Não me apraz ver o que fizeram com nossas águas cristalinas, com as nossas brancas areias, com as nossas pitangueiras, araçás e camarinhas, com a vegetação de jundu que, afrontando os ventos, ornava com mimosas flores a nossa bela orla.
Onde estão os maçaricos, os trinta-réis, as gaivotas e os tesourões que povoavam nossas praias, rodeavam nossos barcos, catavam os peixes miudos que sobravam dos arrastões?
Onde estão os maçaricos, os trinta-réis, as gaivotas e os tesourões que povoavam nossas praias, rodeavam nossos barcos, catavam os peixes miudos que sobravam dos arrastões?
Conspurcaram, com esgotos, lixo e presença excessiva de construções, embarcações e veículos, o paraíso. Correram com os siris de casco azul, que colhíamos nas tardesinhas, com puçás. Onde os goiás, que caçávamos nas tocas de pedras à beira-mar? Que foi feito dos botos, dos paratis, dos deliciosos peixes-porcos, dos linguados? Para onde teriam fugido as garoupas, os badejos, nos quais nossos costões eram pródigos?
Morrerei, como muitos ilhéus, nostálgico da liberdade e do desassombro que tínhamos para andar pelas paisagens referidas. Hoje, todos se preocupam com assaltantes, gente drogada, bêbada, mal educada (que joga futebol e frescobol, misturado com arremesso de areia), que faz suas necessidades na água, que faz sexo nas barrancas, que não respeita os outros frequentadores, enfim. As liberdades foram levadas ao extremo e, pior, tal estado de coisas não reflui para patamares razoáveis, abundando os abusos de todas as espécies.
Não se vê mais os poéticos batelões e canoas de voga, que singravam nossos mares e baias impulsionados por remos e velas, substituídos que foram, inicialmente, pelos barulhentos motores das baleeiras e, depois, pelas possantes "voadeiras" e pelas motos aquáticas, responsáveis pelo lançamento de óleo e resíduos de combustível nas águas, as quais estão virando cloaca.
Já se tem notícia, até mesmo, de banhistas atropelados por exibidos ("novos ricos", na verdade otários que vivem pendurados em financiamentos de longo prazo) os quais pilotam veículos aquáticos, não raro bêbados irresponsáveis.
Não há mais como deixar um espinhel ou uma rede de caceio a coletar peixe fresco para o consumo do dia seguinte, porque ladrões levam os equipamentos largados à própria sorte, ou as lanchas os cortam em mil pedaços. Assim, só se consome pescado congelado e que rolou nos barcos das indústrias durante muitos dias, perdendo o gosto original e se transformando em produtos mal cheirosos, que em nada lembram os que costumávamos capturar e degustar.
A quantidade de esgoto é tamanha, - porque a população está a se multiplicar vertiginosamente - que, dentro em breve, a Ilha desaparecerá, dando lugar a um pedaço de terra cercado de bosta por todos os lados.
A cultura local foi massacrada e a cidade está cada vez mais cosmopolita, embora eu não desgoste dessa mistura de gente de todas as procedências, sotaques e gostos, porque as diferenças criam um "mosaico" verdadeiramente fascinante.
O que criou o caos acima lamentado foi a incúria e incompetência dos administradores e sobretudo dos legisladores, pois, ao meu entender, a grande culpada pelo descalabro que está a transformar nosso paraíso em inferno é a Câmara de Vereadores, integrada por pessoas sem compreensão de urbanismo e desenvolvimento sustentável, e sobretudo venal, que se deixa levar por interesses de empresários inescrupulosos e burros, que detonam as nossas belezas naturais, ou, em outras palavras, incumbem-se de matar a galinha dos ovos de ouro.
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