Família de Zorro diz ter esperança de encontrar agente duplo da ditadura vivo
Irmãos vão pedir às Comissões da Verdade que esclareçam desaparecimento: ‘Não sei se ele foi mocinho ou bandido. O que queremos é a verdade’, diz o mais novo
Vasconcelo Quadros , iG São Paulo
A família tem esperanças que Gilberto Faria Lima, o Zorro, militante da luta armada desaparecido há quarenta anos e suspeito de ter se tornado colaborador dos órgãos da repressão durante a ditadura militar esteja vivo. “Tinha três anos quando ele desapareceu. Não sei se ele foi mocinho ou bandido. O que queremos é a verdade”, diz o pastor evangélico Marcel Lima, irmão mais novo do ex-militante. A família vai pedir às Comissões Nacional e Estadual da Verdade que esclareçam o caso Faria Lima, que entre os irmãos é chamado por Giba.
Segundo os irmãos Marcel, Márcia e Sônia, a última notícia de Zorro é uma carta enviada por ele em novembro de 1974, escrita à mão e postada no Chile. “Havia algumas expressões em espanhol, mas era dele”, diz Sônia. Cerca de dois anos antes, segundo ela, outro irmão, Luiz, já falecido, encontrou-se por acaso com Zorro no Rio de Janeiro.Reprodução
Gilberto Faria Lima, o Zorro, estava entre os procurados por agentes do regime militar
Os dois teriam travado um diálogo ríspido: “O Luiz disse para ele sumir porque a família já havia sofrido muito e ninguém mais queria saber dele”, conta Márcia. Segundo ela, esse episódio pode ter feito com que o irmão rompesse o elo com a família.
Segundo Márcia, Luiz e o pai foram presos pela polícia e torturados enquanto Zorro estava na clandestinidade. Choques elétricos nos órgãos genitais teriam esterilizado Luiz, que morreu sem filhos biológicos.
A perseguição à família começou logo depois dos assassinatos do tenente Alberto Mendes Jr., no Vale do Ribeira, e do industrial Albert Henning Boilesen, em São Paulo. “Os policiais ocuparam nossa casa por uma semana. No dia em que foram embora, duas horas depois, o Giba voltou”, lembra a outra irmã, Sônia.
É provável que a última visita tenha ocorrido em meados de 1970, no mesmo período em que foram levantadas as primeiras suspeitas sobre a “virada” do ex-militante. Nos meses seguintes, ele participou de várias ações executadas em conjunto em São Paulo por militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Ação Libertadora Nacional (ALN) e Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), a última organização a que esteve vinculado.
Com a queda do MRT, ele ainda tentou ingressar na ALN, mas foi vetado por causas das suspeitas. Seguiu então para o Chile e, mais tarde, para a Argentina. Ainda no Chile ele passou a manter contatos com o araponga uruguaio Alberto Octávio Conrado Avegno, infiltrado pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar) e Itamaraty nos grupos de brasileiros banidos.
Os últimos registros de movimentação de Faria Lima encontrados nos arquivos militares são do período em que ele ainda estava na Argentina. A carta de novembro de 1974, postada no Chile por Faria Lima, tinha, segundo a família, a finalidade de desmentir a notícia de que tenha sido morto na emboscada armada pelos órgãos de repressão em julho de 1974 e que resultou na morte de sete militantes. Em 1978, seu nome foi incluído na lista de anistiados, um sinal de que não havia informação oficial sobre sua morte.
O ex-sargento José Araújo da Nóbrega, que esteve ao lado de Zorro no Vale do Ribeira no grupo comandado por Carlos Lamarca, e depois conviveu com ele no Chile, reafirma que o reencontrou na porta de um bar, na Estação da Luz, centro de São Paulo, em 1979. “Não tenho nenhuma dúvida de que era ele”, conta Nóbrega. Quando desceu do carro e foi ao encontro, Zorro havia desaparecido. Há pouco mais de um ano Nóbrega recebeu um telefonema de um amigo que mora no Rio avisando que o ex-companheiro queria falar com ele. O tom do recado, segundo Nóbrega, foi como se Zorro estivesse querendo sair da clandestinidade.
Os irmãos contam que no início da década de 1990 foram avisados pelo delegado Sílvio Tinti, da Polícia Civil de São Paulo, que Gilberto Faria Lima estava morando em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. O policial queria que duas irmãs, Márcia e Rita, esta falecida, fossem com ele até o local para tentar identificar se era mesmo o ex-guerrilheiro.
As duas se anteciparam e foram sozinhas ao local, mas se decepcionaram. “Não era meu irmão. Era um sujeito que estava com os documentos dele e havia sido preso. Ele só falou que meu irmão tinha morrido, mas não deu nenhum detalhe”, conta Márcia. O homem marcou um encontro para o dia seguinte, mas Márcia e Rita não compareceram.
“Nossa família já sofreu demais. Não importa se ele mudou de lado ou não. Se isso aconteceu, ele deve ter tido suas razões. Não vamos julgá-lo. Só queremos encontrá-lo. Seria uma benção de Deus se estiver vivo”, diz Márcia, que também é evangélica.
Existem, no entanto, detalhes intrigantes no comportamento dos Faria Lima: é a única família que até hoje não reivindicou esclarecimento nas comissões que investigam os casos de desaparecimento e também não ingressou com ação na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça pedindo que o irmão seja reconhecido como perseguido político ou reivindicando indenização pecuniária.
Fonte: ULTIMO SEGUNDO
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'Evidências de traição eram muito fortes', diz ex-companheiro sobre Zorro
Faria Lima teve comportamentos suspeitos em ações programadas por militantes da esquerda que não deram certo
Vasconcelo Quadros - iG São Paulo | 18/03/2013 06:00:00
O comportamento suspeito de Faria Lima chamou a atenção de seus companheiros em ações organizadas para resgatar da prisão um militante que certamente seria morto, Eduardo Collen Leite, o Bacuri, executado depois de 103 dias de tortura. A primeira ação havia sido planejada para o dia 7 de setembro de 1970. Militantes do MRT e da ALN sequestrariam o delegado Sérgio Fleury, o nome forte da repressão, quando este chegasse, pela manhã, ao distrito policial de Vila Rica, zona leste da capital, onde Bacuri estava preso.
O plano era usar Fleury como escudo e exigir a libertação do militante. Quando o grupo preparava-se para agir, descobriu-se que o delegado, provavelmente avisado, já se encontrava na delegacia cercado por seus homens de confiança e que Bacuri havia deixado o local. Anos depois, relatos de sobreviventes apontaram que militantes haviam sido levados para a sede da Oban horas antes da ação. Faria Lima havia sumido no intervalo entre o planejamento e o horário de execução do plano.
Reprodução
Zorro chegou a ser condenado a pena de morte por assassinatos na ditadura
Dois meses depois, a guerrilha faria uma nova e ousada ação para tentar, mais uma vez, libertar Bacuri. Um comando formado por militantes do MRT, ALN e VPR rendeu o comandante do II Exército, general Humberto Souza Melo, quando este deixava a Igreja Batista da Rua Joaquim Távora, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo.
Três militantes chefiados por Devanir José de Carvalho, conhecido por Comandante Henrique, encostaram as armas no corpo do general no mesmo instante em que eram surpreendidos por militares à paisana, que chegaram ao local no momento em que a ação guerrilheira estava em andamento. Em maior número e favorecido pelo fator surpresa, um segundo grupo guerrilheiro, que estava na retaguarda, apontou as armas contra os militares. Seria o mais feroz confronto do período se o general não tivesse assumido o comando e gritado que ninguém disparasse. O acordo de emergência foi, então, cumprido à risca e cada grupo se dispersou, deixando o general na escadaria da igreja, cercado pelos militares.
Os dois guerrilheiros sobreviventes que participaram do episódio, Ivan Seixas - que tinha duas granadas nas mãos para jogar contra os militares - e Carlos Eugênio Paz confirmam a ação cinematográfica e as suspeitas sobre Faria Lima. Quando o chefe da ação, Devanir Carvalho, avisou a todos, uma hora antes, que tipo de ação seria feita naquele dia, Faria Lima, sob o pretexto de ir a uma farmácia comprar medicamentos para fazer curativo num ferimento de bala numa das pernas, se ausentou do grupo por cerca de uma hora. As suspeitas são de que naquele instante ele tenha avisado os militares. A chegada repentina dos agentes reforça a hipótese.
“Com o sequestro do comandante do II Exército nós não libertaríamos apenas Bacuri. Abriríamos as portas das cadeias. Mas a ação teve de ser abortada. Se o plano não tivesse sido delatado em cima da hora, os agentes teriam preparado uma armadilha e matado todos nós”, lembra Carlos Eugênio Paz, conhecido na guerrilha como Clemente.
Fonte: ULTIMO SEGUNDO
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