TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5038184-24.2019.4.04.0000/SC
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
AGRAVANTE: JORGE PAULINO DE SOUZA & CIA LTDA
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos de ação civil pública para reparação de dano ambiental, não reconheceu a prescrição da pretensão punitiva invocada pelo agravante em sede de contestação.
Alega o agravante que não há previsão legal de imprescritibilidade da pretensão reparatória de dano ambiental. Afirma que o STF, em 31/05/2018, reconheceu a repercussão geral da matéria no RE 654.833, devendo o processo ficar suspenso, na forma do art. 1.035, § 5º, do CPC. Aduz que está prescrita a pretensão da parte autora e, ainda, que não há prova do dano ambiental nem de sua extensão. Sustenta que, sendo de conhecimento do ICMBIO que as atividades se desenvolvem desde 2009, na data do auto de infração (30/07/2015), a pretensão estava prescrita, bem como na data do ajuizamento da ação (11/04/2019), em face da legitimidade disjuntiva, que abarca também o MPF, e considerando o transcurso de prazo superior a 5 (cinco) anos. Requer a concessão de efeito suspensivo.
Infederida a antecipação de tutela, regularmente intimadas as partes, tanto o agravado como o interessado apresentaram contraminuta.
Esta a suma.
VOTO
O Juiz a quo assim se pronunciou quanto à situação específica dos autos (evento 117):
(...)
2.4.2 Da prescrição.
O dano ambiental não pode ser comparado a uma simples pretensão resistida, pois seus efeitos se protraem no tempo e afetam toda a coletividade, até mesmo as gerações futuras
Segundo a doutrina especializada em matéria ambiental, as ações veiculadoras de pretensão reparatória do meio ambiente são imprescritíveis.
A propósito, lecionam os professores José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayla:
A imprescritibilidade da pretensão de reparação do dano ambiental fundamenta-se em dois argumentos principais. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que o instituto da prescrição tutela um interesse privado consistente na proteção da segurança jurídica e da estabilidade das relações jurídicas, enquanto que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, de caráter coletivo, que se apresenta como pré-requisito para a efetivação de qualquer direito fundamental, gozando dos atributos da irrenunciabilidade, da inalienabilidade e da imprescritibilidade. No cotejo desses dois princípios em jogo, a proteção do bem ambiental, sem qualquer dúvida, deve prevalecer.
Por outro lado, deve-se considerar que uma das peculiaridades do dano ambiental é a possibilidade dos seus efeitos projetarem-se no futuro, ultrapassando, muitas vezes, os limites entre duas gerações. Dessa forma, o estabelecimento de prazos para o exercício da pretensão reparatória pode inviabilizar a reparação ambiental, deixando o meio ambiente e as futuras gerações indefesos (Dano ambiental: doindividual ao coletivo extrapatrimonial, 3 ed. rev., atual. e ampl.,São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 203).
A jurisprudência brasileira tem se firmado no mesmo sentido da doutrina acima mencionada. Com efeito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça quando do julgamentodo REsp n. 1120117/AC (Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJE19-11-2009):
6. O direito ao pedido de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.
7. Em matéria de prescrição cumpre distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado seguem-se os prazos normais das ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se imprescritível o direito à reparação.
8. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental.
Do TRF/4ª Região, colhe-se:
ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E TERRENO DE MARINHA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA.
1. Dada a natureza do bem jurídico em questão - que constitui interesse difuso e coletivo de efeito social, direito humano fundamental, sem cunho pecuniário, indisponível e irrenunciável - não pode ser admitida a tese da prescritibilidade do dano praticado contra o meio ambiente, sob pena de se vir a chancelar a continuidade da ocorrência de atos prejudiciais ao ambiente natural e permitir a manutenção da degradação ambiental ocasionada ao longo do tempo (3ª Turma, AC n. 2006.72.08.0019519, Rel. Des. Federal Maria Lúcia Leiria, D.E25-2-2010).
Assim, a especialidade e a importância dos valores ambientais justificam a imprescritibilidade não só das ações judiciais, como do direito do poder público rever seus atos administrativos.
Portanto, não há que se falar em prescrição.
(...)
De fato a imprescritibilidade em matéria de reparação ambiental está está consagrada na jurisprudência desta Casa.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXTRAÇÃO DE CASCALHO. MUNICÍPIO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO DNPM. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. EXIGIBILIDADE. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. DEVER DE RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. O dano ambiental inclui-se dentre os direitos indisponíveis e como tal está dentre os poucos acobertados pelo manto da imprescritibilidade a ação que visa reparar o dano ambiental. Ainda que pudesse ser acolhida a tese do apelante acerca da prescrição quinquenal, (a) o ICMBio também pleiteou a recuperação integral do dano ambiental que teria sido perpetrado em função de extração ilegal de cascalho, e (b) não houve regularização do dano ambiental. 2. Em nosso ordenamento jurídico pátrio, vigora o princípio da independência das instâncias. Logo, o fato de ter havido rejeição da denúncia na esfera penal, em decorrência do reconhecimento da atipicidade da conduta, não obsta que se busque a reparação do dano no âmbito cível. 3. Ao interpretar o Decreto-Lei nº 227/67, este Tribunal entende não haver necessidade de autorização do DNPM para que o município extraia minerais para emprego imediato em obra pública. 4. Contudo, devem ser diferenciadas duas situações: a primeira diz respeito à autorização para exploração mineral por parte do DNPM, dispensada em relação à municipalidade, enquanto a segunda diz com o licenciamento ambiental, indispensável em qualquer espécie de exploração com potencial lesivo ao meio ambiente. No caso em análise, o licenciamento ambiental não foi corretamente providenciado pelo Município, motivo pelo qual higidamente multado e condenado à recuperação ambiental. 5. Na forma dos art. 10 e Código 1 do anexo VIII da Lei 6.938/81, Art. 55 da Lei 9.605/98, art. 63 do Decreto 6.514/08 e § 2 do art. 225 da CF, a extração mineral que causar dano ambiental deve ser sucedida de reparação mediante prévia elaboração de PRAD. (TRF4, AC 5000322-50.2015.4.04.7213, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 20/03/2020)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO IRREGULAR. MUNICÍPIO DE PORTO BELO/SC. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. INÉPCIA DA INICIAL. DESCABIMENTO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. REPARAÇÃO AMBIENTAL. PERÍCIA PARA IDENTIFICAR EXTENSÃO DO DANO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. É imprescritível a ação que busca a condenação à reparação de danos ambientais, uma vez que o passar do tempo não tem a capacidade de legitimar a continuidade do dano ambiental, não se tratando de fato isolado mas de dano que, em tese, renova-se a cada dia em que postergada a recuperação da área. 2. Foi possibilitado à parte ré apresentar contestação e alegações finais, refutando, um a um, os fatos e os argumentos expostos na exordial, de forma que houve suficiente clareza na inicial, sem prejuízo ao exercício da ampla defesa e do contraditório, de forma que afastada a preliminar de inépcia da inicial. 3. É imprescindível a realização de perícia ambiental para determinar a existência do dano e sua extensão, especialmente considerando o fato de que a sentença de lastreou em laudo técnico produzido unilateralmente por agentes do IBAMA. 4. Nulidade da sentença por afronta ao efetivo contraditório, reconhecido o cerceamento de defesa, em razão do indeferimento de produção de prova pericial. 5. Retorno dos autos ao juízo de origem, e determinada a produção de perícia judicial, oportunizando às partes a formulação de quesitos e possibilitando a participação de assistente técnico. (TRF4, AC 5007232-74.2016.4.04.7208, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 12/09/2018)
Por outro lado, é verdade que a matéria constitui objeto de repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, no RE nº 654.833 (Tema 999 - Imprescritibilidade da pretensão de reparação civil de dano ambiental). Todavia, naqueles autos, não foi determinada a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional, na forma do art. 1.035, § 5º, do CPC.
Ademais, também não se mostra razoável suspender a decisão agravada apenas por força da alegação de prescrição, uma vez que estão em discussão nos autos outras teses suscitadas pelas partes. De se ressaltar que foi determinada a produção de prova pericial para esclarecimento da controvérsia, não sendo recomendável, em matéria de reparação de dano ambiental, postergar a apuração dos supostos prejuízos causados à área degradada.
Do exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001662363v4 e do código CRC ab541156.
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Data e Hora: 12/6/2020, às 8:59:27
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