Elefantes continuam sendo mortos para abastecer a indústria
de símbolos religiosos que tem lojas até no Vaticano
Nas Filipinas, "marfim" é
sinônimo de imagem religiosa
Na Galeria Savelli, na praça de São Pedro, na Cidade do Vaticano, em Roma, uma vendedora oferece ícones e imagens religiosas esculpidos em um material precioso. “Marfim, marfim, marfim”, diz ela aos compradores em potencial. Há ali, entre outras peças, crucifixos em marfim benzidos por padres.
O papa Bento 16 vive exortando a humanidade a seguir um caminho sem grandes pecados, mas ele, entre outras coisas, não faz nada para impedir em suas cercanias, no Vaticano, um tipo de comércio que tem estimulado a matança de elefantes por causa do marfim.
O comércio de produtos feitos de marfim está proibido desde 1989, quando foi elaborada a Cites (sigla que em português significa Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção), também conhecida como Convenção de Washington. O Vaticano está entre os países que não subscreveram o documento.
Ou seja, a Galeria Savelli e outras lojas de Vaticano que comercializam símbolos religiosos em marfim estão dentro da lei, embora muitas vezes a origem de seus produtos não, mas lá ninguém está preocupado com isso.
Na edição de outubro da National Geographic, Bryan Christy, 47, faz um relato sobre como os fiéis de crenças e seguidores de crendices em geral têm mantido ativo um comércio responsável pela matança de elefantes.
Já no início de sua reportagem, Christy da um exemplo da carnificina: “Em janeiro deste ano, uma centena de cavaleiros irrompeu pela fronteira do Chade, invadiu o Parque Nacional Bouba Ndjidah, em Camarões, e massacrou centenas de elefantes, em uma das piores matanças isoladas desde que, em 1989, foi implementada a proibição mundial do comércio de marfim. Empunhando fuzis AK-47 e lançadores de granada, eles aniquilaram os elefantes com uma precisão militar que lembrou outra carnificina ocorrida em 2006 perto do Parque Nacional Zakouma, no Chade. Encerrado o ataque, alguns fizeram uma pausa a fim de orar a Alá. As carcaças dos animais são um monumento à cobiça humana; a caça de elefante alcançou os piores níveis em uma década, e as apreensões de marfim ilegal são as maiores nos últimos anos. Vistos do céu, os cadáveres formam um cenário medonho. É possível notar quais animais tentaram fugir e quais mães morreram ao proteger seus filhotes. ”
Os chineses são os principais fregueses desse comércio ilegal e altamente lucrativo. Os fornecedores obtêm até US$ 5.000 (cerca de R$ 10.000) por presa de elefante.
Mas é em Cebu, uma província das Filipinas, onde ocorre uma cerimônia que expõe com eloquência o uso do marfim como forma de venerar a Deus, para a desgraça dos elefantes.
Dos dois milhões de fiéis que participam todo ano, em janeiro, da procissão do Santo Niño de Cebu (o Menino Jesus de Cebu), uma parte significativa deles ostenta ícones e amuletos em marfim por acreditar que assim obterá benção especial.
O ritual de benzer a água em barris, para ser comercializada em garrafinhas, é celebrado pelo monsenhor Cristobal Garcia com um crucifixo de madeira, mas o sacerdote é um conhecido colecionador de peças religiosas talhadas em marfim, cuja maioria delas é de origem obscura. Durante a festa do Santo Niño, Garcia cede algumas de suas peças para exposições em shoppings e hotéis.
Garcia admitiu a Savelli que recorre ao suborno de autoridades para obter suas peças de marfim e acabou orientando o jornalista como contrabandear um Santo Niño para os Estados Unidos, caso quisesse. “Embrulhe (a imagem) em uma roupa de baixo suja e malcheirosa, e derrame um pouco de ketchup”, disse o sacerdote. “Vai ficar com uma aparência nojenta, e é assim que se faz”.
A associação entre marfim e Igreja é tão forte em Cebu, que “marfim”, conforme o contexto, é sinônimo de “estátua religiosa”.
Christy diz que líderes
religiosos nada fazem
contra a ilegalidade
Para escrever a reportagem Blood and Ivory (Sangue e Marfim), Bryan Christy (foto), ao longo de dois anos, fez uma viagem que começou na África Ocidental e terminou no Sudeste da Ásia, passando por lojas da Cidade do Vaticano. Em seu percurso, ele viu cruzes coptas, rosários islâmicos, ícones católicos e amuletos budistas feitos com marfim.
Christy disse em uma entrevista que as religiões nada têm feito para acabar com a veneração aos ícones de marfim, contribuindo assim pela continuidade da matança dos elefantes.
Como exemplo, ele citou os líderes da Igreja Católica, que “têm uma extraordinária oportunidade de fazer a diferença em prol da sobrevivência dos elefantes, e, para isso, bastavam eles vetarem os ícones religiosos em marfim”.
Culto ao marfim
Colecionador filipino de imagens afirma que não
vê elefantes mortos, mas apenas "o Nosso Senhor"
Com informação da National Geographic, entre outras fontes.
Leia mais em http://www.paulopes.com.br
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