Perfil

Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

Mensagem aos leitores

Benvindo ao universo dos leitores do Izidoro.
Você está convidado a tecer comentários sobre as matérias postadas, os quais serão publicados automaticamente e mantidos neste blog, mesmo que contenham opinião contrária à emitida pelo mantenedor, salvo opiniões extremamente ofensivas, que serão expurgadas, ao critério exclusivo do blogueiro.
Não serão aceitas mensagens destinadas a propaganda comercial ou de serviços, sem que previamente consultado o responsável pelo blog.



terça-feira, 19 de março de 2013

A face feminina da Igreja


Na clausura ou em atividades ligadas ao cotidiano do Rio, como é a rotina das religiosas cujo número vem caindo ano a ano na Igreja Católica

MAIÁ MENEZES (EMAIL·FACEBOOK·TWITTER)


Sob o véu: a noviça Jeane Maria, do convento das Clarissas, na Gávea Mônica Imbuzeiro / O Globo


RIO - Passarela habitual do profano, a orla de Ipanema, na Zona Sul carioca, é também cenário da sagrada caminhada das irmãs Maria Vitorino e Alcione. Às 7h20m, ao menos duas vezes por semana, elas escapam momentaneamente da rotina de trabalho e oração do Colégio São Paulo, no Arpoador, para o exercício, fruto de prescrição médica. Com chuva ou sol, o hábito (tanto o vestido quanto o adquirido) atrai olhares — às vezes reverentes, quase sempre curiosos.

— No carnaval, as pessoas perguntavam se era fantasia. Na maioria das vezes, elas pedem bênção, querem tocar no véu. Outro dia, um fez o sinal da cruz — conta Maria Vitorino, uma sorridente paulistana, de 50 anos.

Tanto interesse pelos hábitos, observa ela, pode ser explicado pela percepção de que eles estão sumindo da paisagem. Mais que percepção, trata-se de um fato. O volume de congregações que abre mão da veste tradicional aumenta ano a ano. Em inversa proporção, diminui o número de freiras no país: em 20 anos, a queda foi de 10%, enquanto a população aumentou em 30%. O curioso é que a quantidade de padres cresceu 55%. Os dados são do Censo Católico, divulgado no ano passado. E refletem uma tendência mundial, realidade que o novo papa, o argentino Jorge Mario Bergoglio, escolhido na última quarta-feira, irá enfrentar.

Em 2012, entre as cerca de 40 jovens que atenderam à convocação das angélicas (congregação a que pertencem as irmãs do Colégio São Paulo) para seguir a vocação religiosa, apenas uma ficou. O chamado surge em encontros nas paróquias, divulgados nos meios de comunicação católicos. É uma estratégia comum entre as congregações de perfil mais missionário.

— Houve de fato uma queda acentuada da procura feminina. A autonomia que a mulher vem ganhando na sociedade, a conquista de poder... Não há correspondência a isso na Igreja, que ainda confere uma subalternidade às mulheres. Elas vivem a invisibilidade. Há um grupo que defende a ordenação de freiras (que permitiria que celebrassem missas, por exemplo), mas isso nem é discutido na instituição — diz o padre José Carlos Pereira, sociólogo e colaborador do Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais (Ceris), que realizou o censo com o apoio da CNBB.

Em 2010, havia 33.386 freiras no Brasil, em cerca de 500 congregações. Em 1990, eram 37.380. Em 1970, 40.660. A idade média delas é de 60 anos. Procurada, a CNBB não se pronunciou sobre o tema, até o fechamento desta edição. A cientista social Silvia Regina Alves Fernandes, que pesquisa a vida religiosa feminina e conclui seu pós-doutorado no departamento de Religião da Universidade da Flórida, contextualiza o fenômeno:

— A redução vem ocorrendo de forma sistemática. Há um conjunto de fatores: maiores oportunidades das mulheres no mercado de trabalho, as conquistas feministas que favoreceram mudanças culturais e ainda questões estruturais nas congregações femininas, que têm dificuldade em implementar mudanças.

— É um fenômeno que pede investigação exaustiva. Agora, as mulheres encontraram mais alternativas na sociedade que antes. Mas na cultura pós-moderna impera o individualismo, a busca por uma vida light, e não pelo chamamento de Deus — corrobora a irmã Evelyn Aponte, provincial (uma espécie de governadora) da congregação Mercedários da Caridade, que atua em sete países.

Silvia Fernandes, com base em suas pesquisas, aponta uma peculiaridade feminina na busca por uma vida casta, de sacrifícios:

— As moças tendem a ter uma forte atração pelo cuidado aos mais pobres. Essa busca é mais narrada pelas mulheres do que pelos rapazes que optam pelo sacerdócio.

A irmã Marta Oliveira, de 33 anos, tem hoje convicção da opção que fez. Mas não foi sempre assim. Aos 17 anos, entrou para o convento, pela primeira vez. Depois de quatro anos, largou tudo. Gostava de dançar forró e se profissionalizou no futebol em sua cidade natal, Vigia, no Pará.

O que bateu, explica Marta, foi a dúvida na hora de fazer os votos perpétuos de castidade, pobreza e obediência.

— É uma escolha definitiva — justifica.

Pouco antes de um jogo, numa quadra de praia, ela diz ter sentido, claramente, o chamado de Deus para voltar à vida religiosa. Talvez tenha contribuído para a indecisão a reação da família.

— A minha mãe não aceitou — conta Marta, que mantém a ginga, ao brincar de futebol com os alunos do Colégio São Paulo.

Ela hoje mantém contato com os pais e fica em dia com o noticiário pela internet. Foi na rede que acompanhou a repercussão de um gesto aparentemente prosaico de uma colega de hábito. Ao passear pela Vieira Souto, em junho passado, a irmã Maria José, de Belém, fotografava de longe o ator Cauã Reymond. Ao vê-la paramentada, o ator chegou perto e se deixou registrar ao lado dela. Festa para os paparazzi.

— Foi um bafafá. Ela chegou na escola dizendo: “Irmã, olha ao lado de quem tirei as fotos.” E eu brinquei: “Por que não me chamou?” — conta uma risonha Marta.

A paixão pelo Corinthians levou a irmã Mary Helen, de 35 anos, para perto de um ídolo. Ao se tornar famosa por causa de seu time de futebol, só de freiras, em Sorocaba, interior de São Paulo — tema de uma reportagem do “Fantástico”—, ela foi apresentada a Ronaldo, na época ainda jogador profissional. E já gordinho.

— Quando conheci o Ronaldo, foi um êxtase. Eu era obesa, ele era o ídolo dos gordinhos — diz ela, fã de Ana Carolina e Zeca Pagodinho.

Mary Helen tinha 134kg quando fez a cirurgia de redução de estômago, um ano depois, em 2011. Depois de se recuperar da intervenção, como sempre gostou de esportes, pediu autorização à sua madre superiora para correr.

— No começo ficava envergonhada por estar de hábito. Chamava muita atenção. Mas no deserto as pessoas não andam encapotadas para se proteger do calor? — compara a irmã, especialista no mundo digital e seus gadgets.

Há 16 anos, aos 21, ela decidiu ser freira, depois de conhecer o trabalho das beneditinas missionárias numa escola em que trabalhou, em São Paulo.

— Não existe face ardente, nem um anjo que aparece. É uma inquietude de coração. Quando larguei tudo, o coração ficou em paz — afirma ela, que continua gostando de música e esporte. — Antes de freiras, somos seres humanos. Mas as pessoas nos acham santas. Estamos em busca da santidade, mas há essa faceta humana. Por que não posso gostar de música, de futebol? Desde que isso não atrapalhe meus momentos de oração ou de trabalho, não vejo problema.

Um sino soa religiosamente às 4h40m da manhã, chamando para as próximas quatro horas de orações e ladainhas. É só o começo de um dia de atividades cronometradas, trabalho, disciplina, silêncio e claustro no convento das clarissas, na Gávea. Elas atendem a pedidos de oração ao vivo, por telefone ou pela internet. Nos dias de saída imprescindível, raríssimos, as irmãs, em seus hábitos marrons e sandálias franciscanas, tornam-se celebridadas-involuntárias-momentâneas.

— Nas eleições, fica cheio de fotógrafo na rua. E quando fomos ver o papa (Joseph Ratzinger, na vinda ao Brasil em 2007), em São Paulo, apontavam: “Olhem, as enclausuradas!”— conta irmã Maria Pacífica, madre superiora do convento, que abriga 27 irmãs e cinco noviças.

O exílio do mundo leigo, sempre voluntário, tem sido opção ascendente, dizem os estudiosos. E concorda irmã Pacífica:

— Os mosteiros (das clarissas) estão brotando (são 26 no país). Sempre recebemos cartas, de jovens ou não, querendo entrar.

— As congregações com atividades em creches e escolas estão diminuindo. Mas o número de irmãs de clausura cresce. Quanto mais conservadoras e mais antigas, maior a procura. O que se percebe, nesses casos, é que o jovem quer um sinal que o distingua dos símbolos do mundo, quer radicalizar a escolha — analisa Dom Hugo Cavalcante, coordenador geral do Censo Católico e ex-assessor canônico da CNBB.

É uma tendência intrigante por uma escolha radical.

— Há um curioso interesse pelo silêncio da clausura — completa a pesquisadora Silvia Fernandes.

A história de irmã Maria José, de 34 anos, é um sinal desses tempos. Postulante a freira na Toca de Assis, congregação que exige dedicação superlativa de seus integrantes — incluindo o hábito de dormir no chão —, ela achou que ainda era pouco.

— Percebi que Deus queria uma coisa a mais. Ele falava: “Quero teu escondimento. Quero teu tudo” — conta Maria José, que se chamava Sandra, mas mudou o nome por não ser religioso.

“Jesus Cristo está aparecendo na foto?”, preocupa-se Jeane Maria, de 25 anos, noviça clarissa, também por trás das grades do convento, na Gávea. Ela segurava o crucifixo diante da fotógrafa. A memória que tem sobre o dia em que anunciou à família que iria para um convento contemplativo é metafísica.

— A vida monástica não foi uma escolha. Nosso Senhor me chamou. Quando Jesus chama, não tem jeito — relata Jeane, que trabalhou três anos em hotelaria e lembra ter tido “uma vida normal, de adolescente”.

Aos 28 anos, a irmã Maria Mirtes manda um recado para quem enxerga na escolha uma fuga:

— Isso é um mistério, quem não experimenta não acredita. Muitas pessoas perguntam: “Foi decepção no amor?” Não, não foi.

— Cada história é a história de uma alma que escuta o apelo de Jesus. É um namoro. É ficar apaixonada por Deus. Muitas chegam querendo fugir. Não é vocação quando chega porque não quer casar — resume irmã Pacífica.

Para quem imagina uma vida de estrita contemplação, uma imagem: aos risos, as irmãs contam que, em dias de celebração, como aniversários de consagração religiosa, por exemplo, elas organizam teatro, fazem coreografia. Chegam a atuar, em peças que vão do drama ao humor, com figurinos de personagens, tudo por cima do hábito.

Todo louvor e festa ocorre longe dos olhos do mundo. Mesmo a cerimônia antes da consagração, em que as jovens se vestem de noivas, é acompanhada de longe pela família, através de uma grade.

‘Se não foi virgem uma vez não tem problema’

A virgindade não é um requisito regulamentar para as freiras. Mas a maioria tinha uma vida celibatária antes do hábito.

— Se não foi virgem uma vez, não tem problema. São as vicissitudes da vida — diz irmã Pacífica, que se declara fã de Bento XVI (“um excelente teórico”) e critica a ênfase que a imprensa vem dando aos escândalos de pedofilia e corrupção na igreja católica.

A primeira congregação feminina no Brasil foi de clarissas, no convento de Santa Clara do Desterro, criado na Bahia em 1677. Até o Concílio Vaticano II (documento de 1965), os pais pagavam um dote ao convento para abrigar noviças. Foi também o concílio que flexibilizou o uso de hábito. Na congregação Mercedárias da Caridade, com sede no Rio Comprido, ele não é obrigatório.

— As pessoas do povo não têm dificuldade em nos reconhecer sem hábito. A questão não é a roupa, mas o que está no coração — resume a irmã portorriquenha Evelyn Aponte.

Também sem as vestes tradicionais, a congregação Nossa Senhora-Cônegas de Santo Agostinho, em Santos, interior de São Paulo, recebeu, em 1965, a irmã Maria Valéria Rezende, atraída pela perspectiva de trabalhar com educação popular, vanguarda na igreja naqueles idos. Irmã Valéria foi presidente da Juventude Estudantil Católica, antes do golpe de 64. Escritora desde a infância, com a memória viva dos saraus e encontros literário-familiares que frequentava, lançou o primeiro livro (“Vasto mundo”) em 2001. Progressista, ela tem críticas à estrutura de poder na Igreja Católica. Ela diz ser contra a ordenação de mulheres no modelo que hoje vige.

A opção religiosa veio numa bifurcação.

— Eu sabia que não queria ficar em casa, criar filho. Naquele momento, pré-feminismo militante, a pergunta era: vai casar ou vai ser freira? — resume ela, que não vê nos votos sacrifício algum:

São votos de liberdade. Sem família, marido, bens ou carreira própria, você se torna mais livre a ser chamada para a evangelização.

Na fronteira entre o silêncio extremo e o contato humano cotidiano em prol da caridade está a congregação mais jovem da Igreja Católica. No Rio, numa igreja incrustada entre um galpão e outro da Avenida Brasil, na altura de Bonsucesso, ficam as Missionárias da Caridade. De sari e véu com faixa azul, veste igual à de Madre Tereza de Calcutá, fundadora da congregação formalizada pelo Vaticano em 1960, as irmãs fazem voto de silêncio. Não puderam falar com a reportagem da Revista O GLOBO porque as madres superioras estavam por três semanas em vigília de oração.

Nas escolas católicas, os alunos são informados sobre as diversas fases da vida religiosa. Irmã Graça, madre superiora do Colégio São Paulo, leva suas quatro bonecas às salas para, didaticamente, explicar as etapas. Todo o período de estudos soma cerca de 11 anos. A primeira fase é o aspirantado, que dura em torno de dois anos. Em seguida, vêm o postulantado e o noviciado. Depois de proferir os votos perpétuos, só o Vaticano tem o poder de tirar da freira o título. Caso queira sair, é ela quem deve formalizar o pedido, em carta de próprio punho.

Freira também pode ser expulsa. Os dados no Brasil não são conhecidos. Mas na Espanha, no ano passado, causou rebuliço a expulsão da irmã Maria Jesus Gatajo, de 54 anos, no convento de Santo Domingo El Rey, em Toledo, por ter 600 amigos no Facebook.

— Nunca me perguntaram quantos amigos tenho, mas seleciono muito. Só confirmo quem conheço — diz irmã Graça.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com

Nenhum comentário: