questões da extrema direita
MULTAS E BRIGAS NA HERANÇA DE OLAVO
João Batista Jr.|28 jan 2022_11h45
Heloísa de Carvalho, de 52 anos, estava em sua casa em Atibaia (SP) na madrugada de terça-feira (25) quando acordou com o ronco de sua cachorra, Nina, uma mestiça de pastor branco com vira-lata. Carvalho havia se deitado depois de assistir à novela das nove da TV Globo, Um Lugar ao Sol. Em recuperação por ter realizado recentemente uma cirurgia na perna, ela vem passando mais tempo do que gostaria na cama. Tendo despertado, pegou o celular para zapear as redes sociais e se deparou com vários de seus seguidores perguntando se procedia o rumor de que Olavo de Carvalho havia morrido. Eram quase duas horas da manhã. Heloísa, que não sabia de nada, foi atrás de perfis de seguidores próximos de seu pai e viu que alguns deles lamentavam a morte do escritor e ex-astrólogo. Uma nota oficial publicada no perfil de Olavo dissipou qualquer dúvida.
Confirmada a notícia da morte, Heloísa não ficou triste nem feliz. Em sua conta no Twitter, onde soma 35,6 mil seguidores, foi sucinta: “No dia q o Olavo postou q não tinha 1 morte por covid, perdi uma querida amiga, q era viúva e deixou 3 crianças c/ menos de 10 anos órfãs, Olavo morreu de covid, não tem como eu sentir grande tristeza pela morte dele, mas também não estou feliz. Sendo sincera comigo e meus sentimentos.” Em hipótese alguma Heloísa, a mais velha de oito irmãos, usa o termo “pai” para se referir ao guru bolsonarista.
Ela e Olavo estavam rompidos desde que a extrema direita se fortaleceu no Brasil e as fakes news se tornaram uma estratégia organizada de massacre de reputações. Nos últimos anos, a relação entre pai e filha foi marcada por ataques mútuos nas redes sociais e na esfera jurídica. Heloísa conta que, em 2017, Olavo prestou uma queixa-crime no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), em São Paulo. Ele relatou aos policiais que a filha era chefe de uma organização criminosa apoiada por partidos de esquerda cujo objetivo era minar a reputação dele no Facebook e no Twitter. Heloísa chegou a prestar depoimento em delegacia, mas o caso foi arquivado por falta de provas.
No mesmo ano, o guru bolsonarista processou Heloísa por calúnia e difamação depois que ela escreveu uma carta aberta contando, entre outras coisas, que seu pai certa vez ameaçou os filhos com uma arma e culpou uma de suas filhas, ainda criança, por ter sido violentada por um parente próximo. A filha, no caso, era a própria Heloísa. Sem ter provas a apresentar, mas afirmando que tudo de fato aconteceu, ela sabia dos riscos que correria se o processo fosse adiante. Pai e filha, então, assinaram um acordo judicial: ela deletou seu perfil no Facebook, ele encerrou o litígio. “Tanto a queixa-crime quanto a ação por calúnia tinham um único objetivo: tornar a mim, a filha de esquerda, indigna de seu pai – e com isso me afastar de uma eventual partilha de bens”, disse Heloísa em entrevista à piauí por videochamada. Isso, porém, não aconteceu. Heloísa faz parte do espólio de Olavo.
E agora vai começar outra batalha.
Olavo de Carvalho teve oito filhos: Heloísa, Luiz, Tales e Davi, do casamento com Eugênia Maria de Carvalho; Maria Inês e Percival, do relacionamento com Silvana de Barros Panzoldo; e Leilah e Pedro, frutos da união com Roxane Andrade de Souza Carvalho. Olavo e Roxane se casaram em 2005, e desde então viviam juntos nos Estados Unidos.
Caso Olavo e Roxane tenham firmado um regime de comunhão parcial de bens, a viúva se tornará meeira do patrimônio – ou seja, 50% de todos os bens amealhados durante a relação pertencerão a ela. Metade da parte de Olavo automaticamente será distribuída entre todos os seus filhos – isto é, 25% do total de bens. Já a outra metade pertencente a Olavo (os 25% restantes) pode ter sido designada para quem ele bem entendesse. Essa divisão só será confirmada quando o inventário for aberto. O que se sabe é que Olavo deixou um testamento pronto (anos atrás ele registrou esse fato no Facebook).
A abertura do processo de inventário, em geral feita até trinta dias após a morte, é tudo o que Heloísa de Carvalho almejava. Não pelo dinheiro, mas pelo acesso a informações. “O Olavo passou a vida se fazendo de pobre coitado, sem ser transparente sobre suas fontes de renda. Agora, como sou parte do espólio, terei acesso aos dados das contas bancárias, os honorários com as vendas de livros e, quem sabe, poderei descobrir se empresários financiavam a máquina de ódio e fake news do guru bolsonarista”, afirma a primogênita. Caso não conste nada em nome do pai, Heloísa deve pedir a quebra de sigilo bancário de Roxane e da irmã Leilah. “Já tenho falado com três advogados para ficar bem instruída.”
Se há muitas dúvidas sobre o real patrimônio de Olavo de Carvalho, há algumas certezas sobre os passivos jurídicos. Em outubro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reconheceu a necessidade de retomada da penhora de bens que estava suspensa em virtude de dois recursos apresentados pela defesa de Olavo. Não cabe novo recurso. Os advogados de Caetano Veloso, que processou o escritor em 2017, já deram entrada com o pedido de execução da dívida de 2,9 milhões de reais. Esse valor vultoso é fruto de uma multa que Olavo recebeu por não ter acatado a decisão judicial de deletar postagens em que acusava Veloso de pedofilia. A acusação, publicada nas redes sociais naquele ano, se refere ao fato de que o cantor começou um relacionamento com Paula Lavigne quando ela era menor de idade. O casal está junto há mais de três décadas e tem dois filhos.
Olavo manteve no ar as publicações ofensivas e caluniosas durante 281 dias. Daí o valor alto da multa. “Em um momento inicial, Olavo não foi orientado a apagar as postagens. Depois ele deletou algumas, mas outras permaneceram. Se tivesse removido tudo, não haveria multa. Era uma questão que poderia ter sido evitada”, explica Fernando Malheiros Filho, advogado criminalista de Porto Alegre que assumiu a defesa de Olavo em 2019. Malheiros Filho entrou para o caso a convite dos amigos e advogados Daniel Saldanha e Rodrigo do Canto. Tanto Saldanha quanto Canto foram alunos do guru bolsonarista. Malheiros Filho não foi aluno, mas comunga de muitos pensamentos de Olavo: escolheu não se vacinar contra o coronavírus e promete votar em Bolsonaro nas eleições deste ano.
Com a morte de Olavo, a multa milionária decorrente do processo de Caetano Veloso ficará sob responsabilidade do espólio. Se as dívidas forem maiores do que a própria herança, os herdeiros não terão direito a um tostão – tudo será utilizado para liquidar as pendências. De todo modo, caso o escritor não tenha deixado bens suficientes para arcar com 100% do passivo judicial, o que sobrar da dívida não será transferido aos filhos – será extinto.
Fora a multa de Caetano Veloso, a família de Olavo poderá herdar outros processos com valores menores. Jean Wyllys, por exemplo, conseguiu uma indenização por danos morais de 25 mil reais numa decisão de primeira instância. Isso porque Olavo, sem qualquer prova, associou o ex-deputado federal ao atentado realizado por Adélio Bispo contra o então candidato Jair Bolsonaro, em 2018. O ex-astrólogo recorreu. “Agora essa apelação aguarda julgamento”, diz o advogado João Tancredo, que representa Willys.
Toda a briga e troca de farpas nas trincheiras virtuais deram visibilidade nacional para Heloísa de Carvalho. Ela se filiou ao PT no ano passado, mas não sabe se irá se candidatar a algum cargo nas eleições de outubro.
João Batista Jr.Biaggi (Abril)
Nenhum comentário:
Postar um comentário