Marcado por escândalos de lavagem de dinheiro e corrupção, o Banco do Vaticano será uma enorme dor de cabeça para o papa Francisco enfrentar
Por Cláudio GRADILONE
Cerca de € 6 bilhões em ativos, aproximadamente R$ 15 bilhões. Um único escritório localizado em uma pequena torre circular ao lado do Palácio Apostólico, no coração do Vaticano. Pouco mais de 100 funcionários e 33 mil contas pertencentes a 20.770 clientes, 68% deles sacerdotes. Se fosse um banco brasileiro, ocuparia a 25ª posição. No entanto, esses são os números de um dos três grandes problemas que vão ocupar (e muito) as atenções do recém-eleito papa Francisco. Ao lado dos escândalos de pedofilia e da indisciplina do cardinalato romano, Sua Santidade vai enfrentar choro e ranger de dentes se resolver fazer uma faxina no Instituto para as Obras da Religião, nome oficial do Banco do Vaticano.
Ignorando detalhes pitorescos como um caixa automático com instruções em latim (Inserito scidulam quaeso ut faciundam cognoscas rationem, ou, insira seu cartão para obter instruções), o banco vem motivando promessas, romarias e novenas dos três últimos papas. Criado por Pio XII em 1942, para gerir os recursos da Santa Sé, a instituição aparece periodicamente como protagonista de escândalos cabeludos. O banco não concede empréstimos, mas administra recursos, e é nesses investimentos que residem os problemas. As acusações passam por lavagem de dinheiro da máfia e de políticos italianos, descumprimento de normas de transparência e falhas graves na governança.
O pecado mais recente veio em dezembro de 2010, quando US$ 30 milhões em ativos foram congelados pelas autoridades italianas. Na ocasião, Ettore Gotti Tedeschi e Paolo Cipriani, presidente e diretor-geral do banco, foram acusados de lavagem de dinheiro. A investigação não avançou, mas Tedeschi foi demitido em maio de 2012, substituído pelo economista brasileiro Ronaldo Hermann Schmitz, nascido em Porto Alegre. No fim de fevereiro passado, em um de seus últimos atos, Bento XVI nomeou o aristocrata alemão Ernst von Freyberg para presidir o banco. Advogado, 58 anos, casado, conselheiro de empresas e um participante ativo de fundações católicas na Alemanha e na França, Von Freyberg é um antípoda de seus antecessores, em geral banqueiros italianos com fortes vínculos políticos.
Os guardiões e o banqueiro: ao lado da Guarda Suíça, que cuida da segurança física do papa (à esq.),
o advogado alemão Ernst von Freyberg está encarregado de presidir o Instituto para as Obras da Religião,
mais conhecido como Banco do Vaticano, que corre o risco de ser excomungado
do sistema financeiro europeu.
Seu trabalho será complicado. O Banco do Vaticano nasceu a partir de um instituto criado em 1887 pelo papa Leão XIII, para gerir o patrimônio da Igreja que não havia sido confiscado pelo então recém-criado Estado italiano. Foi transformado em um banco durante a Segunda Guerra Mundial. Ao longo da Guerra Fria, enviou recursos clandestinamente para países do Leste Europeu para ajudar a derrubar o comunismo. Ainda hoje, há fortes evidências de que é por meio do banco que o Vaticano atua em países onde não pode aparecer, como Cuba e China. A cultura de sigilo serviu para acobertar vários pecados, nem todos veniais. Em 1982, o desaparecimento de US$ 1,3 bilhão quebrou o Banco Ambrosiano, do qual o Banco do Vaticano, à época presidido pelo cardeal americano Paul Marcinkus, era o maior acionista.
O dinheiro desapareceu depois de ter sido transferido para filiais do Ambrosiano em paraísos fiscais e na América Latina. O Vaticano não admitiu sua culpa, mas pagou uma penitência de US$ 250 milhões em indenizações. Marcinkus permaneceu na presidência por mais sete anos, até 1989. Nos últimos tempos, o sigilo exagerado tem complicado a situação. A falta de transparência e o não cumprimento de regras de governança fazem com que corra o risco de ser excomungado do sistema bancário europeu, e têm merecido críticas do próprio clero. O cardeal sul-africano Wilfred Napier, um dos 15 participantes do comitê de cardeais encarregado da auditoria, disse em uma entrevista à rede de televisão CBS que não tinha informações suficientes para cumprir sua tarefa. “Preciso saber o que estou assinando”, afirmou o cardeal. “É o meu nome, e o de mais 14 pessoas, que está envolvido nisso.”
Fonte:
http://www.istoedinheiro.com.br
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