Apesar de a distribuição do inquérito ter sido considerada irregular, o promotor Cássio Roberto Conserino, de São Paulo, continuará à frente da investigação sobre sobre a suspeita de ocultação de um apartamento triplex, em Guarujá (SP), do patrimônio do ex-presidente Luiz Inácio Lula de Silva e sua mulher Marisa Letícia.
A decisão é do plenário do Conselho Nacional do Ministério Público, ao analisar representação do deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Para o parlamentar, o promotor extrapolou suas prerrogativas funcionais ao assumir o comando do caso de ofício, e que a investigação não poderia ter sido distribuída à 2ª Promotoria Criminal, da qual Cesarino faz parte, mas à 1ª Promotoria Criminal.
Na teoria, a decisão dá razão ao deputado. Entendeu-se que todo procedimento investigativo deve ser livremente distribuído entre os membros do Ministério Público, isso porque a atribuição por prevenção contraria o princípio do promotor natural, e permite a instauração de agentes de exceção.
Só que seguindo o voto do relator do caso, Valter Shuenquener de Araújo estabeleceram que essa interpretação vale apenas para os casos surgidos a partir da publicação do acórdão. O que, na prática, garante a permanência de Conserino nas investigações sobre a relação entre a família de Lula com um apartamento triplex em Guarujá.
Juízo de valor
Em sua representação, Teixeira também havia alegado que o promotor fez um pré-julgamento de sua decisão ao oferecer conclusões sobre o caso em entrevista à revista Veja antes mesmo de ouvir os depoimentos de Lula e Marisa.
Em sua representação, Teixeira também havia alegado que o promotor fez um pré-julgamento de sua decisão ao oferecer conclusões sobre o caso em entrevista à revista Veja antes mesmo de ouvir os depoimentos de Lula e Marisa.
Nesse ponto, o relator entendeu ser necessária uma investigação a respeito da fala de Conserino à revista e depois sobre o conteúdo da entrevista coletiva por ele concedida. Para tanto, determinou que o corregedor nacional do CNMP supervisione o procedimento disciplinar já aberto pela Corregedoria do MP-SP.
Promotor natural
Após as exposições do procurador-geral de Justiça Márcio Elias Rosa e do presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Aristides Junqueira Alvarenga, contra a representação, o relator rejeitou as preliminares de ilegitimidade ativa de Paulo Teixeira e de interferência do CNMP na atividade-fim do Ministério Público.
Após as exposições do procurador-geral de Justiça Márcio Elias Rosa e do presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Aristides Junqueira Alvarenga, contra a representação, o relator rejeitou as preliminares de ilegitimidade ativa de Paulo Teixeira e de interferência do CNMP na atividade-fim do Ministério Público.
Shuenquener rebateu o primeiro ponto destacando que nos procedimentos administrativos, as questões discutidas são públicas, e ultrapassam os interesses das partes. Dessa forma, qualquer cidadão pode apontar irregularidades nesses processos. Quanto ao segundo aspecto, o conselheiro deixou claro que o órgão não estava direcionando os atos de promotores, mas apenas decidindo qual regra deveria ser aplicada para distribuição de inquéritos e processos.
Ao analisar o mérito, Shuenquener afirmou que o artigo 3º, parágrafo 4º, da Resolução 13/2006 do CNMP, contraria a Lei Orgânica do MP-SP (Lei Complementar de São Paulo 734/1993). Isso porque a norma do conselho, que faculta ao membro do MP, em hipótese de investigação instaurada de ofício, permanecer no comando dela até a distribuição da denúncia, viola a regra de que os casos devem ser distribuídos entre os promotores competentes.
De acordo com o relator, tal regra pode ser extraída da decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu o poder do MP de promover apurações criminais por conta própria: “Não há duvida que o STF, ao lado de dar o poder de promover procedimento investigativo para o MP, decidiu que investigações devem ser livremente distribuídas. Não seria racional que todos promotores de um mesmo local pudessem simultaneamente, de oficio, instaurar Procedimentos Investigatórios Criminais (PICs) sobre o mesmo fato”.
O objetivo da livre distribuição é preservar o princípio do promotor natural, disse Shuenquener. Ele lembrou que sem tal garantia, seria possível estabelecer membros do MP ad hoc para atuar nos casos, acabando com a imparcialidade do órgão.
Com isso, Shuenquener votou para que as investigações criminais passem a ser distribuídas livremente entre promotores, e não mais também por prevenção. Contudo, ele opinou que tal determinação só deveria ser aplicada para os próximos casos, de forma a preservar a segurança jurídica. Os demais conselheiros seguiram o entendimento dele.
Alegações em vão
Depois do voto do conselheiro Shuenquener, o presidente da Associação Paulista do Ministério Público, Felipe Locke Cavalcanti, argumentou que houve, sim, livre distribuição no caso, estabelecida em uma portaria de outubro de 2015, na qual Márcio Elias Rosa designou os promotores que iriam cuidar do caso.
Depois do voto do conselheiro Shuenquener, o presidente da Associação Paulista do Ministério Público, Felipe Locke Cavalcanti, argumentou que houve, sim, livre distribuição no caso, estabelecida em uma portaria de outubro de 2015, na qual Márcio Elias Rosa designou os promotores que iriam cuidar do caso.
Em seguida, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins afirmou que o PIC não foi instaurado de ofício por Conserino, mas após a provocação de três advogados. Assim, ele deveria ter sido distribuído, conforme a Lei Orgânica do MP-SP. O criminalista, que teve sua fala interrompida por barulhos de manifestantes, também contestou a alegação de Locke e disse que uma portaria não pode se sobrepor a uma lei complementar.
O deputado Paulo Teixeira seguiu a mesma linha de Zanin Martins e ainda ressaltou que considera que os atos de Conserino provam sua parcialidade. Porém, os argumentos dos três não foram suficientes para influenciar os outros 13 conselheiros, que seguiram na íntegra o voto do relator.
Depoimento suspenso
Antes da análise de mérito, o deputado Paulo Teixeira havia pedido o cancelamento provisório dos depoimentos que o ex-presidente e a ex-primeira dama dariam na quarta-feira passada (17/2) e a redistribuição do feito.
Antes da análise de mérito, o deputado Paulo Teixeira havia pedido o cancelamento provisório dos depoimentos que o ex-presidente e a ex-primeira dama dariam na quarta-feira passada (17/2) e a redistribuição do feito.
O conselheiro Shuenquener concedeu a liminar e suspendeu as oitivas — o que não impediu protestos e confrontos em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, onde eles ocorreriam. A decisão foi criticadapelos promotores do caso, que pediram que o entendimento fosse reconsiderado.
Contra esse requerimento, os advogados de Lula e Marisa, Roberto Teixeira, Cristiano Zanin Martins, Nilo Teixeira e Rafael Borges, aderiram ao pedido de Paulo Teixeira, e solicitaram que o CNMP determinasse a distribuição das apurações a outro promotor.
Resposta às críticas
O relator aproveitou para repudiar as críticas dos promotores do caso de que ele havia sido “induzido em erro” pela representação de Teixeira e que estar agindo para proteger o líder do PT.
O relator aproveitou para repudiar as críticas dos promotores do caso de que ele havia sido “induzido em erro” pela representação de Teixeira e que estar agindo para proteger o líder do PT.
“Fiquei estarrecido por constatar que alguns agentes públicos que lutam por sua própria independência funcional não têm o mínimo cuidado de respeitar a independência funcional dos outros, e são capazes de tecer comentários extremamente agressivos, desabonadores e irresponsáveis”, afirmou.
Shuenquener também explicou que a sua decisão tinha o intuito de evitar uma futura anulação por irregularidades procedimentais, como ocorreu nas operações castelo de areia, satiagraha e diamante.
“A decisão de suspender qualquer ato não teve o condão de blindar nenhuma pessoa, mas apenas de verificar se as regras de distribuição de PICs estavam sendo respeitadas pelo Ministério Público de São Paulo, para evitar nulidades processuais”.
*Texto atualizado às 17h18 do dia 23/2 para acréscimo de informações.
Sérgio Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2016, 16h14
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