ARMANDO ANTENORE
O alemão Fritz Alfred Johannes Friedrich, de origem judaica, recebeu uma notícia devastadora no primeiro semestre de 1944. Não poderia embolsar os lucros a que tinha direito como sócio de uma loja de tecidos em São Paulo. O governo brasileiro iria confiscar todo o rendimento não só o daquele ano como o dos dois anteriores.
A expropriação se repetiu em 1945 e 46. Resultado: a loja, desfalcada, acabou quebrando.
Agora, o suíço Hansjurg Brumann, neto de Friedrich, quer o dinheiro de volta Äalgo em torno de US$ 85 mil. Apoia-se, principalmente, no argumento de que seu avô pagou por uma injustiça. "Foi vítima de um paradoxo histórico", como prefere dizer.
O contra-senso começou no dia 11 de março de 1942, quando o então presidente Getúlio Vargas baixou o decreto-lei número 4.166.
O país atravessava a ditadura do Estado Novo, e o mundo amargava a Segunda Guerra. Depois de um longo namoro com Hitler e Mussolini, Vargas virou o jogo e se aproximou dos norte-americanos.
O decreto refletia a mudança de rumo. Determinava o confisco de bens dos alemães, italianos e japoneses que moravam no Brasil ou que, vivendo fora, possuíam negócios aqui. Também atingia os cidadãos de países dominados pelo nazi-fascismo, como a Áustria.
Todos passavam a carregar a pecha de "súditos do Eixo", uma referência à aliança bélica da Alemanha com Itália e Japão. Os bens sequestrados seguiriam para o Fundo de Indenização de Guerra.
O paradoxo repousava no fato de o decreto não distinguir, entre os "inimigos", os refugiados israelitas. Dessa maneira, um judeu de Berlim que, fugindo do horror nazista, tivesse imigrado para São Paulo, sofreria as consequências da lei de Vargas por ser alemão.
Se na Europa penara como vítima de Hitler, em solo tropical responderia pelos atos do algoz.
Era o caso de Friedrich. Com ascendência judaica, fixara residência em Zurique (Suíça), onde se encontrava durante a guerra. A Alemanha o considerava impuro. E o Brasil, país que escolhera para investir parte de suas economias, o expropriava.
Além das perdas financeiras, o Estado Novo impingiu outras restrições aos cidadãos do Eixo até o cessar-fogo, em 1945. Novamente, não diferenciou os judeus.
Proibia que falassem alemão, italiano ou japonês em público e lhes exigia salvo-condutos para viajarem ou mudarem de residência Cada pessoa que pedia a autorização ficava "fichada" no Departamento de Ordem Política e Social, o Deops, hoje extinto.
Embora conhecidas pela comunidade israelita, as perseguições contra os judeus que a ditadura de Vargas tratou como representantes do nazi-fascismo ainda compõem um capítulo obscuro da história brasileira.
No ano em que o Estado de Israel completa meio século, a Folha resolveu investigar o assunto. Teve acesso à documentação do Arquivo Histórico do Itamaraty (no Rio) e do Deops paulista, colhida pela historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Universidade de São Paulo.
Também consultou o "Inventário Deops - Alemanha", recém-lançado por três pesquisadoras da USP: Ana Maria Dietrich, Eliane Alves e Priscila Perazzo.
Às informações da papelada, acrescentou vários depoimentos. Pôde, assim, reconstituir alguns episódios da época. Rodrigo Onias, da Redação, e a tradutora Susanne Umnirski-Gattaz ajudaram nas entrevistas em alemão.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc26059823.htm
Perfil
- I.A.S.
- Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR
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