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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Cirurgias espirituais (VOCÊ ACREDITA?) e 5 mil pessoas por dia: o maior centro espírita do Rio



Reportagem do iG acompanhou um dia da rotina no Lar de Frei Luiz que atrai fiéis famosos e anônimos de todos os cantos em busca de milagres


Valmir Moratelli iG Rio de Janeiro | 30/10/2012 06:00:00



Estátua de Frei Luiz. Foto: Selmy Yassuda


Na entrada, logo após uma cancela, há vários baús onde as pessoas colocam os nomes dos que necessitam de oração. Caixa de preces ( para os já falecidos ), irradiação e harmonização ( para os vivos ), tratamento à distância ( para os hospitalizados ) e antigoécia ( contra bruxaria ). Estes baús são levados para salas de oração onde médiuns se debruçam sobre os pedidos para fazerem a “ponte com a outra esfera astral”.

Um mar de gente vestida de branco caminha pelas ruas do Lar de Frei Luiz, um complexo de 90 mil metros quadrados, com doze edificações em área arborizada no bairro da Taquara, zona oeste do Rio. Numa quarta-feira, como a que a reportagem do iG visitou, o centro chega a receber cinco mil pessoas ao longo do dia. O estacionamento não comporta tanto movimento. Carros estão por todos os quarteirões próximos. Há barracas de camelô perto da entrada principal vendendo todo tipo de souvenir – camisetas, broches, bonés, panos de prato e tudo que puder ter estampada a imagem de Frei Luiz.

O médico Luiz da Rocha Lima fundou o espaço em 1947, se caracterizando como uma obra filantrópica e tendo como atividade principal um educandário para crianças carentes. O frei que dá nome ao sítio nunca pisou ali. Nasceu em 1872 na Alemanha e morreu 65 anos depois em Petrópolis, na região serrana do Rio. Frei Luiz chegou ao Brasil em 1894, como noviço franciscano. Seu trabalho religioso ganhou fama entre os seguidores que acreditavam que suas bênçãos se transformavam em passes curadores. A igreja católica nunca reconheceu seus milagres.

É exatamente à procura de passes milagrosos que a maioria das pessoas se dirige às dependências do Lar de Frei Luiz todos os dias, de domingo a domingo

Há no local doze prédios, chamados de “salas”, cada um para algum tipo de especificidade médica e espiritual. Das mais graves doenças aos pedidos de bom relacionamento no trabalho e em relações amorosas. 

Celulares e Iphones não são permitidos em nenhuma dependência do lar. As placas de advertência estão por todos os cantos. Acreditam que a frequência do aparelho celular interfira na comunicação com o “plano energético”.

Selmy Yassuda
A fachada da "sala 1", para casos graves de saúde

A “Sala 1”

Grimaneza de Meneses, funcionária da parte administrativa do Lar de Frei Luiz e moradora do Flamengo, bairro da zona sul, guia a reportagem do iG pela creche que atende crianças de 0 a 4 anos, pelo Lar de Felipe ( abrigo de idosos), pelas salas de oração e passe, pelo curioso museu que contém material que teria sido retirado do corpo de enfermos em operações espirituais. Ela só não entra na sala 1. O prédio é o último de uma ladeira. Parece um hospital. “Trabalho no lar há quatro anos e nunca tive coragem de entrar. A energia é muito forte. Prefiro ficar aqui do lado de fora”, diz. Para entrar na sala 1 foi preciso uma autorização formal do presidente do Lar, Wilson Pinto , e do diretor espiritual, Nelson Duarte Júnior.

  
Selmy Yassuda
Estátua de Frei Luiz

A sala 1 é um prédio de dois andares que atende pacientes com doenças graves, quase desenganados pela medicina. “Clinicamente não se explica o que acontece ali. A sala 1 tem um trabalho de cura baseado na ectoplasmia (fenômeno paranormal que designa uma substância ou exteriorizada por médiuns). 
A energia vibrada neste prédio é diferente de todas as outras”, diz Wilson Pinto. A sala 1 recebe 420 pessoas diariamente.

É preciso, antes de mais nada, deixar a câmera do lado de fora. Nada pode ser registrado. Também não se entra calçado. Após subir uma escada, se está diante de várias salas. Não há luz branca. “É para não matar o ectoplasma”, informa um senhor. Apenas três lâmpadas azuis iluminam o espaço de entrada. Um corrimão auxilia ao se andar na escuridão. À direita, uma sala com vinte pessoas sentadas, todas caladas, esperam para se dirigirem a uma outra, mais ao fundo. Vestem roupas brancas esterilizadas. A recomendação é que, 48 horas antes, não comam carne vermelha, não ingiram bebida alcoólica nem pratiquem sexo. A semiescuridão somada ao total silêncio dão um tom misterioso ao ambiente.

Ao fundo do corredor, uma sala sem porta mas com uma cortina é o destino principal dos que estão aguardando para serem atendidos. Chamam de sala de passe. Médiuns se dividem entre os pacientes. Dependendo do que os médiuns detectarem, o paciente é direcionado a uma outra sala, maior e igualmente escura. Há vários leitos dispostos como em uma ala de hospital. O médium Gilberto Arruda, que diz incorporar o espírito do médico alemão Frederick von Stein, circula suas mãos sobre os corpos dispostos nas camas. Ele realiza, por dia, cerca de noventa cirurgias espirituais.

 
Selmy Yassuda
Placas avisam sobre a proibição de celulares

Uma escada de trinta degraus leva ao segundo andar. O acesso é restrito apenas aos médiuns. Há três pequenas salas, além de escritórios de administração. Carlos Alberto Mendes, o médium que leva a equipe de reportagem, aponta para o local aonde o espírito de Frederick von Stein chega para fazer os atendimentos médicos. “Melhor não entrar aí. É a sala do doutor Frederick, ele pode não gostar”, diz. Contrariando Mendes, o repórter abre a porta e, na sala semiescura, avista uma confortável poltrona, um jaleco branco pendurado num cabideiro, tapete aveludado, quatro macas enfileiradas e uma mesa com jarro de flores e um copo de água. Nada além disso.

De Tom Jobim a Rosemary

Este cunho de casa dos milagres, entretanto, é visto com ressalvas por parte dos que administram o lar. “É uma casa de educação espiritual. Infelizmente, acabaram vendo o lar como uma casa de milagres. Cura-se aqui. Você tem ‘n’ pessoas agora sendo curadas dos seus males. Mas não gostamos dessa fama de milagres que nos cerca”, diz o presidente do lar, Wilson Pinto. “O Lar de Frei Luiz tem peso significativo pelo trabalho social que faz . O que nos difere das demais casas espíritas é que aqui estamos abertos todos os dias, dando um suporte assistencial aos seus frequentadores. É um trabalho enorme, que vai além do lado espiritual”, continua o diretor espiritual, Nelson Duarte Júnior.

Na verdade, ambos sabem que mais de 90% das pessoas estão ali, vestidas de branco, atrás de alguma cura urgente e praticamente impossível aos olhos da medicina. A aposentada Giane Rocha, de 67 anos, é uma delas. Acompanhada da filha e da neta, saiu de Coaraci, interior da Bahia, apenas para ir ao Lar de Frei Luiz. Giane quer voltar a andar. Está na cadeira de rodas há cinco anos. “Quebrei o fêmur e fiquei de cama por meses, gritando de dor. Os médicos não sabem por que não consigo firmar a perna no chão. É a primeira vez que venho e tenho fé que vou ficar boa”, diz.

A fama se propagou nas duas últimas décadas. Em parte também pelos visitantes ilustres. O músico Tom Jobim recorreu ao centro na tentativa de se livrar de um tumor na bexiga. O cantor Milton Nascimento buscou a cura do diabetes. O ator Carlos Vereza se tornou seguidor do espiritismo após recuperar a audição. Neguinho da Beija-Flor passou por várias terapias espirituais quando se descobriu portador de um câncer. Com o fim de “ Avenida Brasil ”, o ator Marcello Novaes voltou a frequentar o Lar de Frei Luiz . Elba Ramalho, Reynaldo Giannecchini, Alcione, Jerry Adriani, Rosemary também são vistos com frequência por lá.

As histórias se multiplicam. Vania Lindoso, de 56 anos, se veste de azul. Faz parte da equipe de 1200 voluntários do local. Chegou ali após descobrir um tumor na bexiga há um ano. Ficou curada, diz, sem precisar de quimioterapia. “Nem os médicos sabem como”, afirma. Yasmin Figueiredo, 21, estudante de Direito, frequenta o lar há 15 anos. Ela diz que vê espíritos. “Aqui posso trabalhar esta mediunidade. Não tenho medo de vê-los. Temos que ter medo é dos vivos”, diz.

As amigas Marcia Xavier, 26, e Jéssica Pereira, 23, gostam de passar a tarde na praça Maria de Nazaré, com fontes de água, localizada aos pés de um jequitibá de mais de trinta metros de altura. Foi Jéssica quem motivou a amiga a visitar o sítio. “Depois da morte do meu avô, passei a ver vultos. Hoje vejo que são espíritos. Estou trabalhando isso para não sentir mais medo”, conta Jéssica. Perto da praça, a estátua de Frei Luiz não tem sossego. A todo momento, grupos de pessoas se revezam em orações tocando o busto do religioso.

Selmy Yassuda
As amigas Marcia Xavier, 26, e Jéssica Pereira, 23, gostam de passar a tarde na praça com fontes de água



Nível superior e maioria de mulheres

A grande maioria dos frequentadores do Lar de Frei Luiz mora longe, na zona sul da cidade. Entre os carros que tentavam vaga na entrada na última quarta-feira (24), três eram Tucson, modelos caros da Hyundai.

Sobre o Censo 2010:

Os resultados do Censo 2010 sobre as religiões seguidas pelos brasileiros , divulgados no final do primeiro semestre pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam importante diferença dos espíritas para os demais grupos religiosos.

Segundo a pesquisa, os adeptos do espiritismo possuem as maiores proporções de pessoas com nível superior completo (31,5%) e taxa de alfabetização (98,6%), além das menores porcentagens de indivíduos sem instrução (1,8%). Segundo o Censo 2010, 3.848.876 brasileiros se classificaram como espíritas, o que representa 2,02%. Desse total, 41% são homens e 59% são mulheres.

Selmy Yassuda
Fontes de água estão no centro de uma das praças de orações do Lar de Frei Luiz

Fonte: ULTIMO SEGUNDO

Um comentário:

Anônimo disse...
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