por Iara Farias Borges
Projeto de livre exercício de crença
desagradou até líderes religiosos
O projeto de lei que trata do livre exercício de crença e cultos religiosos (PLC 160/2009), do deputado George Hilton (PRB-MG), recebeu críticas dos participantes de audiência pública que discutiu o assunto na quinta-feira (23) na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Apesar de apresentarem motivações diferentes, os representantes de diversas instituições religiosas e do governo manifestaram sua contrariedade à proposta e pediram sua rejeição.
Diante do resultado da audiência, o relator do projeto, senador Eduardo Suplicy (PT-SP), disse que vai se reunir com a consultoria para decidir o rumo de seu relatório, que, segundo ele, pode ser pela rejeição da proposta. O senador pediu que representantes de congregações religiosas que não estiveram presentes à audiência enviem contribuições para a elaboração do relatório.
Na opinião do professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Antonio Cunha, o projeto de lei é “incorrigível”. Ele declarou que a regulação de crenças só é admitida quando há constrangimento ao direito dos cidadãos de professar sua fé ou quando existe controle estatal na área religiosa. Nenhuma dessas hipóteses, observou, é verificada no Brasil, uma vez que "o país é privilegiado quanto respeito à liberdade religiosa".
"O Brasil não está em nenhuma das duas situações. Trata-se, portanto, de uma situação esdrúxula", disse o professor.
Em sua opinião, o projeto é "mimético", por fazer uma adaptação apressada do tratado assinado entre o Brasil e a Santa Sé, em 2008; "indecente", por conferir privilégios a determinadas instituições religiosas sem que haja contrapartida ao interesse público; e "pueril", por tentar estender a outras instituições religiosas os benefícios recebidos pela Igreja Católica. Ele também discorda do artigo que prevê ensino religioso obrigatório, pois, em sua opinião, o dispositivo afronta a liberdade de opinião.
O representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Hugo Sarubbi, ressaltou que ter ou não uma crença está entre os direitos fundamentais do brasileiro. Em sua opinião, a proposta coloca este direito em segundo plano, ao permitir a "ingerência estatal no modo de professar a fé das pessoas". Em sua opinião, o projeto padece de vício de origem por ser “apressado, oportunista” e inadequado às diferentes instituições religiosas.
Para o representante da CNBB, a proposta é uma cópia do acordo realizado entre o Brasil e a Santa Sé, dois estados soberanos. Acordos e tratados internacionais são comuns, enfatizou, e o documento assinado não prejudica nenhuma congregação religiosa. Ele ainda ressaltou a importância das instituições religiosas quanto à assistência social, segundo ele atribuição do Estado que não é cumprida com eficiência.
"Um Estado que não consegue ministrar aula de Português e Matemática quer ingerir na fé?", questionou o representante da CNBB.
Com opinião similar, o representante da Federação Espírita Brasileira (FEB), Flamarion Vidal, relatou que as casas espíritas prestam assistência social porque o Poder Público não atende às necessidades básicas do cidadão. Segundo ele, as instituições religiosas são impedidas de fazer caridade em razão do preconceito de alguns gestores públicos. Por isso, ele defendeu a regulamentação da prestação de caridade pelas instituições religiosas, já que a Constituição estabelece a laicidade do Estado, mas não regula a atuação das instituições.
Para a coordenadora de Política de Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Marga Stroher, por não mencionar a laicidade do Estado, a proposta pode ameaçar a democracia e a liberdade religiosa no país.
Marga Stroher lembrou que o Brasil possui cerca de 15 milhões de cidadãos que se dizem ateus ou agnósticos, que em sua opinião acabam pagando pelos "privilégios" recebidos por entidades religiosas. Segundo ela, entidades recebem isenções, apesar de possuírem um “império midiático lucrativo”.
Ainda, em sua opinião, a educação religiosa deveria ser retirada da Constituição e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996), pois é ministrada de forma confessional e a sua inclusão no currículo escolar é “interesseiro e direcionado à matriz católica”. Também a assistência espiritual em hospitais e presídios, segundo ela, não deve ser feita de forma massiva, mas quando é solicitada pela pessoa.
- Não é a religião que garante ética, bom caráter, uma formação adequada para o sujeito. O que vem em princípio é a nossa humanidade, isso que nos garante como seres éticos e comprometidos com a sociedade, com os semelhantes, com o próximo, e não como se um credo tornasse, automaticamente as pessoas melhores – afirmou.
Na opinião da representante da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU), Cacilene Aparecida Nobre, a proposta poderá criar dificuldades entre as religiões em vez de respeito mútuo. Para ela, o projeto de lei pode ter sido apresentado para favorecer interesses pessoais, uma vez que a intervenção estatal nas crenças não vai contribuir para a valorização da vida e o respeito ao próximo.
A proposta não atende aos adeptos do candomblé, declarou o representante da religião de matriz africana, Francisco Aires Afonso Filho, uma vez que hão há uma hierarquia na estrutura dos centros e casas onde se realizam os rituais. Ele também observou que a previsão constitucional já garante a liberdade de crença e práticas religiosas, sem a necessidade de haver uma organização institucionalizada da crença.
Para o juiz Roberto Arriada Lorea, a Constituição já garante inviolabilidade de consciência e de crença. Ele acrescentou que o Estado não pode impor uma confissão religiosa às pessoas.
Em abril, o senador Eduardo Lopes (PRB-RJ) cobrou a votação do PLC 160/2009, chegando a apresentar um pedido de tramitação em regime de urgência para a matéria. Suplicy pediu mais tempo para realizar uma nova audiência pública - a desta quinta-feira - e os líderes disseram que tentariam colocar a proposta em votação no prazo de 30 dias.
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