28/fev/20 - 09h30
(Crédito: Marcos Corrêa/PR)
E Messias está a trombetear a existência de tentativas rasteiras de tumultuar a República. Há de se concordar com ele e, claro, reagir com a firmeza e a força da lei que a circunstância exige, punindo os agitadores da vez. E quando a tal tentativa de desestabilização emana diretamente das mãos do ocupante da cadeira de mando do Planalto, o que fazer? Na situação em que o presidente em pessoa convoca manifestantes para irem às ruas contra os demais poderes, com uma pauta subversiva que pede o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, além da cassação ou prisão de suas lideranças, qual a resposta a dar? Jair Bolsonaro, aquele que governa testando, reiteradamente, quase toda a semana, os limites constitucionais, incorre abertamente em crime de responsabilidade. De novo e de novo e de novo, sem as devidas respostas a seus atos. Não é a primeira provocação/convocação dele nesse sentido, muito menos a primeira atuação como chefe de torcida a pedir o povo nas ruas para encurralar parlamentares e juízes. Ele usa corriqueiramente a tática chavista, com pendor autoritário de subversão da ordem, incitando as massas no cerco às instituições. O filme já foi visto e reprisado por essas platitudes latino-americanas. Sob o tacape do capitão reformado, a ditadura é um flerte nunca descartado. Ainda mais depois de sua unção a chefe de Estado. Do AI-5 ao culto a torturadores, até a negação das execuções nos porões do regime, o sobranceiro atrevimento do “mito” no campo do radicalismo foi por demais comprovado. Militantes pró-governo querem agora, com a benção e estímulo do mandatário, sitiar Legislativo e Judiciário. Todos se animaram depois que o próprio ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, hasteou a bandeira da autofornicação do “foda-se” em resposta ao que ele chamou de “chantagem” dos congressistas. À parte o linguajar chulo, o militar deveria ser instado a dar provas da referida chantagem, se é que ela realmente existiu e em que termos. Mas, ao invés disso, o comportamento do ministro quatro estrelas é endossado por um chefe cujo sonho maior é mandar sem as amarras dos demais poderes. Para constranger adversários, as redes sociais viraram armas preferidas dele e de todo o clã. Não existem mais dúvidas sobre as reais intenções da primeira família sobre o futuro dos Três Poderes. Anote o que disse o filho número três, Eduardo Bolsonaro, logo após papai cometer o desatino de estimular protestos. Declarou Dudu, se dirigindo a uma jornalista: “Se houvesse uma bomba H no Congresso, você realmente acha que o povo choraria?”. Foi ele o mesmo que calculou lá atrás a necessidade de contar apenas com “um soldado e um cabo para fechar o STF”. Viceja, não há como negar, uma vontade quase irrefreável da doutrina bolsonarista de implantar uma espécie de absolutismo bananeiro, típico de republiquetas de outrora. E assim seus pregadores escolhem, por vez, carnavalizar a democracia, como se não fosse ela uma das maiores conquistas civilizatórias da humanidade. O decano da Suprema Corte, Celso de Mello, pontuou que “a face sombria de um presidente que desconhece o valor da ordem constitucional” é típica de alguém que não está à altura do cargo que ocupa. Muitos já desconfiavam. A maioria está farta de saber. Ele não está à altura, mas pouco se faz para se mudar esse estado de coisas de tamanho deboche institucional. Líderes partidários, OAB e até membros das Forças Armadas se espantam, condenam, criticam. Meras queixas e alertas não controlam, entretanto, o ímpeto arbitrário do capitão. Para ele, não interessa o que os demais pensam. Lá dentro do seu íntimo, o verdadeiro mantra a movê-lo deve ser o do “eu acima de todos”. Perceba que não foi suficiente ao mandatário encarar tantos e tão variados protestos contra a sua figura nesses dias de folia do Momo. Qualquer um, normalmente, buscaria se preservar, optando por um recolhimento estratégico. Não Bolsonaro. Ele optou por dar gás à própria manifestação, encarregando-se de propagá-la. Quis uma algazarra de estimação para chamar de sua. Desprovido de princípios mínimos para um chefe da nação, ele parte ao papel de “black bloc” das redes digitais. Como assim? Não teria de ser ele o guardião da estabilidade? Qualquer um, em qualquer lugar do mundo, se perguntaria se isso é sério: um presidente agitador da turba. O risco nessa toada de ignorar seus desatinos como se fosse coisa de um mero bobalhão da corte é converter a anormalidade em ameaça concreta à ordem. Já aconteceu e nada garante que não volte a ocorrer. Esticando cada vez mais a corda e estocando ações e declarações que ferem a liturgia do cargo, Bolsonaro se deu ao desfrute da gozação. Virou boneco de Olinda, palhaço da Sapucaí e personagem de deboche dos comediantes. São uma tradição de muitos carnavais as manifestações populares em forma de crítica política, que aumentam por essa época. Sempre estiveram presentes em bloquinhos, alas de escola e nas fantasias dos foliões, como alternativa de reclamação bem humorada. Mas poucas vezes se viu algo parecido, tanto na dimensão como no foco caricatural concentrado em uma mesma figura. Bolsonaro atingiu o status de protagonista de enredo de escola de samba. Não de uma apenas, mas de inúmeras. No sambódromo do Rio, o desfile das agremiações – no evento celebrado como o maior espetáculo da Terra – trouxe ao menos sete delas, entre as maiores e mais tradicionais, atacando, questionando e repudiando decisões e escolhas do governo Bolsonaro, ainda nos seus tenros 14 meses de mandato. Feito inédito. Jamais tantas escolas, passistas nas ruas e sambistas engajados reclamaram tanto de um mandatário e de sua gestão. Talvez por isso mesmo ele sentiu-se à vontade para fazer o mesmo e partir à provocação. Errou feio.
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