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O McDonald's das comidas saudáveis
Mike Roberts, ex-presidente da rede dos arcos dourados, quer agora transformar sua Lyfe Kitchen na maior cadeia de fast food saudável do mundo. Para isso, aposta na comida orgânica, com baixa caloria e pouco sódio
Guilherme Rosa
O chef Art Smith prepara um prato na cozinha do restaurante, em Palo Alto - Divulgação
No último mês, os partidos republicano e democrata realizaram convenções para escolher seus candidatos à presidência dos Estados Unidos. Em Tampa, na Flórida, os republicanos aprovaram a candidatura de Mitt Romney. Já em Charlotte, na Carolina do Norte, os democratas confirmaram a participação de Barack Obama na eleição. Apesar da distância geográfica e ideológica, algo unia os milhares de delegados que participaram das convenções: o estômago. Instalada próxima aos locais de ambos os eventos, estava um stand temporário da LYFE Kitchen, uma nova rede de fast-food saudável e sustentável.
Durante as manhãs dos três dias das convenções, os delegados de cada partido podiam escolher, de graça, entre um prato de aveia com quinoa e frutas ou uma fritada de cogumelos, queijo de cabra e batata doce. No almoço, contavam com uma grande variedade de pratos, entre eles almôndegas de peru, frango ao molho de laranjas e manga com grãos integrais e peixe com molho de limão, verduras e cogumelos. O responsável por toda essa comida saudável? Mike Roberts, ex-presidente global do McDonald’s.
Roberts trabalhou por mais de 30 anos na rede de fast food, onde chegou a comandar 31.000 restaurantes espalhados por 118 países. Em 2006, ele se demitiu da empresa. Em fevereiro de 2010, ele foi procurado pelo investidor Stephen Sidwell, que trazia a ideia de uma rede de restaurantes saudáveis. Um ano e oito meses depois, Roberts inaugurou a primeira loja da LYFE, acrônimo de Love Your Food Everyday (Ame sua Comida Todos os Dias, em inglês), na cidade de Palo Alto, na Califórnia, conhecida por sediar inúmeras empresas de alta tecnologia.
Divulgação
Na LYFE, a fritura está proibida. No Frango não-frito do Art, a carne é assada
No cardápio, nenhum item tem mais de 600 calorias ou 1000 miligramas de sódio.
Segundo a diretoria, cada ingrediente é produzido de forma ambientalmente responsável, por fazendeiros locais. "Hoje nós vamos começar a responder à mais significativa necessidade não atendida da América: fornecer comida saborosa, saudável, que seja barata e conveniente", disse Mike Roberts, no dia da inauguração. "Nós pretendemos criar uma nova categoria — a dos restaurantes que vendem um estilo de vida."
E a comida agradou. O jornal local Palo Alto Weekly premiou a LYFE como o melhor novo restaurante de 2012. Já o San Francisco Chronicle, o jornal mais importante da região, elogiou alguns dos pratos, como o salmão grelhado. A comida ganhou duas estrelas de quatro, mostrando que os críticos a avaliaram como boa — algo não muito comum entre as redes de fast food.
Menu
Conheça alguns dos pratos disponíveis no cardápio da LYFE
Burrito (café da manhã)
Tortilhas de trigo integral recheadas de tomates cereja, abacate, rúcula, molho chipotle e cheddar, acompanhado de ovos mexidos ou tofu
Frango não-frito do Art
Frango assado, vegetais assados, crème de castanha de caju, alcaparras e vinagrete dijon
Hambúrguer vegetariano
Hambúrguer vegetariano, alface, tomate, cebolas roxas, picles e ketchup de agave no pão de grãos
Risoto de ervilha e cenoura
Risoto com grãos de trigo, aveia, ervilhas, cenoura, queijo parmesão e fundos de alcachofra.
Sanduíche de frango e abacaxi grelhado
Frango, abacaxi, alface orgânico, cebola roxa em conserva, abacate, menta e alho no pão de grãos
Salmão grelhado Loch Duart
Salmão, couve refogada, abobrinha, cebola roxa, gengibre e limão
Ingredientes proibidos — Fast food não costuma ser sinônimo de comida saudável. Para mudar essa lógica, Mike Roberts recrutou para o seu restaurante dois dos chefs mais conhecidos dos Estados Unidos: Art Smith, ex-cozinheiiro pessoal da apresentadora Oprah Winfrey, e Tal Ronnen, conhecido por suas receitas vegetarianas e veganas.
Eles tiveram que se desdobrar para elaborar o menu do novo restaurante. Entre os ingredientes proibidos estavam creme, manteiga, glutamato de sódio (bastante usado como tempero), xarope de milho e organismos geneticamente modificados. Frituras, nem pensar. Carne bovina, só se o animal estiver livre de antibióticos e hormônios, tiver se alimentado de grama por toda sua vida e, claro, tiver sido criado de modo "humano". A LYFE tem uma parceria com a ONG Global Animal Partnership, que aprova toda a carne consumida em busca do bem-estar dos animais.
Vegetais como cenoura, pepino, aipo, rúcula, pimentão, tomate cereja e couve de bruxelas são incentivados. Mas, de preferência, que sejam orgânicos e produzidos por fazendeiros locais. "Buscar o produtor local sempre que possível traz benefícios não só para os consumidores, mas também para nosso negócio. O cultivo responsável dos ingredientes garante o frescor, a velocidade de entrega, ajuda a comunidade e é a coisa certa a se fazer", afirma Mike Roberts no site da empresa.
A partir dessas limitações, os cozinheiros criaram pratos que misturam queijos artesanais, ketchup feito a partir da planta mexicana agave (parecida com um cacto) e creme de castanha de caju com frangos, peixes e medalhões de berinjela (veja alguns pratos servidos no restaurante). Como manda o receituário da comida saudável, o menu tem versões veganas e livres de glúten. Para beber, os clientes podem pedir sucos frescos de frutas da estação, cervejas artesanais e vinhos biodinâmicos, livres de produtos químicos e produzidos em fazendas locais.
Saladas e frango grelhado — Apesar da diferença entre os pratos e o público-alvo das duas redes, Mike Roberts aplica em seu novo restaurante muitas das lições que aprendeu quando presidiu o McDonald's. Ele, por exemplo, faz questão de usar o esquema fast food, com atendimento simples e rápido e baixos preços — os pratos variam de 5 a 15 dólares.
Divulgação
Salmão grelhado: elogiado pelo jornal San Francisco Chronicle, ganhou nota rara para um restaurante fast food
Quando no McDonald’s, Roberts enfrentou dificuldades para atrair as mulheres ao restaurante. As mães, que muitas vezes eram responsáveis por escolher onde a família iria comer, sentiam que nenhum dos lanches oferecidos ali eram direcionados para elas. Para contornar esse problema, a rede passou a oferecer mais saladas e lanches com frango grelhado. Na LYFE, o problema é o oposto. São as mães que se sentem atraídas pelas comidas saudáveis, e os pais que torcem o nariz. Prevendo dificuldades, a rede oferece suculentos hambúrgueres para não afastar a metade masculina do casal (ver box abaixo).
Mudança de escala — Até o final do ano, a LYFE Kitchen deve abrir uma segunda unidade em Los Angeles, na Califórnia. Na época da inauguração do primeiro restaurante, alguns executivos chegaram a declarar que projetavam abrir 250 novos restaurantes dentro de cinco anos. O impacto de um crescimento dessa magnitude seria enorme.
No livro País Fast Food (Editora Ática, fora de catálogo), o jornalista Eric Schlosser afirma que a produção de carne para fazer os hambúrgueres explora mão-de-obra barata, boa parte composta por imigrantes ilegais, em péssimas condições de trabalho e higiene. Além disso, a carne produzida para essas redes vêm de rebanhos confinados em espaços exíguos, que comem inclusive ração produzida com restos de animais. Se os planos da LYFE derem certo, com centenas de restaurantes espalhados por todo o país consumindo comida orgânica e local, ela poderia ajudar a alterar essa cadeia de produção de alimentos, substituindo a mão de obra barata por profissionais mais qualificados e a carne de gado confinado por a de animais criados no pasto.
Claro que essa mudança de escala também impõe desafios que a LYFE — e ainda nenhuma outra rede — jamais enfrentou, como garantir o abastecimento por igual em pontos diferentes do país, sem perda na qualidade e respeitando a filosofia da empresa de usar alimentos da estação, locais e orgânicos.
Se a empresa vencer esses desafios e a oferta de comida saudável e sustentável se provar lucrativa, ela pode levar outras redes a adotar sua filosofia. Palo Alto, onde foi instalado o primeiro restaurante da rede, é conhecida por dar ser a cidade de surgimento de empresas que viriam a dominar o planeta, como Apple, Google e Facebook. Será que o projeto da LYFE tem essa força toda? Bem, o chefe da empresa já foi presidente mundial do McDonald’s. E unir democratas e republicanos na mesma dieta balanceada parece ser um bom primeiro passo.
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