“O Arquivo Nacional está doente”
29/8/2012
Em longo e minucioso texto distribuído pelo sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal-Sintrasef, servidores do Arquivo Nacional fizeram uma série de denúncias sobre a situação da instituição, que é descrita como um organismo doente em que há uma “rotina de assédio moral, censura e desrespeito.”
O documento, autenticado com carimbos do Sintrasef e da Associação dos Servidores do Arquivo Nacional-Assan, tem o seguinte teor:
“A lista de reclamações é farta, daria um livro com centenas de páginas, mas é melhor resumir em poucas linhas os desmandos, a incompetência e o autoritarismo que caracterizam a atual gestão do Arquivo Nacional, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, com sede na cidade do Rio de Janeiro e uma coordenação regional no Distrito Federal, e que tem à frente, há vinte anos, o mesmo diretor: Jaime Antunes da Silva.
Só o tempo que Jaime ocupa o cargo já chama a atenção. Por que o dirigente de um órgão da Administração Pública Direta Federal permanece tantos anos no cargo? Essa resposta os servidores do Arquivo Nacional não têm, mas eles denunciam que o clima entre os funcionários é de muita insatisfação e, principalmente, indignação com várias atitudes da direção do Arquivo. Some-se a isso a luta por um plano de carreira que já dura anos.
Alguns números convidam à reflexão. Por exemplo, a quantidade de servidores afastados por licença médica é inquietante. Muitos deles afirmaram que as causas de suas moléstias estão no ambiente de trabalho, onde predominam um péssimo clima organizacional, tensões diárias com as chefias, autoritarismo, a vigilância constante e outros fatores geradores de estresse e doenças psicológicas incapacitantes para o trabalho.
O setor de Recursos Humanos do Arquivo Nacional é pouco atuante, e são constantes os casos de desrespeito aos aposentados, quando precisam resolver alguma pendência no Arquivo. Há alguns anos, a sala de atendimento aos aposentados foi transferida mais de uma vez para locais de difícil acesso aos idosos, especialmente para aqueles que se locomovem em cadeiras de rodas. Medidas paliativas foram tomadas, mas o problema de acesso continua e não há data para resolvê-lo eficazmente. Um verdadeiro descaso com aqueles que dedicaram anos de suas vidas ao Arquivo Nacional.
As condições de trabalho no Arquivo Nacional são ainda piores para os funcionários terceirizados. Empresas contratadas para serviços de limpeza freqüentemente deixam de recolher direitos trabalhistas como INSS e FGTS. Vários relatos de maus-tratos e abusos contra os trabalhadores terceirizados chegaram à Associação dos Servidores do Arquivo Nacional-Assan, mas a direção do órgão nada faz para evitar esses problemas. Enquanto isso, o medo de retaliações e até da demissão fazem com que muitos terceirizados suportem calados as truculências e crueldades a que são submetidos em sua rotina de trabalho.
Censura contra estudantes e represálias contra representantes dos servidores
A ditadura militar no Brasil acabou no ano de 1985. Mas suas práticas ainda são muito bem defendidas pela direção do Arquivo Nacional. Uma delas, a abominável censura intelectual, começou em 2010 com a publicação de duas portarias da direção que criaram mecanismos de controle da produção acadêmica dos servidores. Foi designada uma comissão interna para analisar trabalhos a serem apresentados em eventos acadêmicos. A medida se deu após um servidor divulgar num congresso de Arquivologia uma pesquisa que demonstrava a insatisfação dos servidores do Arquivo com as condições de trabalho na instituição, incluindo aí o assédio moral. A decisão final sobre a permissão ou não da apresentação de trabalhos cabe ao diretor Jaime Antunes. O debate e aprimoramento científico e o crescimento intelectual são vistos como ameaça pela direção do Arquivo Nacional.
Só há bem pouco tempo se criou um programa de capacitação profissional, depois de muitos protestos contra a falta de critérios para possibilitar a participação dos servidores em cursos, congressos e seminários. Antes que isso acontecesse, servidores em estágio probatório foram impedidos de cursar pós-graduação, mesmo havendo direito previsto em lei (licença horário especial servidor estudante, art. 98 da lei 8.112), compensando horário, o que acabou levando algumas pessoas a deixarem o Arquivo Nacional para poderem investir nos estudos. Sem dúvida, o prejuízo ficou para a instituição, que perdeu bons profissionais.
A outra ameaça, na ótica dos dirigentes do Arquivo Nacional, é a representação sindical-associativa dos servidores. Presidentes e diretores da Assan já foram processados e perseguidos por omitirem opiniões críticas à direção do órgão. Houve também uma orientação por parte da administração aos coordenadores de setor para que diretores da Assan tivessem descontados pontos na avaliação anual de desempenho. Sem falar na severidade quando se trata de punir grevistas: o Arquivo foi um dos primeiros a acatar diretriz do Ministério do Planejamento quanto ao corte de ponto referente aos dias de paralisação em 2012. E ainda foi mais realista que o rei. Até mesmo um dia parado em agosto de 2011 foi descontado. A administração não tardou a mover um processo contra a greve deste ano, tal como fez em 2008, quando chegou a pedir a prisão do presidente da Assan.
Mas as evidências da má administração do Arquivo Nacional não se resumem a atitudes autoritárias e desrespeitosas contra os trabalhadores. Estão também escandalosamente expostas nas matérias publicadas em jornais de circulação nacional, que revelaram as condições de deterioração de depósito, em razão de umidade e infiltração, ameaçando seriamente a integridade dos acervos e a saúde dos funcionários na coordenação regional em Brasília. A administração só tomou providências após os bombeiros condenarem a estrutura do prédio e uma reportagem ser publicada na Folha de S. Paulo, apesar das inúmeras reclamações daqueles que trabalhavam no local.
Para coroar este resumido inventário das pequenas tragédias cotidianas do Arquivo Nacional, é importante frisar que, durante a gestão Jaime Antunes, o Arquivo deixou de tomar a posição que lhe era de direito e dever: o de principal órgão formulador de uma política nacional de arquivos. Com a implementação da Lei de Acesso à informação, cada vez se torna mais patente a desorganização e o pouco caso reservado aos arquivos no Brasil. Tal constatação é feita por gestores de arquivos públicos pelo país. O Arquivo Nacional nunca assumiu a contento o papel de grande articulador, planejador e gestor do sistema arquivístico brasileiro, e as conseqüências disso serão sentidas com o passar do tempo.
O Arquivo Nacional, responsável pelo projeto Memórias Reveladas, e que atua no auxílio à Comissão Nacional da Verdade, que visa esclarecer vários crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante o regime militar, precisa passar por uma urgente e necessária reestruturação e renovação administrativa. A reivindicação por um processo democrático de escolha de dirigentes para a instituição parte de seus próprios servidores, cansados do autoritarismo, desrespeito e descrédito da atual direção-geral, que já deu diversos motivos para justificar tamanho clamor. Um servidor resumiu bem, em apenas uma frase, a atual situação do Arquivo Nacional: “A ditadura está aqui dentro.”Arquivo Nacional
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