram a morte de Sankara nas ruas da capital Uagadugu. Na época do golpe de Estado que colocou Blaise Comparoé no poder (braço direito de Sankara), o laudo indicava morte natural como causa mortis do revolucionário burquinês. Oito pessoas foram acusadas em 2015 pelo crime.
Tudo indica que o governo francês e a CIA tiveram participação no crime como também Compaoré. Quando o fiel amigo Compaoré assumiu a presidência (poucos dias após o assassinato de Sankara), ele comprometeu-se a ratificar as conquistas revolucionárias, mas o que se viu foi mais do mesmo, o retorno à conhecida política de alinhamento aos interesses das potências europeias e dos Estados Unidos. Compaoré governou Burkina até 2014 quando também foi deposto e refugiou-se na Costa do Marfim
Apesar de certos erros políticos e de derrapadas autoritárias, o otimismo e confiança de Sankara provaram a real possibilidade de superação dos seculares e crônicos problemas do sofrido povo africano.
Fontes usadas: Documentário “Thomas Sankara – The Upright Man” de Robin Shuffiel e Geledés – Instituto da Mulher Negra.
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