Duas ações diretas de inconstitucionalidade pedem fim do atual modelo de Ensino Religioso no Brasil | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Rachel Duarte
Uma das mais antigas discussões da humanidade está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF). A obrigatoriedade do Ensino Religioso na educação pública pode entrar na pauta dos ministros ainda este ano. Duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) questionam a oferta do ensino religioso no formato atual. Movida por entidades que cobram o princípio da laicidade no país, as ações correm o risco de não entrar na pauta se o julgamento do Mensalão se arrastar até novembro, quando ocorre a aposentadoria do ministro relator, Ayres Britto. Enquanto o tema não tem um desfecho na corte, as normas de aplicação da lei ficam ao cargo dos estados – o que gera inevitáveis distorções, como o pouco espaço para religiões de matriz africana e a ausência de discussões sobre ateísmo.
A Constituição Federal de 1988 determina a oferta do ensino religioso nas escolas da rede pública de ensino fundamental, com matrícula facultativa – ou seja, cabe aos pais decidir se os filhos vão frequentar as aulas. A advogada da ONG Ação Educativa, uma das autoras da ação no STF, Ester Rizzi, explica que o tema é tão polêmico, quanto antigo no Brasil. “Esta discussão sempre existiu. É a maior polêmica de todas as constituintes desde 1924. Desde lá se questiona a obrigatoriedade ou não do ensino religioso. Luta perdida, na minha visão que acredito no estado laico, quando em 88 a Constituição tornou obrigatória”, explica.
Com a última reedição da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996, passou a ser obrigação do estado o financiamento do ensino religioso. “O texto original não previa que o ensino religioso se constituísse como uma disciplina isolada. A mudança assegurou a religiosidade e mudou o caráter confessional, onde o aluno dizia a sua opção religiosa”, diz Ester.
O ensino religioso é hoje a única disciplina delegada por uma lei e sem qualquer diretriz curricular sobre seu ensinamento. A ONG Ação Educativa realizou estudo em 2008 nos estados brasileiros e constatou diversas invasões à laicidade no ensinamento da religiosidade no país. “No Rio de Janeiro, por exemplo, foi feita uma lei municipal que regulamenta o ensino confessional obrigando os professores a serem aprovados por autoridades religiosas para dar aulas ou não. Está previsto em concurso público esta norma”, diz Ester Rizzi.
Nos materiais didáticos oferecidos na rede pública a entidade também acusa omissão com alguns credos. “Mesmo quando o estado tenta o pluralismo, geralmente não inclui as religiões de matriz africanas e os ateus”, cita.
RS forma professores para diversidade, mas também não fala sobre ateísmo
No Rio Grande do Sul, a 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) promove formação de Diversidade Religiosa aos professores de Ensino Religioso. A intenção é ampliar a compreensão dos educadores sobre a relação transdiciplinar da religiosidade com outras áreas do conhecimento, respeitando a diversidade do contexto escolar. O primeiro módulo já ministrado com apoio do Conselho de Ensino Religioso do Rio Grande do Sul tratou de abordar a contribuição das tradições afro-brasileiras para a construção da cidadania.
A coordenadora do Ensino Religioso da 3ª CRE, Marisa Durayski, comentou que o curso totalizará 40 horas aula e o próximo módulo enfatizará as tradições indígenas. “No ano passado já promovemos um curso com as principais religiões, Judaísmo, Espiritismo, Hinduismo, entre outras”, fala. Porém, quando perguntada sobre ateísmo, ela disse que não foi pensado no curso. “Apesar de surgir nas palestras a pergunta sobre como lidar com alunos que não tem religião, não pensamos nisso. Pensamos a questão da cidadania e o respeito às diferenças de credo”, admite.
Para quem lida na ponta com os delicados limites dessa questão, torna-se um desafio garantir um ensino religioso que contemple as diferentes experiências e crenças encontradas em uma sala de aula. “Cada lugar tem a tendência a certas religiosidades. Em algumas regiões do estado não se admite o ateísmo. É uma cultura mais difícil de abordar”, fala coordenadora de Gestão de Aprendizagem da Educação Básica, da Secretaria Estadual de Educação, Ester Guareschi Soares.
Segundo ela, a política pedagógica do ensino público gaúcho é de não defender símbolos religiosos em sala de aula ou nas escolas e respeitar as diferentes manifestações culturais. “Sabemos que temos alunos com diferentes credos. Mas o estado é laico, e assim deve ser”, defende.
Ester explica que a atual gestão estadual desconstitui a assessoria de Ensino Religioso existente na Secretaria Estadual de Educação e incluiu a religiosidade no setor de Ciências Humanas. Além dos professores formados pelo Conselho de Ensino Religioso, em um curso de 360 horas/aula, o estado oferece professores formados em outras áreas do conhecimento para ministrar as aulas. “Filosofia, antropologia, entre outras. Não trabalhamos doutrina específica. Trabalhamos um aspecto cultural de busca da espiritualidade, desenvolvimento de valores como justiça, solidariedade e fraternidade. Este é o foco. Mesmo os que se dizem não-crentes, buscam o transcendente”, fala a coordenadora.
Fonte: SUL 21
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