Especialistas veem ameaça à democracia e criticam fato de processo caminhar em segredo e o que seria um uso abusivo da prisão preventiva. Justiça do Rio afirma que há tentativa de "politizar uma questão de rotina".
As prisões de ativistas envolvidos nas manifestações anti-Copa do Mundo em várias cidades do Brasil geraram críticas de entidades civis, acadêmicos e organizações, gerando um debate jurídico no país.
Se de um lado seus defensores argumentam que as prisões são necessárias porque a violência gerou uma onda de crimes e prejudicou as próprias manifestações, os detratores dizem que elas não passaram de uma estratégia para, em plena Copa, enfraquecer os protestos e reduzir riscos à imagem do país.
As críticas se centram, sobretudo, no fato de o processo caminhar em segredo de Justiça e no que seria um uso abusivo do recurso de prisão preventiva.
“Temos a Constituição Federal que estabelece direitos fundamentais e parâmetros da atuação da Justiça. O que estamos assistindo de uma maneira estarrecedora é como isto vem sendo ignorado pelo poder público, nesse caso especifico, sobretudo pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público estadual”, argumenta a jurista Vanessa Batista, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Vanessa Batista conversou com a DW logo após participar de um ato público, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio de janeiro. Após o ato, entidades civis, professores e advogados divulgaram um manifesto repudiando a maneira como o caso está sendo conduzido.
“O Estado de Direito está sendo violado, e a democracia brasileira sofre grave ameaça, risco que se radicaliza com a criminalização dos movimentos sociais e com a caça ao direito de manifestação”, diz o documento.
A denúncia que originou as prisões foi oferecida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Na última sexta-feira, foram expedidos pela Justiça mais 21 mandados de prisão, reforçando alguns que já haviam sido pedidos no dia 12 de julho, véspera da final da Copa do Mundo no Maracanã.
A investigação
O Ministério Público considerou o período que se iniciou com as manifestações de junho de 2013 para agrupar as provas que iriam compor o processo hoje em curso. Segundo o MPRJ, o grupo de 21 acusados que tiveram prisão decretada na sexta-feira teria se associado com o objetivo de praticar, durante as manifestações, crimes como posse de explosivos, corrupção de menores, resistência, lesão corporal e dano ao patrimônio.
A ativista Elisa Quadros Pinto Sanzi, conhecida como Sininho
O objetivo da investigação, segundo o MP, é apurar os responsáveis por atos de vandalismo e agressões contra policiais, crimes que teriam sido praticados durante a realização de atos legais e legítimos – no caso, as manifestações.
O MP aponta a Frente Independente Popular (FIP) como responsável pela articulação das ações. Oito dos acusados fariam, segundo o MP, parte da diretoria do grupo, entre eles Elisa Quadros Pinto Sanzi, conhecida como Sininho, que segue presa.
Segundo a Polícia, 18 acusados ainda estão foragidos. Um deles é a advogada Eloísa Samy que, na última segunda-feira, chegou a pedir asilo no consulado do Uruguai no Rio, mas teve o pedido negado. Em vídeo divulgado no Youtube nesta segunda-feira, ela diz que está na condição de perseguida política.
“Jamais cometi qualquer ato que infringisse a lei, mas estou sendo vítima das forças coercivas do Estado exatamente por defender pessoas que se ergueram e foram às ruas para protestar contra as ilegalidades cometidas por ele próprio”, disse.
Críticas ao processo
Para a jurista Vanessa Batista, há vários elementos do processo que chamam a atenção e merecem ser questionados, entre eles a determinação de que o processo tramite em segredo de Justiça.
“O Poder Judiciário determina que o processo deve correr em segredo de Justiça quando ele envolve menores ou quando envolve algo que signifique risco para sociedade. Qual é esse risco que nós estamos correndo? O risco quem está correndo somos nós, a sociedade democrática”, questionou a professora da UFRJ.
Para Cristiano Paixão, professor de direito da Universidade de Brasília, há indícios de abusos nas prisões. “É claro que entre as funções do MP e do Poder Judiciário existe a ideia de repressão de crimes para que a vida em sociedade seja harmoniosa, mas existem limites e o que esses casos nos mostram é o excesso no uso da prisão preventiva”, ponderou. “Isso é perigoso para a democracia, pois pode significar certo desestímulo ao exercício do direito de protestar.”
Ele argumentou, ainda, que é preciso que sejam investigados os atos criminosos praticados durante os protestos, mas que deve haver prudência. “É claro que pessoas com intenções criminosas estão entre aquelas que querem protestar. Mas é dever do Estado ter um bom sistema de inteligência para separar as situações”, disse. “Criminalizar o protesto em geral é algo muito perigoso.”
Outras entidades também já manifestaram preocupação. A Anistia Internacional, por exemplo, divulgou nota logo após as primeiras prisões, classificando de “preocupante” o caso, “por parecer repetir um padrão de intimidação" que já havia sido identificado pela organização antes do início do Mundial.
“Intimidação da Justiça”
Já a ONG Justiça Global chegou a enviar ofícios aos órgãos de direitos humanos do Executivo e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), questionando a legalidade das prisões.
“O que apontamos, portanto, é que este inquérito visa tão só a desmobilização, deslegitimação, intimidação e criminalização de defensores de direitos humanos, representando grave violação por parte do estado do Rio de Janeiro, principalmente ao tratá-los enquanto associação criminosa”, diz o texto base dos ofícios.
Um grupo de parlamentares ligados ao PSOL e ao PCdoB apoiou a representação feita pela Justiça Global no CNJ. Em nota, o PT também repudiou as prisões, alegando que elas constituem "uma grave violação de direitos e das liberdades democráticas".
Em resposta, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ) e a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) classificaram a representação feita ao CNJ como intimidação da Justiça.
“Infelizmente, o Conselho Nacional de Justiça vem sendo usado como instrumento de intimidação da magistratura”, diz a nota da Anamages. “O insatisfeito com a decisão judicial, ao invés de interpor o recurso processual cabível, opta por pedir abertura de procedimento disciplinar, mesmo sabendo que tal caminho não modificará a decisão, se prestando, tão só, para tentar acovardar a magistratura."
Já o TJERJ e a Amaerj defendem que “houve uma tentativa de politizar uma questão de rotina de trabalho de qualquer juiz criminal”.
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