28 de junho de 2020, 17h52
Apenas 29 estados têm leis que regulamentam o uso de drones pela polícia
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Para os órgãos de segurança dos EUA, o advento dos drones foi uma revolução: aumentou drasticamente sua capacidade de investigar crimes, perseguir criminosos, manter “a lei e a ordem” e proteger a população.
Para as instituições de defesa dos direitos civis, isso é uma boa coisa, mas é também um motivo de preocupação: aumentou a capacidade de vigilância da população pelos órgãos de segurança e abriu caminho para violar direitos de liberdade de expressão e privacidade, bem como de discriminar setores da sociedade — especialmente a comunidade afrodescendente. Ou seja, é uma faca de dois gumes bem afiados.
Hoje, os departamentos de polícia de todos os 50 estados dos EUA já contam com drones operacionalmente. Apenas 29 têm leis estaduais que regulamentam o uso de drones pela polícia e a questão da privacidade dos cidadãos. Somente 18 estados incluíram em suas leis a exigência de mandado judicial para fazer vigilância e buscas por vídeo através de drones.
O Congresso Nacional ainda não se movimentou para regulamentar o uso dessas aeronaves remotas pelos órgãos de segurança. E essa é uma das principais queixas das instituições civis. A Federal Aviation Administration tampouco editou regras a respeito. O órgão deveria estabelecer diretrizes sobre a segurança dos drones, bem como sobre questões de liberdade de expressão, privacidade e discriminação.
A polícia usa, há tempos, helicópteros e aeronaves em seu trabalho. Mas drones, cada vez menores, são mais difíceis de detectar. Eles vêm equipados com câmeras de alta definição, software de reconhecimento facial, leitor de placas de automóveis e, em alguns casos, com algum tipo de arma não fatal. E sua operação é muito mais barata.
“Isso dá à polícia uma capacidade ilimitada de espionar a população”, disse ao Jornal da ABA (American Bar Association) o advogado Daniel Massoglia, da banca MK Law, de Chicago. “O risco, como sempre acontece em atividades de vigilância, é o de que os órgãos de segurança possam vigiar ativistas políticos, manifestantes nas ruas, pessoas exercendo seu direito à liberdade de expressão e as comunidades de cor”.
A diretora da União Americana das Liberdades Civis (ACLU), Karen Sheley, disse ao jornal da ABA: “Coletar informações, sem padrões que garantam que isso está sendo feito pelas razões certas e que haja procedimentos para destruí-las no momento certo, é antiético em uma sociedade livre”. Após um ano, as informações coletadas devem ser destruídas. Devem ser mantidas, além disso, apenas aquelas em que o caso ainda estiver em investigação.
Os órgãos de segurança, por sua vez, estão entusiasmados com o trabalho fantástico que os drones podem exercer. Ajudam a desvendar crimes, a perseguir criminosos, a fazer vigilâncias necessárias, a examinar cenas de acidentes antes da chegada da polícia e até mesmo a encontrar pessoas desaparecidas. E vigiar manifestações e protestos populares.
A melhor lei de regulamentação do uso de drones foi aprovada pelo estado de Illinois, na opinião das instituições. A “Lei da Liberdade contra a Vigilância por Drones” estabelece que os órgãos de segurança não podem coletar, com o uso de drones, provas, imagens, sons e outros dados informativos.
Mas há exceções: podem fazer tudo isso se os órgãos de segurança obtiverem um mandado judicial baseado em causa provável, se precisam prender rapidamente um suspeito, encontrar uma pessoa desaparecida, verificar uma cena de acidente, um desastre ou uma emergência de saúde pública e ainda em casos de ataque terrorista.
São exceções substanciais. No entanto, os órgãos de segurança gostariam de ter mais liberdade para combater o crime, embora algumas situações sejam mais complexas. Por exemplo, gostariam de vigiar, com drones, o tráfico de drogas. Mas as próprias comunidades não têm certeza se a polícia deveria fazer isso ou não. Elas querem combater o tráfico que as arruína; mas não querem ser vigiadas.
Em qualquer dos casos, se o juiz considerar o uso do drone injustificável, ele pode determinar que o uso das provas é inadmissível.
Se o Congresso não agir, é possível que a Suprema Corte intervenha, se for provocada. Afinal, as leis estaduais são diferentes umas das outras — onde existem — e alguma parte pode pedir o exame de alguma delas.
Há precedentes que poderão ser avaliados pela Corte. Nos anos 80, ela decidiu em dois casos (California v. Ciraolo e Florida v. Riley) que vigilância por aeronave ou helicóptero, feita pela polícia sem mandado judicial, não viola o direito constitucional do réu de não ser submetido a buscas e apreensões não razoáveis.
Em 2018, a Suprema Corte decidiu um dos casos mais significativos da era digital — no que se relaciona à privacidade. Ela definiu (em Carpenter v. United States) que os órgãos de segurança não podem forçar, sem mandado judicial, as companhias de telefone celular a entregar dados de localização que rastreiam continuamente os usuários.
O uso de drones aumentou rapidamente nos EUA, segundo o Centro para o Estudo de Drones. Em 2017, os departamentos de polícia tinham 347 drones. No início de 2018, o número aumentou para 910. Um relatório da entidade de 2020 afirma que os órgãos de segurança têm, agora, pelo menos 1.578 drones, um aumento de 73% sobre 2018.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 28 de junho de 2020, 17h52
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