Apelação Criminal n. 2012.048103-2, de Correia Pinto
Relator: Desa. Substituta Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. PROVOCAR INCÊNDIO EM MATA OU FLORESTA. ART. 41 DA LEI 9.605/98. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PLEITO PELA CONDENAÇÃO. ALEGA QUE HÁ PROVAS SUFICIENTES PARA UM DECRETO CONDENATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. TIPO PENAL QUE DESCREVE INCÊNDIO EM MATA OU FLORESTA. LAUDOS PERICIAIS QUE COMPROVAM QUE A QUEIMADA SE DEU EM PLANTAÇÃO DE PINUS E CAPIM. CONCEITO DE FLORESTA QUE NÃO ABRANGE A PLANTAÇÃO QUE FORA INCENDIADA. INEXISTÊNCIA DAS ELEMENTARES DO TIPO PENAL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2012.048103-2, da comarca de Correia Pinto (Vara Única), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelados Leopoldo Rogério Medeiros e outro:
A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Jorge Schaefer Martins (Presidente com voto) e o Exmo. Sr. Desembargador Roberto Lucas Pacheco.
Florianópolis, 28 de fevereiro de 2013.
Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer
Relatora
RELATÓRIO
O Ministério Público ofereceu denúncia contra LEOPOLDO ROGÉRIO MEDEIROS e LEOPOLDO CARLOS MEDEIROS NETO, pelo cometimento, em tese, do delito disposto nos arts. 41, caput, c/c art. 2, ambos da Lei 9.605/98, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória:
"No dia 18 de setembro de 2006, em horário incerto que poderá ser aclarado durante a instrução, com intenção de cometer incêndio, o acusado Leopoldo Carlos Medeiros Neto, previamente ajustado com seu pai, Leopoldo Rogério Medeiros, sem licença nem autorização da autoridade ambiental, ateou fogo em área de campo na propriedade rural de seu pai, Leopoldo Rogério, situada na localidade de Tributos (próximo à cancha do Duquinha, no Morro do Perau), interior de Correia Pinto. O fogo se espalhou e atingiu a propriedade rural de João César Talon, contígua ao local, provocando a queima, além da área de campo dos acusados, de uma área de reflorestamento de pinus, totalizando 10,10 (dez inteiros e dez centésimos de hectares) da área atingida pelas chamas, o que provocou a destruição de aproximadamente 19.000 (dezenove mil e seiscentas) árvores de pinus, espécies exóticas, de propriedade de João César Talon. "
Encerrada a instrução processual, sobreveio a sentença (fls. 281/282), nos seguintes termos: "Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido condenatório formulado na denúncia, para ABSOLVER Leopoldo Rogério Medeiros e Leopoldo Carlos Medeiros Neto, já qualificados, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do CPP, da acusação pelo crime do artigo 41 da Lei nº 9605/98."
O Ministério Público interpôs recurso de apelação (fls. 289/292), requerendo a condenação dos réus, tendo em vista a existência de provas suficientes de autoria e materialidade.
Com as contrarrazões (fls. 294/296), ascenderam os autos a este Tribunal.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Robison Westphal.
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade o recurso merece ser conhecido.
Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público com intuito de reformar a sentença proferida pelo MM Juiz da Vara Única da Comarca de Correia Pinto que absolveu os acusados Leopoldo Rogério Medeiros e Leopoldo Carlos Medeiros Neto pelo delito do art. 41 da Lei 9.605/98.
Argumenta o órgão do Ministério Público em suas razões que há elementos suficientes para imputar a autoria do delito aos acusados Leopoldo Rogério Medeiros e Leopoldo Carlos Medeiros Neto, bem como inexistem qualquer circunstância ou causa que afaste a ilicitude da ação ou que isente os apelados da punibilidade.
Todavia, entendo que não assiste razão ao parquet.
Inicialmente destaco que, embora os acusados tenham sido absolvidos pela carência probatório acerca da autoria, verifico que a conduta imputada a eles não se enquadra no que dispõe o artigo 41 da Lei 9.605/98: Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta: Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Em análise ao núcleo do tipo do artigo supracitado, Guilherme de Souza Nucci relata: "provocar (dar causa a algo) é a conduta, cujo objeto é incêndio (fogo intenso que tem forte poder de destruição e de causação de prejuízos de toda ordem) em mata ou floresta (são termos correlatos, significando uma grande quantidade de árvores aglomeradas; não somos favoráveis à busca por significados diversos, até pelo fato de ser ineficaz para os propósitos de aplicação da lei penal."
Denota-se que o dispositivo legal busca proteger matas e florestas.
In casu, o laudo pericial (31-54) constatou a ocorrência da queimada, todavia, a área atingida foi uma plantação de pinus e capim, sem qualquer menção à floresta ou mata.
Extrai-se do auto de constatação, realizado pela Polícia Militar Ambiental:
A queima de vegetação no local vistoriado pela Guarnição da Polícia Ambiental, na propriedade do Sr. João César Talon, o fogo não atingiu nenhuma espécie de árvore nativa, apenas atingiu os pinus, que na época dos fatos havia sido plantados no local, e a vegetação rasteira (capim). [...] com referência ao art. 41 da Lei 9.605/98, houve a queimada de vegetação rasteira (capim) e a queima de árvores exóticas Pinus, não sendo localizado nenhuma espécie de árvores nativas no local fiscalizado.
Ou seja, não há comprovação de que a queimada tenha atingido floresta ou mata. Do mesmo modo, não há que se comparar o termo "floresta" com uma plantação de Pinus e capim.
A conceituação da elementar do tipo penal "floresta" é assim descrita por Silvio Maciel: "Florestas são grandes extensões de áreas constituídas (encobertas) por árvores de grande porte. Estão excluídas do conceito as vegetações rasteiras ou constituídas de arbustos ou árvores de pequeno porte" (GOMES, Luiz Flávio. CUNHA, Rogério Sanches. Legislação penal especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 770)".
Ainda acerca do termo 'floresta', o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 38, DA LEI Nº 9.605/98. EXTENSÃO DA EXPRESSÃO FLORESTA. O elemento normativo 'floresta', constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei nº 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. Dessa forma, não abarca a vegetação rasteira. (Precedentes). Habeas corpus concedido (HC n. 74950/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 21.6.2007).
E desta Corte:
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. LEI 9.605/98. ART. 38. DESTRUIR FLORESTA EM ESTÁGIO INICIAL DE REGENERAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MATERIALIDADE DO DELITO. INEXISTÊNCIA DE PROVA PERICIAL. OBJETO MATERIAL DO DELITO EVIDENCIADO POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. - O conceito de floresta compreende a vegetação em estágio de regeneração. - A ausência de prova pericial não impede o reconhecimento da prática da infração penal consubstanciada na destruição de floresta em estágio inicial de regeneração em área de preservação permanente, quando outros elementos de prova demonstram a presença concomitante dos elementos normativos do tipo. - O livre convencimento motivado autoriza que o magistrado confira maior credibilidade ao depoimento de determinadas testemunhas em detrimento de outras, ainda mais quando a versão do réu está amparada unicamente em declarações de pessoas que não presenciaram os fatos que ensejaram a propositura da ação penal. - Parecer do PGJ pelo conhecimento e desprovimento do recurso. - Recurso conhecido e improvido (Ap. Crim. n. 2010.019838-2, de Ascurra, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 19.05.2011).
Para um decreto condenatório exige-se a prova da materialidade e autoria do crime imputado ao acusado e, no caso em análise, não há prova de que os acusados tenham provocado incêndio em mata ou floresta, razão pela qual não há como considerar a tipicidade do delito do art. 41 da Lei n. 9.605/98.
Desta forma já decidiu esta Colenda Quarta Câmara Criminal do Tribunal Catarinense:
PENAL. CRIME AMBIENTAL. DESTRUIR OU DANIFICAR FLORESTA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (LEI N. 9.605/98, ART. 38). ABSOLVIÇÃO. RECURSO MINISTERIAL. CONCEITO DE FLORESTA. ELEMENTARES DO TIPO PENAL NÃO CARACTERIZADAS. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA INADMISSÍVEL. AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DA NATUREZA DA VEGETAÇÃO DESTRUÍDA. "O elemento normativo "floresta", constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei n. 9.605/98, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. Dessa forma, não abarca a vegetação rasteira" (Habeas Corpus n. 74950/SP, rel. Min. Felix Fischer, da Quinta Turma, julgado em 21.6.2007). RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Criminal n. 2010.085672-1, de São João Batista, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, Data: 14/04/2011).
AÇÃO PENAL. CRIME AMBIENTAL. DESTRUIÇÃO DE FLORESTA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ARTIGO 38 DA LEI N. 9.605/1998. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ARTIGO 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. CIRCUNSTÂNCIA IGNORADA PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. LAPSO TEMPORAL DE 8 (OITO) ANOS. ARTIGO 109, IV, DO CÓDIGO PENAL. INTERSTÍCIO NÃO VERIFICADO SE CONSIDERADA A SUSPENSÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA. NECESSIDADE DE CASSAÇÃO. RECURSO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. "Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312" (artigo 366 do Código de Processo Penal). AUTO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA. MATERIALIDADE. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. CONCESSÃO DE OFÍCIO. MEDIDA ADOTADA POR MAIORIA DE VOTOS. "Os crimes que deixam vestígios materiais devem redundar na elaboração do exame de corpo de delito, que é o exame pericial, para a formação da materialidade (prova da sua existência), conforme prevê o art. 158, CPP [...] Como regra, os crimes contra o meio ambiente são capazes de deixar vestígios (poluições em geral, matança de animais, devastação de florestas, danos a plantas etc.), motivo pelo qual o art. 19 da Lei 9.605/98 faz referência à perícia de constatação do dano ambiental" (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 943). (Recurso Criminal n. 2011.067358-4, de Criciúma, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, Data: 17/04/2012).
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. SUPRESSÃO DE FLORESTA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. [ART. 38 DA LEI 9.605/98]. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. RECURSO DA DEFESA. PLEITEADA ABSOLVIÇÃO NA INEXISTÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA. FALTA DE PROVAS DA SUPRESSÃO DE FLORESTA. NORMA PENAL INCRIMINADORA QUE NÃO ABRANGE OUTRAS FORMAÇÕES VEGETAIS ALÉM DAS FLORESTAS. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DA NORMA. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL ELABORADO POR PROFISSIONAL HABILITADO. PROVA DOS AUTOS NÃO PODE SUPRIR A OMISSÃO. DÚVIDA SOBRE EXISTÊNCIA DE FLORESTA [FORMAÇÃO ARBÓREA DENSA E HOMOGÊNEA] ABSOLVIÇÃO DEVIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Apelação Criminal n. 2011.048410-7, de Balneário Camboriú, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Data: 27/08/2012).
Diante de todo o exposto, a absolvição dos acusados da imputação descrita na denúncia não merece reforma por ausência das elementares do tipo penal contidas no dispositivo legal, mantendo-se incólume a sentença proferida.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Este é o voto.
Gabinete Desa. Substituta Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer
Nenhum comentário:
Postar um comentário