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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quinta-feira, 17 de março de 2022

Empreender em Florianópolis

Vejo na ND uma manchete apontando Florianópolis e Joinville como municípios propícios a empreendimentos.

Todavia, em relação a Florianópolis - não sei como funciona em Joinville - as dificuldades burocráticas para a aprovação de qualquer empreendimento são infernais. 

Em boa parte, os impasses decorrem da relativização da autonomia do Município. Ilha e capital, aqui mandam também o Estado e a União.

No Brasil, todo mundo legisla. Além dos órgãos dos legislativos das três esferas, uma verdadeira miríade de decretos, resoluções, portarias, instruções normativas, pareceres, etc...são atravessados no caminho, formando barreiras quase intransponíveis para os que se aventuram a empreender na Capital, principalmente na Ilha. Parte-se do princípio de que "o que abunda não prejudica". Mas, e como prejudica!!!

Teima-se em rotular como rurais áreas completamente descaracterizadas pela expansão urbana desordenada e consolidada,  onde não se colhe uma soca de milho e, se alguém tentar criar algumas galinhas, certamente será execrado pela vizinhança e punido pela administração pública. Em Ratones, por exemplo. 

Nos perímetros urbanos e suburbanos, cursos d' água completamente poluídos, há décadas canalizados e até cobertos por lajes de concreto, ainda são considerados relevantes, do ponto de vista ambiental. Perenes ou não, são supervalorizados. 

As escrituras antigas - que falam em vertentes do morro, ou divisor de águas - são incontáveis e bem sabemos a proteção outorgada pela legislação aos afloramentos (nascentes, olhos d'água, fontes, sangas, poços, cacimbas e quejandos), que precisam, sem nenhuma dúvida, ser tutelados eficazmente, porquanto, sem água limpa, nenhum ser vivo resiste.

O problema maior está na insegurança jurídica decorrente da interpretação que convém a cada um. Distinguir água de chuva, temporária, de um fluxo contínuo decorrente de uma nascente, pode ensejar uma discussão infindável. Diferenciar rio de córrego, ou de vala criada, virou um drama. Estudos de impacto ambiental são exigidos para toda e qualquer situação. Licenças são imprescindíveis para as mais singelas obras. Nada mais é tão simples como se imaginava.  Tudo isso virou atribuição de "especialistas".

Ainda: o Município, no final do ano passado, criou, por decreto, mais uma unidade de conservação, a REVIS MEIEMBIPE, que visa, em tese, proteger os espaços mais elevados (os maciços, cumeadas, topos de morro) possivelmente no afã de evitar a favelização de tais áreas, os desmoronamentos e as tragédias humanas de que se tem notícia em outros lugares (Petrópolis, por exemplo). A região da Costa da Lagoa, verbi gratia, que já era marcada por um decreto de tombamento de 1987 (administração Edson Andrino de Oliveira), foi novamente afetada pelo dito REVIS MEIEMBIPE. 

Aí, inevitável lembrar que o nível dos mares está a subir e que morar em regiões baixas será arriscado, ao que tudo indica, a curto prazo. 

Mas não se implementa uma política habitacional voltada para a acomodação, em moradias dignas, da população de baixa renda, nativa ou adventícia e de cujos serviços as classes média e alta não podem prescindir. 

Criam-se imensas e incontáveis exigências - em parte decorrentes de um Plano Diretor que não se define, por conta de interesses espúrios de especuladores - nas áreas jurídica, técnica, administrativa, urbanística e ambiental, de sorte a vender facilidades. 

Os impasses resultam também de uma legislação mal elaborada (federal, estadual e municipal), somando-se à burocracia municipal, a atuação do Ministério Público estadual e federal, Floram, ICMBIO, IBAMA, Polícia Ambiental, IMA, Secretaria do Patrimônio da União, associações de moradores, ambientalistas. 

Enfim, incontáveis são os empecilhos colocados, muitos deles procedentes e salutares, outros inventados, como já foi dito, para vender-se facilidades. 

Vias de acesso (as famosas servidões), muitas antigas, cheias de construções, não oficializadas, mesmo assim possuem nomes e ostentam até serviços públicos como pavimentação, canalização de água, fornecimento de energia elétrica (o que, de certo modo, levando-se em conta a dignidade humana é compreensível) e, contraditoriamente, lançamento de IPTU, claro. Um caso típico é o daquela denominada (não oficialmente) Manoel de Souza, situada nas proximidades da Lagoinha da Ponta das Canas.

Os cadastros municipais não são confiáveis (principalmente por conta do desleixo dos proprietários e possuidores, que mudam as coisas e não comunicam ao Município) e a aprovação de projetos enfrenta verdadeira via crucis. Os registros de imóveis - também apegados e obrigados a cumprir a legislação, que é anacrônica e conflitante -, são outra seara de seguras incomodações. Uma simples usucapião (judicial ou extrajudicial) ou retificação de área, viraram bicho papão. São tantas as exigências, que desmotivam qualquer regularização fundiária. A extinção do Livro 4 (destinado a registros de cessões de direitos hereditários e de posse) ocorrida já em 1973, foi um contra-senso enorme, diante da realidade do país. Exige-se muito dispêndio para a regularização dos imóveis, de modo que inventários não são feitos, partilhas são postergadas infinitamente e a maioria das transações é consumada por instrumento particular de contrato. Assim, as pendências perpetuam-se e se multiplicam.

Aventureiros e inescrupulosos, advogados e empresas, estão a negociar a "regularização fundiária" de comunidades inteiras, mesmo aquelas em que se constata o estigma de "área de preservação permanente", como se a legislação do golpista Temer, que aparenta ter visado facilitar tais iniciativas, desse espaço incondicional a tais regularizações.

Mas a dolorosa verdade é que, se não forem molhadas as mãos de certos técnicos e políticos, a pretensão de aprovar um projeto empaca, de maneira irritante. Engenheiros, advogados, avaliadores, geógrafos, biólogos, vereadores, dentre outros, formam um exército de profissionais e lobistas a ser mobilizado para superar as adversidades que precisam ser enfrentadas. E, de certeza, só as despesas. O resultado é sempre um enigma.

No tocante ao ICMBIO - órgão criado com o escopo de fiscalizar as Unidades de Conservação -, agigantou suas atribuições, passando a agir fora do perímetro das ditas unidades (nas chamadas zonas de amortecimento, contíguas ou distantes vários quilômetros do âmbito das UCs), mesmo quando existe um simples Plano de Manejo sequer discutido seriamente com as comunidades do entorno, como exige a legislação federal. E o Judiciário apoia tal estradulação de competência. Os que se aventuram a  abrir uma singela vala, a aterrar alguma área, a cortar alguma pedra, a podar alguma árvore, a queimar algum vegetal seco, até a fazer algum assado, produzindo fumaça que o vento leve até algum vizinho, ou a construir, sem maiores cautelas, tomam na cabeça processos administrativos (multas e embargos), penais e cíveis, que resultam em sérias limitações cadastrais, dentre outras consequências imagináveis.

Constatando-se uma contradição aberrante entre a legislação federal, estadual e municipal, opta-se, de acordo com a orientação judicial, pela solução que causar menor dano ambiental. Assim, se a legislação ambiental fixa a altura de um monte (para fim de definição do topo de morro, por exemplo) em 100m (Código Florestal), mas o Plano Diretor Municipal ainda contempla a altura de 50 m (como no Código Florestal anterior), é muito provável que a lei federal seja desconsiderada, aplicando-se a municipal, em tese mais benéfica aos interesses coletivos.

Os Tribunais, motivados a manifestarem-se, a pretexto de proteger o meio-ambiente e assegurar o futuro das gerações vindouras, exorbitam na interpretação da legislação, brandindo, com severidade desalentadora, o princípio contido no art. 225, da Constituição Federal, ao qual dão uma elasticidade extrema, criando embaraços de toda sorte, num excesso de zelo ativista de assustar até os mais preparados juristas.  Assim, as demandas alongam-se por anos incontáveis e os resultados são incertos.

Enfim: pensar em empreendimento imobiliário em Florianópolis é o mesmo que projetar um abraço apertado em um porco ou num baiacu de espinho. Ninguém sai ileso de tal aventura, mesmo que, por cautela, faça uma "consulta de viabilidade" e obtenha um sinal positivo para o empreendimento imaginado. Não é demasiado lembrar que até mesmo um alvará de construção não é documento irrevogável, definitivo, podendo alguém (do Ministério Público, por exemplo) vislumbrando licença obtida mediante propina, resolver questioná-lo. 

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