Uma coisa não parece ter mudado: o individualismo, a ponto de cada um falar "meu Deus", como a cronista.
MARIA LUCIA DAHL
Jornal do Brasil
É muito estranho o tempo que estamos vivendo agora. Um tipo de mentalidade hitleriana que se espalhou pelo mundo ou ficou trancada no armário desde a época do ditador. Por racismo e preconceito o norueguês Anders Behring Breivick pediu desculpas aos colegas de ideologia por só ter matado 77 pessoas que não pensavam como eles, em vez de ter acabado com todos.
Um jogo de futebol, que sempre foi considerado um esporte saudável, agora passou a seguir, a sério, a música de Jackson do Pandeiro: “ Esse jogo não pode ser um a um, se o meu clube perder, mato um!”. Hoje em dia, a parte da torcida que perde, mata os torcedores do clube que ganha, como aconteceu com as torcidas do Vasco, Flamengo e Fluminense.
Não há mais discussão em família. Se o pai não concorda com a mãe, por exemplo, saca o revólver e dá um tiro nela por que a sopa estava fria ou outros motivos parecidos. E o que dizer das escolas onde as crianças morrem com tiros disparados contra elas sem saber por quê?
Talvez vingança da professora de matemática , cuja matéria os alunos, ou parte deles, implicam.
Então esses assassinos são consultados por médicos que declaram que eles não são loucos, mas têm apenas uma maneira diferente de pensar.
Eu, que pertenci à geração Paz e Amor, não que tenha participado dela, de carteirinha, como muitos que desistiram da vida cotidiana e foram pra Arembepe se drogar e olhar o mar, fiquei entre a paz e o Movimento Estudantil contra a ditadura militar, mas nossa guerra também era pela paz, contra torturas, prisões e pela liberdade de pensamento.
Quanta gente deu a vida por esses ideais nos anos 60, pra acabar nisso? Acaba a ditadura e libera o ditador que vive em cada um de nós? É isso que é liberar geral? Uma vida sem diálogos? A única coisa necessária é um revólver no bolso e estamos combinados assim? Tem também o dinheiro que substitui tudo: caráter, modo de pensar, jeito de agir.
Já fui assaltada oito vezes no Rio de Janeiro, do Leme ao Pontal. Mas continuo andando de metrô ou mesmo de ônibus, se tiver que ir à cidade, por exemplo. No metrô bato papo com todo mundo, gente que me conhece, gente que nunca me viu, papo que, em geral, começa comigo perguntando ao colega de banco onde devo saltar pra ir à rua tal.
Quando volto de ônibus pra casa, reparo em gente conhecida que finge que não me vê por vergonha de estar num ônibus. Então, viram de costas, põem o jornal no rosto ou mesmo pensam em se atirar pela janela. Eu, não. Vou olhando a rota da cidade a Botafogo que fazia no Buick do meu pai, pois tudo naquela época era na cidade: médicos, dentistas, lojas. Então fiz uma viagem ao passado, que começou na Colombo, depois peguei o ônibus e fiquei olhando o Hotel Novo Mundo, a Praça Paris, que antigamente tinha bichos esculpidos nas folhas das árvores, em volta do lago, passei por aquele edifício cinzento que chamam de Dakota brasileiro, num estilo eclético, o edifício Biarritz que amo até hoje, o Palácio do Catete, a Igreja da Glória, linda em cima daquele morro, com exceção absoluta daquele cabeção do Getúlio na entrada da praça, em baixo.
Qual é o sentido daquilo? O que faz ali?
Talvez tenha seguido os conselhos daquela música de Carnaval que cantávamos nos bailes infantis:
“Bota o retrato do velho, outra vez
Bota no mesmo lugar
Que o sorriso do velhinho
Faz a gente se alegrar...”
Será, meu Deus?
Fonte: JB
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