A astrologia muda de cara
Astrólogos perdem terreno para o misticismo e tentam encontrar novos espaços
Julio Wiziack
A história começou com uma ligação telefônica. De Portugal para o Brasil. A portuguesa Teresa Filipa da Costa Sá convidou o astrólogo brasiliense Francisco Seabra para uma palestra na cidade do Porto. Antes de tomar qualquer decisão, Seabra pediu a data, a hora e o local de nascimento de Teresa. Indiscrição e indelicadeza? Não. Seabra queria fazer o mapa astral de sua interlocutora. Vinte e quatro horas depois, outra ligação, dessa vez de Brasília para Porto. Teresa foi pedida em casamento e, quatro meses depois, desembarcava no Brasil. “Impossível não me casar com ela. Os astros mostraram, ela é a minha verdadeira cara-metade”, diz ele. Pode parecer loucura, mas o fato é que atualmente a própria ciência, antes tão refratária a coisas desse tipo, se debruça sobre histórias como essa para explicar a natureza da atração exercida pelos astros. Abre-se assim uma nova vertente da astrologia. E abre-se, também, uma nova polêmica tanto no meio acadêmico quanto nos consultórios astrológicos de sensitivos tradicionais. Grande parte dos profissionais desse ramo acha que entender o movimento dos astros e o impacto deles na vida das pessoas é uma combinação de sensibilidade e arte, jamais uma ciência.
Na Universidade de Brasília (UnB), considerada uma das cinco-estrelas no meio intelectual do País, já existe um curso dedicado ao estudo da astrologia com o objetivo de provar a existência e a dinâmica dos fenômenos astrológicos. “Embora não se conheça o tipo de energia que atua nesse campo, dá para formular uma equação matemática descrevendo as ocorrências astrológicas”, diz Álvaro Luiz Tronconi, professor do Instituto de Física da UnB. Em menos de dois anos de estudo, duas pesquisas desse Núcleo de Astrologia deram conta de validar cientificamente as previsões astrológicas. Coordenadas pelo engenheiro Paulo Celso dos Reis Gomes, do Instituto de Tecnologia, elas tentaram identificar, entre dois grupos de voluntários, quais estavam às vésperas de se casar e quais estavam angustiados com o exame vestibular. Evidentemente os astrólogos não sabiam quem era quem. Só tinham em mãos os dados necessários à elaboração do mapa astral de cada um dos 200 inscritos. Para dificultar o trabalho, foram incluídas pessoas com curso superior completo no grupo dos vestibulandos e foi incluída gente que nem sequer tinha namorado no time de noivos. O resultado foi surpreendente: 95% de acerto de quem estava mesmo nessa ou naquela situação.
A precisão dos astrólogos-cientistas foi tanta que chamou a atenção do deputado petista José Mentor – ele contratou os serviços de Seabra para saber suas chances de escapar da cassação em meados de abril. “O mapa dizia que deveria passar o aniversário em Los Angeles para receber energias favoráveis”, diz Seabra. A explicação: no dia do aniversário do deputado o Sol caía, em Brasília, na casa 12, referente ao isolamento. Mas em Los Angeles localizava-se na casa 10, ligada ao sucesso. “Era onde ele deveria estar, se quisesse ter alguma chance.” Mentor achou estranho, mas preparou as malas. Foi absolvido do processo em que era acusado de participar do esquema do “mensalão”.
Esses números impressionam, mas não convencem os cientistas em geral e, muito menos, os astrólogos tradicionais – que disparam as suas baterias contra a ciência ao mesmo tempo que vão perdendo terreno para sensitivos que atuam na cartomancia e quiromancia. Há quem insista no ponto que a astrologia só poderia ser considerada uma ciência com a descoberta dos princípios que regem a troca de “energia” entre homem, planetas e demais astros do Sistema Solar. “Se é que, ao menos, existe esse princípio de troca de energia”, diz o astrônomo Amauri de Almeida, da Universidade de São Paulo. Os estudiosos do espaço sabem, por exemplo, que a força gravitacional da Lua sobre a Terra interfere na altura das marés. Mas que força lunar influenciaria na forma como uma pessoa administra seus negócios ou no modo como organiza sua vida profissional? “A única troca de energia que a astronomia consegue identificar entre um corpo celeste e os humanos é a energia da radiação solar”, diz Ronaldo Rogério Mourão, um dos astrônomos mais conceituados do País. De fato, pegar um bronzeado é prova irrefutável dessa influência, mas não é disso que falam os astrólogos.
Para eles, a influência dos astros nas pessoas aconteceria em níveis intra-atômicos, um campo da ciência estudado pela física quântica – outra novidade que ganha corpo e irrita os astrólogos ortodoxos. Algumas teorias dessa área sugerem que a transmissão de energia entre os corpos do Universo não se dá por vias tradicionais, mas, isso sim, por um sistema de coordenadas. Seria como se um satélite GPS recebesse um sinal emitido por um corpo na Terra e o retransmitisse para outra parte do espaço.
O astrofísico inglês Percy Seymour acredita que algo parecido aconteça com
corpos celestes. Segundo sua teoria, que municia os astrólogos científicos, os astros funcionariam como as emissoras de tevê. Sol, Lua, planetas, asteróides
e estrelas emitiriam sinais magnéticos captados pelo sistema nervoso do homem. Cientistas convencionais atiram pedras nessa tese. Mas um experimento recente realizado por físicos do Laboratório de Ciência da IBM, a gigante americana da informática, provou que dois elétrons podem trocar energia livremente se resfriados dentro de um mesmo campo magnético. Seymour defende a teoria de que a
energia entre os corpos no espaço se comporta de forma semelhante. Cada ser humano captaria com suas “antenas” pré-ajustadas pela genética os “programas” que lhe dizem respeito.
“Estamos avançando nesse campo de pesquisa”, diz Seabra, um dos idealizadores do núcleo de Astrologia da UnB, que deixara de ser ensinada nos centros universitários desde a morte do francês Jean Baptiste Morin de Villefranche. Autor do livro Astrologia gálica, Villefranche postulou as 25 regras que regem o trabalho da astrologia científica e seus modelos de cálculos são tão sofisticados que permitem fazer previsões de datas. Vale lembrar: Villefranche faleceu no dia 6 de novembro de 1656, às duas horas da madrugada, rigorosamente como ele próprio havia previsto dois anos antes.
Essa nova astrologia não pára de ganhar adeptos. Cresce, por exemplo, o número de empresários que dizem ter encontrado nos astros uma arma poderosa na administração de seus negócios. Um dos exemplos é o presidente do Banco Fator, Walter Appel. Em seu computador, juntamente com gráficos que apontam as oscilações da Bolsa de Valores do Estado de São Paulo e as perspectivas de fechamento do pregão, consta diariamente a “opinião” das estrelas sobre o melhor investimento do dia. Um astrólogo foi pago para descobrir se o dia está bom para apostar em papéis de risco ou se a melhor rentabilidade está associada ao petróleo. A ajuda dessa “astrologia esclarecida” balançou até mesmo a Bovespa, que, há cinco anos, chegou a movimentar US$ 100 bilhões. Os operadores estimam que pelo menos 20% desse montante tenha sido regido também por astrólogos. “Com o aprimoramento dos métodos de avaliação, dá para fornecer informações específicas sobre negócios ou plano de carreira”, diz Maurício Bernis, um dos nomes mais procurados pelo sistema financeiro. Foi ele quem ajudou um importante banco brasileiro a escolher a melhor data para lançar suas ações no mercado europeu. Recentemente, até um time paulistano da segunda divisão aderiu à onda dos astros. Só falta agora os cientistas tradicionalistas e os astrólogos ortodoxos derrubarem as barreiras de preconceito para tentar entender, casando astros e ciência, qual é essa força que há milênios deixa a humanidade tão ligada às estrelas.
US$ 20 bilhões é quanto a Bovespa movimentou
em um ano com a ajuda da astrologia
em um ano com a ajuda da astrologia
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