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segunda-feira, 20 de maio de 2019

A lei do mar, uma das mais importantes conquistas da proteção ambiental



19 de maio de 2019, 17h31

Por Ricardo Cintra Torres de Carvalho


Em artigos publicados nos dias 16 de fevereiro e 16 de março deste ano, fiz breves anotações sobre formação da hard law e da soft law e sobre a denominada tragédia dos bens comuns, segundo a qual a propriedade de todos [lembremos o art. 225 da Constituição Federal] não é propriedade de ninguém e não tem preço; tem valor apenas quando apropriado por alguém, que corre o risco de vê-lo desaparecido por outro tê-lo apropriado primeiro.

Em decorrência, a lógica econômica induz o interessado a obter agora o maior ganho ao invés de reservar parte daquele recurso para depois, pois não confia em que o outro interessado faça o mesmo. É uma lógica coerente no curto prazo, mas problemática no prazo mais longo em que o ganho ficará reduzido ou nenhum para todos.

O tratamento dado aos mares é um exemplo dessa dificuldade e dessa tragédia, conforme extraio de David Hunter, James Salzman e Durwook Zaelk, ‘International Environmental Law and Policy’, University Casebook Series, Foundation Press, 1998, Nova Iorque, também utilizado nos trabalhos anteriores.

Os oceanos, além de berço da vida na terra, controlam o clima, proveem alimento e minerais, sequestram carbono, deglutem resíduos e prestam outros serviços inestimáveis. No entanto, os oceanos sofrem com o excesso de pesca (que está destruindo a vida no mar) e com a poluição originada no mar, causada pelo lançamento de lixo, esgoto e óleo dos navios, e pela poluição originada em terra (efluentes da agricultura e da indústria, de drenagem, da descarga de esgotos); e porque o uso do mar é grátis, sem taxas ou tarifas a pagar, as externalidades dessas descargas são suportadas por todos. Embora os mares tenham uma enorme capacidade de absorção, há sinais de que nossas atividades estejam excedendo o limite de um ecossistema marinho saudável.

Baseada no costume e no direito romano, a lei do mar regula desde tempos antigos o uso e a passagem pelos mares; mas não houve necessidade de uma lei formal até a Segunda Guerra Mundial porque os estoques marinhos pareciam inesgotáveis e a poluição acontecia em pequena escala e a nível local. O mais importante princípio, antes e hoje, é o princípio da liberdade dos mares, segundo o qual os mares constituem um bem comum onde não se pode impedir que as nações livremente trafeguem e extraiam recursos, como escreveu Hugo Grotius em seu ‘Mare Liberum’, 1609: a navegação e a pesca pacífica em alto mar é um direito básico das nações, pois a lei natural impede a propriedade das coisas comuns (‘the commons’).

Segundo esse princípio, o uso de uma rota marítima por uma nação não impede que outra também a use, nem a pesca de uma impede que outra também pesque; é um arranjo que ilustra bem a tragédia dos bens comuns, onde o interesse de um em explorar tais recursos para o benefício individual de curto prazo é mais forte que o interesse comum em restringir a exploração de curto prazo para preservar o uso futuro de tal recurso. Usualmente ao direito corresponde uma obrigação; mas a doutrina da liberdade dos mares não impõe a obrigação correspondente de um trabalho coletivo para a conservação dos mares e seus recursos.

A liberdade dos mares encontrou algum limite no direito costumeiro do mar territorial, que permite o uso exclusivo de uma faixa marinha ao longo da costa, historicamente de três milhas, pois limitada então pelo alcance dos canhões situados em terra. Em 1930 a Liga das Nações tentou codificar a lei dos mares, sem sucesso; depois da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos da América desafiaram esse princípio estendendo a sua jurisdição e o seu controle dos recursos naturais pela plataforma continental (as Proclamações de Truman).

O precedente foi rapidamente seguido por outras nações latino-americanas e em 1958 quase vinte países haviam estendido sua jurisdição exclusiva sobre as respectivas plataformas continentais; essa extensão continuou nos anos seguintes, causando conflitos entre os Estados marítimos e os Estados costeiros.

As Nações Unidas promoveram a Primeira Conferência sobre a Lei do Mar (Unclos I – United Nations Conference on the Law of the Sea) em 1958, que deliberou quatro Convenções: a Convenção sobre o Mar Territorial e a Zona Contígua, a Convenção do Alto Mar, a Convenção sobre a Pesca e a Conservação dos Recursos Naturais do Alto Mar, e a Convenção sobre a Plataforma Continental.

A Convenção de Genebra sobre o Alto Mar cuidou do meio ambiente e de específicas formas de poluição, como a poluição por óleo dos navios e por substâncias radioativas; mas a proteção ambiental era fraca, pois não estabelecia o dever de proteger o ambiente marinho nem delineava os deveres e as responsabilidades dos Estados em evitar a poluição dos mares. Nenhuma das Convenções entrou em vigor.

A Segunda Conferência Sobre a Lei do Mar (Unclos II), em 1960, não chegou a um acordo sobre a largura dos mares territoriais; o conflito fundamental em Unclos I e II e na maior parte das disputas é a tensão entre o interesse das nações marítimas que usam os mares para navegação e comércio (que querem mais liberdade) e o interesse das nações costeiras que dependem dos recursos naturais do mar próximo (que querem mais jurisdição exclusiva). O conflito reflete no controle dos recursos naturais e na aplicação das leis de controle da poluição.

Após a Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente de 1972 as Nações Unidas convocaram a Terceira Conferência sobre a Lei do Mar (Unclos III), iniciada em 1973 e concluída em 1982, duração que indica a complexidade da negociação, a dificuldade de um consenso e o impacto nos interesses políticos, econômicos e científicos das várias nações. O documento final, conhecido como a Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar, também conhecida como Convenção da Lei do Mar (LOS Convention ou Unclos III), foi assinado em 1982 e entrou em vigor em 1994, constituindo a ‘Constituição’ da governança dos mares e dispondo sobre regras para o comportamento das nações e das pessoas; diferentemente de outras Convenções, quando Unclos foi assinada suas regras já eram aplicadas e haviam sido incorporadas como um costume legal internacional por muitos países. É um documento extenso com 320 artigos e nove anexos.

Em termos de proteção ambiental e como uma de suas mais importantes conquistas, Unclos regulamentou a autoridade jurisdicional, estabeleceu obrigações para proteger e preservar o ambiente marinho e tratou de uma forma compreensiva de ameaças ambientais específicas causadas pela poluição e pela pesca predatória. Cuidaremos desses aspectos em artigo futuro

 é desembargador do TJ-SP.
Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2019, 17h31

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