12 de janeiro de 2022, 9h45
Por constatar a inexistência de respaldo jurídico, direito de retenção ou mesmo eventual aquisição por meio de usucapião, a Vara Federal Cível e Criminal de Itaituba (PA) anulou matrículas de registro imobiliário de um terreno de cultivo desenvolvido em uma área de quase 563 mil hectares no sudoeste do Pará.População ribeirinha ocupa legitimamente a área há mais de 135 anosWikimedia Commons
Uma empresa agropecuária, uma madeireira e uma imobiliária ainda foram condenadas a pagar R$ 100 mil por danos morais coletivos. O terreno era integrante de um patrimônio imobiliário rural e se sobrepunha a áreas agora declaradas como de domínio público federal, bem como às populações locais, de ocupação mais antiga.
A documentação foi obtida por meio da fraude conhecida como grilagem. Os povos tradicionais que ali vivem vinham enfrentando ameaças de expulsão e tentativas de invasão de suas terras.
Dentre as comunidades prejudicadas estão as famílias de ribeirinhos do projeto de assentamento agroextrativista Montanha e Mangabal, que tem uma área de 54,4 mil hectares.
Durante as investigações que deram origem à ação, o Ministério Público Federal coordenou a elaboração de um levantamento sócio-ocupacional da população. Para provar a posse coletiva da terra, foram traçadas as árvores genealógicas até a oitava geração de antepassados dos moradores da comunidade.
O estudo também contou com uma vertente ambiental. O relatório final indicou que as famílias habitantes estimulam a biodiversidade, ao buscarem cultivar várias espécies de plantas.
Fundamentos
O juiz Domingos Daniel Moutinho da Conceição Filho verificou a falta de comprovação de destacamento regular do patrimônio público dos imóveis.
Segundo o magistrado, "a legislação paraense era uníssona no sentido que a propriedade rural era concedida àqueles que a utilizavam para fins de moradia ou agropecuária com o estabelecimento de certos limites nas dimensões das áreas, a fim de evitar a concentração de terras e, sobretudo, a especulação".
Há conhecimento da ocupação legítima da comunidade ribeirinha há mais de 135 anos, além de substancial preservação ambiental da área e conflitos fundiários com famílias de agricultores.
Para o juiz, "não há como concluir que o reconhecimento do domínio de tais áreas poderia ter ocorrido sem a manifestação de entes públicos", como as autarquias federais e estaduais responsáveis pela regularização fundiária.
Assim, estaria demonstrada a "conduta antijurídica de apropriação indevida de patrimônio público e violação da higidez do sistema cartorário".
A conduta envolveu "décadas de alienações ilegais, erro cartório, judiciário, administrativo, além da má-fé dos requeridos". Ou seja, "uma série de omissões e ações praticadas por particulares, cujos prejuízos econômicos, sociais e ambientais se prolongaram por décadas, gerando alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva".
Domingos concluiu: "É intolerável à sociedade a conduta de quem age como se fosse dono absoluto do patrimônio público, privando o Estado de destinar tais áreas a fins constitucionalmente previstos que tem o condão de tutelar um meio ambiente hígido e assegurar a manutenção dos modos de vida de comunidades tradicionais". Com informações da assessoria de imprensa do MPF.
Clique aqui para ler a decisão
0000512-39.2006.4.01.3902
Revista Consultor Jurídico, 12 de janeiro de 2022, 9h45
Nenhum comentário:
Postar um comentário