Dívida decorrente do não recolhimento do IR relativo ao 14º e 15º salários pode ultrapassar os R$ 10,3 mi
juliana.bublitz@zerohora.com.br
ZERO HORA
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Foram os senadores que deixaram de recolher Imposto de Renda sobre o 14º e o 15º salários, mas quem vai acabar pagando a conta junto à Receita Federal, mesmo que indiretamente, é você. E o valor, acredite, pode passar dos R$ 10 milhões.
Oficialmente, o tamanho do rombo ainda não foi divulgado pela Receita Federal. Recentemente, o órgão também fechou um acordo com a Câmara para resolver a situação de servidores retidos na malha fina, mas os casos não se comparam.
Por ano, os senadores recebem, em média, R$ 53,4 mil a mais por conta desses benefícios extras, que não são pagos ao trabalhador comum. Desse total, teriam de recolher pelo menos R$ 14,6 mil anualmente. Agora, a dívida dos últimos cinco anos está sendo cobrada, e com multa, juros e correção.
A maioria dos parlamentares diz ser vítima de um erro da própria direção da Casa, que classifica os dois salários adicionais como "ajuda de custo". Em termos técnicos, isso significa que a verba seria "indenizatória" e, portanto, não seria necessário descontar o imposto.
A interpretação é questionada por especialistas. E não só por eles. Desconfiado da recomendação, o senador Walter Pinheiro (PT-BA), eleito em 2010, decidiu agir de outra forma e repassar o montante devido ao Leão por iniciativa própria.
_ Óbvio que a orientação (no Senado) estava errada. Pode chamar de ajuda de custo ou do que quiser. Entrou na conta, é ganho. E, sendo ganho, tem de informar o órgão de fiscalização. Não condeno os outros senadores, mas eu não quis correr esse risco _ afirma Pinheiro.
Depois que o caso veio à tona, outros congressistas, entre eles Ana Amélia Lemos (PP-RS) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), avisaram que arcarão com as despesas. Consideram injusto relegá-las ao contribuinte. Sérgio Zambiasi, ex-senador pelo PTB, também disse que durante seu último mandato foi alertado pelo chefe de gabinete sobre o problema e garante que ele próprio já pagou tudo o que devia.
Especialista ressalta a "questão ética"
Apesar de exemplos como esses, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), não quis comprar briga com aqueles que, por um motivo ou outro, se negam a assumir o ônus. Decidiu que a Casa cuidará de tudo. Por lei, a fonte pagadora é a responsável por recolher o imposto. Então, nada mais natural do que ela própria resolver a encrenca. Ou não?
_ Do ponto de vista jurídico, é defensável a tese de que a instituição pague a conta. Mas, do ponto de vista da ética, ou melhor, da justiça social, não há dúvida de que a decisão repercute na sociedade de forma negativa. É uma questão complicada de resolver _ avalia o professor de Direito da PUCRS Alexandre Marder.
A Receita Federal deu até o dia 3 de outubro para que todos os senadores e ex-senadores que exerceram mandato nos últimos cinco anos acertem os ponteiros com o órgão, mas o Senado já decidiu que pagará a dívida em juízo. Pretende recorrer à Justiça para reaver o dinheiro, por considerar infundada a cobrança.
Entrevista: Sebastião Ventura Especialista em Direito do Estado
Integrante do Instituto Millenium, o advogado Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr., especialista em Direito do Estado, critica a saída encontrada pelo Senado para resolver os problemas com o Fisco. O Millenium é uma organização que promove democracia e a economia de mercado.
Zero Hora – Como o senhor avalia a decisão do Senado de arcar com a dívida dos senadores? É justo o contribuinte pagar a conta?
Sebastião Ventura – O 14º e o 15º salários já são uma excrescência. Quando a gente acha que no Brasil as coisas chegaram ao limite do intolerável, nossos políticos conseguem se superar. O Senado diz que vai arcar com a dívida, mas por que o senador não devolve? Estamos falando de um poder da República. Não é uma relação de direito privado. É inadmissível que o cidadão pague a conta.
ZH – Então, embora os senadores argumentem que foram mal orientados, eles deveriam ser responsabilizados?
Ventura – É lógico. Quem auferiu renda? Vamos admitir que o Senado, por um erro administrativo, deixou de reter na fonte o imposto. Se residíssemos num país onde houvesse boa-fé, o senador prontamente teria verificado o erro e resolvido por iniciativa própria. Infelizmente, no geral, não foi o que aconteceu.
ZH – Para o Senado, o 14º e o 15º são "ajuda de custo".
Ventura – É lamentável. Como vamos admitir que o Legislativo não cumpre a lei? O Brasil precisa ser um país sério, mas nós não sabemos nem quanto esses camaradas ganham, porque há inúmeras rubricas remuneratórias que nem sempre aparecem. Isso precisa mudar.
AS ORIGENS
> Ontem, nem o próprio Senado soube informar a origem da ajuda de custo, chamada de 14º e 15º salários. Os primeiros relatos de pagamento do benefício foram verificados em documentos de 1949, quando a Capital do país ainda era o Rio de Janeiro.
> Era uma medida que compensava gastos com mudanças e transportes. À época, a logística era precária e os parlamentares costumavam passar temporadas inteiras na Capital, sem retornar aos seus Estados. Por isso, entendia-se que a ajuda era devida.
A COBRANÇA
> Em julho deste ano, a Receita notificou individualmente, por carta, todos os senadores e ex-senadores que atuaram entre 2007 e 2011. Eles foram informados de que deveriam recolher imposto sobre o 14º e 15º recebidos no período, com juros e multas.
> Como notificou em 2012 os parlamentares, a Receita poderia retroagir apenas cinco anos na cobrança. Por isso, o imposto de renda sobre o 14º e 15º salários se restringe ao período entre 2007 e 2011. Legalmente, os anos anteriores se tornaram irrecuperáveis.
A RESPOSTA
Em agosto, José Sarney afirmou que os parlamentares jamais tiveram de pagar imposto sobre os dois salários extras. Argumentou que um decreto de 1995 definiu que a remuneração, classificada como ajuda de custo, tem caráter indenizatório e não tributável.
Sarney chegou a afirmar que cada senador teria de arcar com o pagamento cobrado pela Receita. Ele atribuiu os débitos a "uma mudança na interpretação da Receita". No entanto, em reunião da Mesa ficou decidido que o Senado vai quitar o passivo.
A EXTINÇÃO
Em maio de 2012, o Senado aprovou o decreto legislativo, de autoria da hoje ministra Gleisi Hoffmann, que extingue o pagamento do 14º e 15º salários, repassados aos parlamentares no início e no final de cada ano legislativo.
Pelo texto, os senadores passam a receber as remunerações extras somente no primeiro e no oitavo e último ano de mandato. O projeto foi encaminhado para votação na Câmara, onde tem de passar por comissões e pelo plenário.
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