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terça-feira, 22 de março de 2022

Dallagnol cometeu abusos ao divulgar denúncia e deve indenizar Lula, di

22 de março de 2022, 17h33


A precisão, certeza, densidade e coerência que se exige da denúncia impõe-se igualmente ao ato de divulgar a denúncia à imprensa e à sociedade. Se na peça de acusação não há adjetivações atécnicas, a divulgação da mesma deve também evitar o enviesamento do caso, sob pena de gerar danos morais.Dallagnol causou danos morais por abusos ao divulgar denúncia contra Lula em 2016
Reprodução/Twitter

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial do ex-presidente Lula para condenar o ex-procurador da República, Deltan Dallagnol, a indenizá-lo pelos danos morais causados em entrevista na qual divulgou denúncia oferecida pela extinta "lava jato" contra o petista.

Dallagnol, que chefiou a extinta “lava jato” curitibana, deverá pagar indenização de R$ 75 mil a Lula, valor que será corrigido a partir da publicação do acórdão, e com juros de mora desde o evento danoso, que ocorreu em agosto de 2016. Com isso, vai ultrapassar a marca de R$ 100 mil.

O resultado na 4ª Turma foi alcançado por maioria de votos, conforme a posição do relator, ministro Luis Felipe Salomão. Ele foi acompanhado pelos ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi.

Ficou vencida a ministra Isabel Gallotti, para quem a ação de Lula só poderia ser ajuizada contra a União, já que Dallagnol teria cometido os abusos no exercício de sua função pública de procurador-geral da República.Em valores atualizados, Lula receberá mais de R$ 100 mil por danos morais sofridos

Ricardo Stuckert

O famoso Power Point
O caso que gerou a ação ocorreu em 2016, quando a “lava jato” curitibana reuniu a imprensa em um hotel na capital paranaense para apresentar a denúncia que seria oferecida contra o petista pelo caso do tríplex do Guarujá.

É o processo que levou à condenação de Lula em 2017 e o tirou da corrida eleitoral no ano seguinte. Essa condenação foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar a ação. Em 2021, o Ministério Público Federal reconheceu a prescrição.

Na ocasião, no entanto, Dallagnol preparou apresentação em Power Point com slide que se tornaria notório, no qual ligava termos à figura de Lula para justificar a ação penal. Na ocasião, chamou o ex-presidente de “comandante máximo do esquema de corrupção” e de “maestro da organização criminosa”.

E ainda fez menção a fatos que não constavam da denúncia: afirmou que a análise da “lava jato”, aliada ao caso do mensalão, apontariam para Lula como comandante dos esquemas criminosos. O mensalão foi julgado pelo STF na Ação Penal 470 e não contou com o petista como réu.

Assim, o ministro Luis Felipe Salomão concluiu que as falas de Dallagnol configuraram abuso de direito, pois resultado de postura inadequada do procurador da República, com o uso de expressões e qualificações desabonadoras da honra e da imagem de Lula e afastadas da tecnicidade adotada no texto da denúncia.

“É imprescindível, para a eficiente custódia dos direitos fundamentais, que a divulgação do oferecimento da denúncia se faça de forma precisa, coerente e fundamentada. Assim como a peça acusatória deve ser o espelho das investigações, sua divulgação deve ser o espelho de seu estrito teor”, afirmou o relator.

“Se na peça de acusação não foram incluídas adjetivações atécnicas, evidente que sua anunciação deveria resguardar-se daquelas qualificadoras, que enviesam a notícia e a afastam da impessoalidade necessária, retirando o tom informativo”, acrescentou.Ministro Luis Felipe Salomão entendeu que declarações de Dallagnol extrapolaram texto da denúncia e se tornaram abusivas
Gustavo Lima/STJ

O alvo certo
As conclusões do ministro Luis Felipe Salomão foram acompanhados por maioria de votos. Segundo o ministro Raul Araújo, o episódio mostra que Dallagol atuou com excesso de poder, indo além do que suas atribuições determinavam, dentro do que definiu como “atuação empolgada” de agentes públicos a partir das ações penais da “lava jato”.

Abriu a divergência a ministra Isabel Gallotti, para reconhecer a ilegitimidade passiva do ex-procurador da República, que deixou o MPF em 2021 e hoje pretende se candidatar a deputado federal pelo Paraná.

Ela aplicou ao caso a tese definida pelo STF no RE 1.027.633, segundo a qual "a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato".

Assim, se Dallagnol fez a apresentação no Power Point e deu a entrevista na função de procurador da República, não poderia ser processado diretamente por Lula. Caberia ao petista processar a União, e esta, se condenada, poderia mover ação de regresso para cobrar do lavajatista pelos danos eventualmente causados.

A ilegitimidade passiva foi apresentada pela defesa de Dallagnol nas contrarrazões do recurso especial. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, julgou o pedido precluso.

Destacou que o tema foi suscitado no primeiro grau em preliminar, que restou afastada pelo juiz. Na apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo não se pronunciou sobre. Logo, a ação transitou em julgado neste ponto.

A ministra Isabel Gallotti afastou a preclusão. Isso porque Dallagnol foi vitorioso na ação em primeiro e segundo graus. Logo, ajuizar recursos para discutir sua ilegitimidade passiva não teria utilidade. Sem interesse processual, a pretensão seria fatalmente julgada improcedente. “Se não poderia recorrer, não se pode dizer que esteja preclusa a análise da questão agora”, disse.
Ministra Isabel Gallotti citou tese do STF que, aplicada, indica que Lula deveria mover ação contra a União, não contra Dallagnol

Rafael Luz/STJ

Limites do cargo

Além da preclusão, o ministro Salomão também entendeu que seria possível a Lula processar Dallagnol de forma direta porque a atuação do procurador foi irregular, extrapolando os limites do cargo.

A ministra Isabel Gallotti mais uma vez discordou. Afirmou que essa posição tornaria letra morta a parte final da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral, no ponto em que indica que é “parte ilegítima para a ação o autor do ato”.

“Saber se houve excesso do agente público, se houve abuso, se a atuação foi regular ou irregular, isso vai ser discutido precisamente no mérito dessa ação de responsabilidade, que, segundo a jurisprudência atual e vinculante do Supremo Tribunal Federal, só pode ser ajuizada contra a União”, afirmou.

Além disso, destacou que a atuação de Dallagnol não pode ser considerada irregular porque o regramento da época indicava aos membros do MPF oferecer publicidade de suas ações. Havia recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público e portaria da Procuradoria-Geral da República nesse sentido.

“Não estou dizendo que acho isso certo. Mas havia normas internas. Ele poderia ter agido de forma irregular se tivesse dado entrevista para um órgão antes do outro. Isso sim seria irregular na época. Não vejo como divorciar a atividade de dar uma entrevista coletiva da atividade como procurador da República”, concluiu, no voto divergente vencido.

REsp 1.842.613

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 22 de março de 2022, 17h33

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