PUBLICADO NO SPUTNIKS
Relator especial da ONU sobre Tortura revela pela primeira vez as
descobertas chocantes que fez durante as investigações do caso Julian
Assange. Tortura, prisão e fraude judicial são a regra em um caso que
pode colocar a liberdade de imprensa em risco.
Estupro fabricado e manipulação de provas na Suécia, pressão do Reino
Unido sobre a Suécia e tortura psicológica: Nils Melzer, relator
especial da ONU para Tortura conta pela primeira vez as descobertas
chocantes que fez durante sua investigação sobre o caso Assange.
Em entrevista ao
jornal alemão Republik, o representante explica que o caso Assange é
fundamental para o seu mandato, que consiste em combater a tortura em
todas as suas formas. Para ele, apesar das denúncias de torturas
sistemáticas contra o jornalista, quem está sendo perseguido é a vítima,
e não os torturadores.
“Assange expôs a tortura, ele próprio foi torturado, e pode vir a ser torturado até a morte se for para os Estados Unidos”, disse Melzer.
Caso seja extraditado para os EUA, Assange pode ser condenado a até 175 anos de prisão.
Caso de Estupro na Suécia
O início da desconstrução da imagem de Assange –considerado por
muitos um narcisista, um hacker- começou com as alegações do Estado
sueco de que uma mulher o acusa de estupro.
Melzer, que fala sueco fluentemente e conta ter lido todos os
documentos relacionados ao processo, faz uma revelação inquietante: não há acusação de estupro contra Assange e a declaração da suposta vítima foi reescrita pela polícia.
“Em agosto de 2010, uma mulher chamada S.W […] foi a uma delegacia de polícia em Estocolmo. Ela relatou ter tido relações sexuais com Julian Assange sem o uso de preservativos. Disse que estava com medo de ter sido infectada com o HIV e queria solicitar que Assange fizesse um teste de detecção da doença […] antes que o interrogatório pudesse ser concluído, ela é informada de que Assange será preso por suspeita de estupro […] Ela se recusa a continuar o interrogatório e vai para casa. S. W não acusou Assange de estupro”, relata.
Mas em poucas horas, o caso já estava na imprensa. De acordo com Melzer, o próprio promotor de justiça vazou o caso a um tablóide sueco, em violação às leis do país, que proíbem a publicação do nome de suspeitos de envolvimento em crime sexual.
Melzer lembra que, naquele contexto, o site fundado por Assange,
Wikileaks, havia acabado de publicar, em colaboração com o The New York
Times, The Guardian e Spiegel, o chamado “Diário da Guerra do
Afeganistão”, um dos maiores vazamentos da história militar dos EUA.
De acordo com o representante especial, a narrativa de que Assange
teria fugido da justiça sueca também “não corresponde aos fatos”, uma
vez que o jornalista se apresentou voluntariamente na delegacia para
prestar esclarecimentos.
Mais tarde, quando Assange tomou ciência de que casos secretos haviam
sido abertos contra ele nos EUA, passou a exigir da Suécia garantias de
que, caso fosse a Estocolmo prestar depoimento, não seria extraditado
para os EUA.
De acordo com Melzer, a preocupação de Assange com o governo da Suécia era justificada, uma vez que o governo sueco já “havia entregue dois requerentes de asilo registrados na Suécia à CIA [agência de inteligência dos EUA] sem nenhum julgamento […] eles foram torturados no aeroporto de Estocolmo”.
Posteriormente, “a Suécia teve que pagar meio milhão de dólares em compensação a cada um deles”, contou.
Caso Chelsea Manning
Melzer lembrou que há amplo interesse de países como Estados Unidos,
Inglaterra, França e outras “democracias maduras” no silenciamento de
Assange, uma vez que o site fundado pelo jornalista, o Wikileaks, se
baseia no princípio de “anti-sigilo”.
“Isso é percebido como uma ameaça fundamental em um mundo no qual o recurso ao sigilo aumentou […] Assange deixou claro que o Estado está preocupado com a supressão de informações importantes sobre corrupção e crime”, declarou.
Ele lembra o caso Chelsea Manning, ex-assessora de inteligência
norte-americana que vazou para o Wikileaks vídeo no qual um crime de
guerra é cometido por militares norte-americanos.
O vídeo, chamado “Assassinato Colateral”, mostra como soldados dos
EUA assassinam várias pessoas em Bagdá, inclusive dois repórteres da
agência de notícia Reuters.
“Como consultou jurídico e delegado de longa data do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em zonas de guerra, posso lhe dizer: este é sem dúvida um crime de guerra”, asseverou Melzer.
Segundo ele, um Estado de direito poderia, sem dúvidas, investigar
Chelsea Manning por quebra de sigilo oficial, uma vez que ela
compartilhou o vídeo com um jornalista. “Mas [um Estado de Direito]
certamente não perseguiria Assange, porque ele publicou um vídeo de
interesse público, em um caso de jornalismo investigativo clássico”.
“A coisa mais assustadora desse caso […] é que o jornalismo se torna espionagem”, alertou Melzer. “O caso é escandaloso e uma declaração de falência do Estado de Direito ocidental. Se Julian Assange éfor condenado, será assinada a sentença de morte para a liberdade de imprensa.”
Assange pode ser condenado a até 175 anos de prisão, o que é
“absurdo”, uma vez que os “principais criminosos de guerra no tribunal
da Ioguslávia foram condenados a 45 anos”, argumentou o relator especial
da ONU.
O que espera Assange nos EUA?
Caso Assange seja extraditado para os EUA, deverá comparecer a um
júri na cidade de Alexandria, no Estado norte-americano da Virgínia.
“O local não é conhecidência, já que o júri deve ser selecionado
proporcionalmente à população local, e, em Alexandria, 85% da população
trabalha para a comunidade de segurança nacional, ou seja, para CIA,
NSA, Departamento de Defesa e Departamento de Estado dos EUA”, explicou.
Para Melzer, indivíduos acusados de violar a segurança nacional,
nessas condições, teriam poucas chances de ter um julgamento imparcial.
“Os procedimentos são sempre conduzidos pelo mesmo juiz, a portas fechadas, com base em evidências secretas”, detalhou.
O relator lembrou que sua intenção não é defender Assange pessoalmente, mas sim garantir o devido processo legal.
“Não estou dizendo que Julian Assange é um anjo, tampouco um herói. Mas não precisa ser nenhum dos dois. Estamos falando de direitos humanos e não de anjos ou heróis. Assange é um ser humano, ele tem o direito de se defender e de ser tratado com humanidade”, declarou.
O relator especial da ONU denunciou reiteradamente maus tratos a
Assange na prisão em que está encarcerado, em Londres, no Reino Unido e
afirmou que o jornalista apresenta traços de tortura psicológica.
Em abril de 2019, o Equador suspendeu o status do ativista, que foi
preso pela Polícia britânica, que o acusa de não comparecer perante o
juiz durante liberdade sob fiança.
Logo após a prisão do jornalista, em maio de 2019, o governo dos EUA
apresentou novas acusações contra Assange, incluindo a violação de Ato
sobre Espionagem e vazamento de informações secretas.
Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/caso-assange-relator-da-onu-denuncia-tortura-estupro-fabricado-e-manipulacao-de-provas/
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