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segunda-feira, 15 de julho de 2013

Para que serve a "bênção" de um papa?



Funcionário distribui falsas bênçãos do papa a políticos para obter patrocínio de projetos


DANIELA LIMA
DE SÃO PAULO


Presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Barros Munhoz (PSDB-SP) fez pose para o momento solene. O ano era 2009 e a ocasião merecia. Ele acreditava estar recebendo uma bênção do papa Bento 16, trazida do Vaticano especialmente para ele.

Talvez o deputado ainda não saiba, mas foi enganado: naquele dia, posou para o fotógrafo oficial com uma peça falsa emoldurada. Ela não veio do Vaticano. Segundo funcionários da Assembleia, foi impressa numa gráfica da alameda Jaú, em São Paulo.

Em Roma, apenas um arcebispo tem permissão para assinar pergaminhos com a bênção apostólica do papa como a que o tucano recebeu.

E o arcebispo cuja assinatura aparece na bênção de Barros Munhoz, datada de 15 de março de 2009, se aposentara e fora substituído dois anos antes, em julho de 2007.

Mas o deputado não foi o único. Prefeitos e outras autoridades também receberam bênçãos falsas das mãos do mesmo homem: Emanuel von Laurenstein Massarani, um senhor de 78 anos que, com gravata borboleta e crucifixo na lapela, circula à vontade pela Assembleia paulista há pelo menos oito anos.

Filho de pai italiano e mãe alemã, Massarani tem sala, equipamentos e funcionários na Casa. Dispõe também de um carro oficial para ir ao trabalho e voltar para casa. Foi nomeado chefe da Superintendência do Patrimônio Cultural da Assembleia em 2005.

Apesar do cargo, ele não tem vínculo empregatício nem figura na lista de servidores da Casa. Seu posto é "honorífico" --lhe dá direito a regalias, mas não a salário.

Oficialmente, a função de Massarani é promover exposições e organizar o acervo de arte da Assembleia. Extraoficialmente, ele usa a estrutura do Legislativo para tocar os negócios de uma organização particular que preside, o IPH (Instituto de Recuperação do Patrimônio Histórico).

O instituto classifica projetos culturais como de "interesse nacional", ajudando a captar verbas de patrocínio que depois podem servir para abater Imposto de Renda.
Divulgação/Agência Alesp 
Emanuel Massarani (à esq.) entrega bênção papal a Barros Munhoz, em 2009


Foi por meio de seu instituto, por exemplo, que a pintora Denise Chiaradia Christofari participou das bienais de Florença, em 2009, e Roma, em 2010. Ela viajou graças a uma verba de R$ 46,5 mil da Cesp (Companhia Energética de São Paulo).

Quem viabilizou o patrocínio da estatal com o IPH foi o pai de Denise, o engenheiro Vilson Christofari, que na época era diretor de geração da Cesp e, meses após a filha voltar de Roma, assumiu a presidência da companhia. (Leia mais no texto abaixo)

Massarani aparece em documentos oficiais como "ex-embaixador", mas nunca ocupou a posição. Segundo o Mistério das Relações Exteriores, ele se aposentou no Itamaraty como assistente de chancelaria, antiga carreira de nível médio já extinta.

Massarani afirma que há uma "confusão" em torno desse assunto. Ele esclarece que trabalhou no passado como "adido cultural" em Genebra, mas recebeu há alguns anos o título de "embaixador de Itápolis", cidade do interior paulista que ajudou a promover ações de intercâmbio cultural com a Itália.

As boas relações com os políticos são uma marca na carreira de Massarani, que trabalhou para o ex-presidente Jânio Quadros no período em que ele foi prefeito de São Paulo e depois foi secretário de Patrimônio Cultural do Estado, no governo Mário Covas.

Em 2001, o governador Geraldo Alckmin acabou com a pasta e Massarani foi para a Assembleia. "Católico fervoroso", ele diz não entender como as bênçãos que distribui podem ser falsas. "Tenho um contato em Roma. Vou falar com ele. Para mim, eram todas verdadeiras", garante.

Procurada pela Folha, a Assembleia informou que abriu uma apuração preliminar para verificar a situação de Massarani. No dia em que ele concedeu entrevista à Folha, uma de suas funcionárias interrompeu a conversa na hora de ir embora. "Sua bênção, doutor", ela pediu, dando um beijo na mão dele. Massarani respondeu: "Deus te abençoe, minha filha".

OUTRO LADO

O engenheiro Vilson Christofari, ex-presidente da Cesp (Companhia Energética de São Paulo) admite ter atuado na estatal para ajudar a financiar a participação da filha em duas exposições internacionais na Itália, mas diz não haver conflito ético no caso.

Christofari afirma que a filha, que é pintora, não viajou a passeio e teve trabalhos premiados tanto na mostra de Florença quanto na de Roma.

"Minha filha recebeu o convite para representar o Brasil, por uma entidade credenciada, o IPH. Comentei com colegas sobre o assunto, sim, e não vejo nada de errado nisso", diz o engenheiro.

"A empresa patrocina esses eventos. Havia isenção fiscal. Melhor pedir à Cesp do que a qualquer um dos fornecedores da companhia, que certamente não iriam se negar a ajudar", diz Christofari.

A Cesp afirmou por meio de sua assessoria que deu "apoio financeiro a uma entidade legalmente estabelecida", o IPH (Instituto de Recuperação do Patrimônio Histórico de São Paulo), a quem cabia "aplicar os recursos nos termos da lei".

O presidente do instituto, Emanuel von Laurenstein Massarani, diz que não sabia que a pintora Denise Chiaradia era filha do presidente da Cesp. "Só fui saber depois do fato consumado", afirma.
Depois de promover a viagem da filha de Christofari à Itália, Massarani conseguiu ajuda da Cesp para tocar um segundo projeto, um livro sobre as barragens do rio Tietê.

A Cesp cedeu um de seus funcionários a Massarani. Ele passou a trabalhar para o IPH, com a missão de fotografar as paisagens para o livro.

Christofari diz ter sido chantageado por esse funcionário, que teria ameaçado revelar o caso do patrocínio da sua filha. O ex-funcionário, Augusto Cezar, negou ter feito chantagem, mas confirmou ter trabalhado para Massarani na Assembleia.

Fonte: FOLHA DE SP

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