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sexta-feira, 5 de julho de 2013

Cavalgada - Que inveja, no bom sentido!

Salve cavaleiros e cavaleiras (ou amazonas, como outros preferem).

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Três dias de cavalgada refazem caminho das tropas e levam visitantes para imersão na Coxilha Rica, na Serra
Viagem percorre paisagens, fazendas e pontos históricos da região

Foto: Jessé Giotti / Agencia RBS
Pedro Rockenbach



Galopar pelas planícies onduladas que se estendem além do horizonte, atravessar rios, acompanhar os corredores de taipas, dormir em fazendas, ouvir causos ao pé da lareira e matear ao som de um acordeão. Tudo isso fez parte de uma descoberta de três dias a cavalo pela região mais fria de Santa Catarina. Lugar onde os novos vivem como os antigos, foi na história da Coxilha Rica, na Serra catarinense, que o tempo escolheu para fazer um corte. Para seguir os passos dos tropeiros e reviver a história, uma cavalgada, que pode durar entre dois e seis dias, leva turistas pelos rincões serranos para enveredar em meio à natureza e imergir no tradicionalismo campeiro conhecendo a música, a comida, os trajes, a casa, a linguagem e a lida do campo.

Galeria de fotos


Para viver essa cultura, um grupo de 13 amigos do Núcleo do Cavalo Campeiro, de Concórdia, entre eles empresários, veterinários, construtores, um técnico de telecomunicações e servidores públicos, saiu do Meio-Oeste e seguiu até a Fazenda Chapada, em Painel, numa noite gelada no fim de maio. O local seria o primeiro pouso e o ponto de partida da cavalgada na manhã seguinte.

À soleira do galpão, segurando o chimarrão na mão esquerda e oferecendo a direita, o cartorário e pecuarista Daniel Klein, 36 anos, dono da fazenda, recebeu os visitantes. Trajado da bota à boina, apresentou o rancho, ornamentado com cilhas de cavalo nas paredes. As cadeiras de madeira forradas com pelegos e o fogão a lenha foram guaridas contra o frio. Alguns também recorreram à cachaça artesanal no pequeno barril de madeira e ao pinhão quente para se aquecer. Diferentes de hotéis, as fazendas para os pousos durante a cavalgada trazem um ambiente familiar. Não há relação hóspede-empregado. São lugares que servem de base para os cavaleiros.

— Abrimos as portas dos galpões para confraternizar, prosear, trocar experiências e dividir a paixão pela vida no campo. Todo mundo se reúne para conversar e comer junto. Nessas reuniões, já fiz amigos com os quais ainda mantenho contato — explica Daniel. Enquanto o chimarrão passava de mão em mão, a mulher de Daniel e mais dois amigos preparavam paçoca de pinhão e vaca atolada para o jantar. De sobremesa, o choro do acordeão e do violão encerraram a primeira noite.

O canto do galo despertou o grupo da cama para a alvorada, no fim da madrugada de sexta-feira. Na rua, a geada fraca se formou sobre os veículos. Após o banho quente e o café reforçado, hora de encilhar os cavalos e trotar pelas coxilhas, palavra que significa ondulações, como pequenas colinas, em regiões de planícies. Uma Ave-Maria marcou o início da cavalgada.

No rastro da história

Poucas nuvens riscam o céu azul. As planícies se ondulam feito ondas e, como no mar, perdem-se no horizonte, variando os tons de verde. As florestas de araucárias centenárias se destacam em meio à vegetação. Os vastos campos amarelados asseveram o contraste de cores. Do topo de uma chapada, é possível contemplar e entender o porquê de a região figurar entre versos de canções regionalistas e divagar sobre a passagem dos tropeiros vindos do Rio Grande do Sul a caminho de São Paulo no século 18 para levar principalmente o gado. Paisagem capaz de persuadir o mais distante dos viventes a atravessar o oceano.

— Eles (os estrangeiros) ficam loucos com isso aqui: cavalgar por estes lugares, conhecer o jeito de viver do tradicionalista, a fartura na mesa, as comidas caseiras e o ambiente familiar. Tanto que 80% dos grupos que recebo hoje vêm de fora do país. Mexicanos, dinamarqueses e belgas já estão agendados para os próximos meses — ressaltou Robério Bianchini, organizador da cavalgada.

A cachaça em chifre de boi brinda o momento. Linguiça e pé de moleque para despistar a fome. Encilha apertada. O trote ganha ritmo novamente e passa por um pequeno cemitério cercado de taipas e com lápides de mais de 200 anos. Mais à frente, ocas e marcas no chão do que fora uma aldeia indígena. Após três horas e meia e 25 quilômetros no lombo do cavalo, a Fazenda da Ferradura é a paragem do almoço, agora no território de Lages. Ali mora a história oral da Coxilha Rica guardada nos causos de Benjamin Kuse de Faria, 75 anos.

Benjamin é apenas para os documentos. Por essas estâncias, ele é conhecido por Tio Beja, um tradicionalista autêntico. Do bigode à bombacha, da bota à camisa de lã, do colete ao lenço. Homem criado no campo, é referência dos costumes serranos da região. Isso tornou seu recanto em parada obrigatória para as cavalgadas. O estilo simples da casa e as araucárias que a cercam já estamparam capa de lista telefônica. Para este homem do campo, seu cantinho é a morada do tesouro.

— A vivência na nossa região é um SPA. Você acorda de manhã cedo, pisa no orvalho, recebe os amigos, toma um chimarrão e sente o ar puro. Por isso, é um privilégio morar e trabalhar aqui. E quem vem nos visitar sente isso também — descreveu.

Tio Beja, tradicionalista autêntico

Tio Beja carneou uma de suas ovelhas para receber os viajantes. Enquanto mantinha um olho no espeto, prendia a atenção dos visitantes com histórias sobre o temido leão-baio, ameaça dos rebanhos. Relembrou quando perdeu 18 ovelhas em uma única noite, após um ataque.

Das ovelhas criadas na Ferradura também vem a lã usada para o tear da Dona Ilusa, mulher do Tio Beja. Apaixonada por artesanato, o trabalho dela está por toda casa, nos tapetes, nas molduras das fotos e na decoração dos quartos. Da cozinha, saem as sobremesas criadas por Ilusa. Para essa tarde, ela juntou um punhado de fisális, leite condensado e creme de leite para criar um de seus doces ainda sem nome.

Herança dos antigos

A tarde pedia uma sesta sob as araucárias, mas outras três horas e meia separavam o grupo da parada noturna. Após o almoço, os cavaleiros seguiam novamente os quilométricos corredores de taipa construídos por escravos e usados para guiar os tropeiros. A travessia do Rio Pelotinhas ocorreu pelo Passo da Teia, com leito raso e correnteza fraca. No caminho, uma parada para sapecar pinhão.Com uma vara para apanhar a pinha, grimpas (galhos secos das araucárias) e fogo, estava feita a tradicional sapecada, herança das antigas gerações. O pinhão é assado nos próprios galhos secos.

A chegada à Fazenda Rodeio Bonito veio com o cair da tarde. Lúcia Helena Bianchini Ávila, 64, a Dona Lúcia, recepcionou os cavaleiros com rosca de coalhada, que liberava uma fumaça cheirosa a um simples toque. O aroma de café preenchia a sala. A fina garoa do lado de fora completava o clima. O jantar encerrou as atividades.
A Fazenda São João era o destino na manhã de sábado.

Uma das primeiras residências da família Ramos, de grande importância política (entre eles, quatro governadores do Estado e um presidente da República), o casarão sede, de arquitetura luso-brasileira e construído há cerca de 200 anos, pertence à família de Dona Lúcia desde a década de 1920. Os mangueirões de pedras junto à casa continuam em uso até hoje para agrupar o rebanho.
Mangueirões de taipa continuam em uso na Fazenda São João

Um entrevo, prato típico feito com carne, pinhão e verduras, foi servido ao grupo no almoço. A partir da tarde, a cavalgada começava a tomar o rumo da volta. A noite seria no Tio Beja, para outro dedo de prosa. Ao meio-dia de domingo, um churrasco na Fazenda Chapada finalizou 80 quilômetros de invernada. Para as coxilhas citadas até como um pedacinho do céu, não havia vivente que não tirasse o chapéu. Agradeciam desde os escravos da taipa até o homem dos céus.

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