Por João Ozorio de Melo
Apesar de entendimentos de que Estados Unidos estão entre os primeiros países do mundo a adotar a doutrina política e jurídica da separação Igreja-Estado, essa é uma questão que não está bem resolvida nos meios políticos do país. E, repetidamente, é interpretada de formas diversas nos tribunais. Por isso, a Suprema Corte dos EUA aceitou, nesta segunda-feira (20/5), entrar nesse assunto. A corte vai decidir, especificamente, se reuniões governamentais podem se iniciar com orações — uma prática comum há mais de dois séculos, com a qual muitos americanos não concordam, porque defendem o secularismo do Estado, de acordo com o USA Today, The Washington Post e outras publicações.
A Constituição dos EUA não menciona textualmente a separação entre Igreja e Estado. A Primeira Emenda à Constituição estabelece apenas: "O Congresso não fará nenhuma lei com respeito a um estabelecimento de religião ou proibindo seu livre exercício". Esse texto constitucional foi importado de uma carta de Thomas Jefferson, em 1802. Ao final dessa sentença, Thomas Jefferson escreveu que era preciso construir "um muro de separação entre a Igreja e o Estado". A sentença foi citada pela primeira, pela Suprema Corte dos EUA, em 1878. No entanto, a ideia só se fortaleceu em 1947, através de uma decisão judicial.
Não totalmente, porém. Vez ou outra, os tribunais discutem em ou outro caso, que pode envolver questões óbvias, como a colocação de uma cruz em um morro de uma cidade ou no saguão de algum tribunal e orações nas escolas e em eventos públicos. Outras não tão óbvias, como a proibição de ensinar nas escolas a teoria da evolução, que contraria os ensinamentos bíblicos.
No caso específico, colocado perante a Suprema Corte, duas cidadãs de Greece (Grécia), no estado de Nova York, processaram o conselho municipal por, insistentemente, iniciar suas reuniões com orações cristãs, conduzidas por clérigos cristãos convidados. As demandantes consideram a prática ofensiva para os não cristãos e alegam que ela viola a Constituição dos EUA. Um tribunal de recursos do estado concordou com esses argumentos no ano passado.
O caso foi levado à Suprema Corte pela "Alliance Defending Freedom" (Aliança em Defesa da Liberdade, em tradução livre), um grupo cristão sem fins lucrativos do Arizona, com menções de apoio de 49 deputados federais, a maioria republicana, e 18 procuradores-gerais de estados. "Um grupo de pessoas não pode extinguir uma tradição da nação, simplesmente porque ouvem alguma coisa da qual não gostam [as orações]", declarou aos jornais o advogado da entidade Brett Harvey.
As cidadãs de Greece Susan Galloway e Linda Stephens são representadas, por sua vez, pelo grupo "Americans United for Separation of Church and State" (Americanos Unidos pela Separação entre Igreja e Estado, em tradução livre), de Washington D.C. "Um conselho municipal não é uma igreja e não deve agir como se fosse uma", disse o diretor-executivo da entidade, o reverendo Barry Lynn. "O governo não pode servir a todos na comunidade, quando endorsa uma fé em detrimento de outras. Isso manda uma mensagem clara de que pessoas que pertencem a outra religião ou a nenhuma são cidadãos de segunda classe", ele declarou.
Um ponto em que as duas partes concordam se relaciona à esperança de que a Suprema Corte tome uma decisão bem mais ampla do que o caso do conselho municipal de Greece sugere. Há muitas diferenças nas opiniões dos tribunais de instâncias inferiores, que devem ser resolvidas. Além disso, a questão tem muitas implicações, que precisam ser esclarecidas, no dia a dia das escolas e em eventos públicos.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 20 de maio de 2013
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