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quarta-feira, 4 de março de 2020

Sobre a embriaguez

Dizia-me um homem de idade avançada e grande dignidade que, entre os três principais prazeres que lhe restavam na vida, incluía esse aí; e onde se espera encontrar esses prazeres senão justamente entre os naturais? 
Mas usava-o mal. Nisso, há que fugir da delicadeza do paladar e de uma seleção cuidadosa do vinho. Se baseamos nosso prazer em beber um vinho de gosto agradável, obrigamo-nos ao desprazer de beber outro desagradável. É preciso ter o gosto mais  despretensioso e mais livre. Para ser um bom bebedor não se deve ter o paladar tão delicado. Os alemães bebem qualquer vinho com quase igual prazer: o objetivo é engoli-lo mais que saboreá-lo. Dão-se muito melhor assim. O prazer deles é bem mais abundante e mais acessível. Em segundo lugar, beber à francesa nas duas refeições, e moderadamente, é restringir demais os favores desse deus. Para ele é preciso mais tempo e constância. Os antigos varavam noites inteiras nesse exercício e costumavam consagrar-lhe os dias. E também é preciso tornar o consumo habitual mais amplo e mais forte. No meu tempo vi um grande cavalheiro, personagem de altas empreitadas e êxitos famosos, que sem
esforço, e durante as refeições comuns, não bebia menos de cinco lotes de vinho, e ao sair da mesa sempre se mostrou muito comportado e prudente, em detrimento de nossos negócios. Deveríamos dedicar mais espaço ao prazer que queremos ter em conta durante nossa vida. Haveria que não recusar, como os caixeiros de armazéns e trabalhadores manuais, nenhuma ocasião de beber e ter sempre esse desejo em mente. 


MICHEL MONTAIGNE - Os ensaios

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