22 de junho de 2022, 20h52
O muro da separação entre a igreja e o Estado nos Estados Unidos, imagem criada por Thomas Jefferson em 1802 como doutrina política, sofreu mais um abalo nesta terça-feira (21/6). A Suprema Corte decidiu, por 6 votos a 3, que os estados que destinam verbas dos cofres públicos apenas para escolas seculares (ou não religiosas) estão discriminando as escolas religiosas. E não podem fazer isso, mesmo que elas usem os fundos para doutrinar os estudantes na religião que apregoam (além de ensinar outras disciplinas curriculares).
A Suprema Corte dos EUA tomou
decisão a favor de escolas religiosas
Divulgação
O caso Carson vs Makin foi resolvido entre religiosos. Os seis votos vencedores foram dos seis ministros conservadores da corte, cinco católicos (John Roberts, Clarence Thomas, Samuel Alito, Brett Kavanaugh e Amy Barrett) e um católico anglicano (Neil Gorsuch). Os três votos dissidentes foram dos três ministros liberais, dois judeus (Sthephen Breyer e Elena Kagan) e uma católica (Sonia Sotomayor).
O processo se refere a um programa do estado de Maine que disponibiliza subsídios para a educação de estudantes de distritos rurais, onde não existem escolas de segundo grau. O programa permite aos pais dos alunos usar o dinheiro para mandar seus filhos para escolas públicas ou privadas de outros distritos educacionais.
A decisão é sobre um caso específico, mas, da maneira como foi tomada, pode ter uma implicação bem mais ampla — isto é, pode se estender a programas de ajuda financeira de todos os estados do país, que condicionam a disponibilização de recursos públicos à não utilização do dinheiro do contribuinte para instrução religiosa, segundo especialistas ouvidos pelo USA Today, pela CBS News e por outras publicações.
O presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, escreveu no voto da maioria que a proibição de destinar verbas públicas para escolas religiosas viola a 1ª Emenda da Constituição dos EUA, que garante a liberdade religiosa, entre outros direitos do cidadão. "Isso é uma discriminação contra a religião", escreveu ele.
O procurador-geral de Maine, Aaron Frey, declarou que, ao contrário, a destinação de verbas públicas para escolas religiosas promove discriminação porque a escola só aceita alunos que compartilham sua fé. A corte concluiu que a manutenção da cruz com dinheiro público não compromete a cláusula constitucional que proíbe o "estabelecimento" de uma religião pelo poder público.
O ministro Stephen Breyer observou, em voto dissidente também assinado pela ministra Elena Kagan, que "algumas escolas em questão têm políticas de negar matrícula a estudantes com base em orientação sexual ou identidade de gênero". Ele acrescentou que há "um risco crescente de conflitos sociais de origem religiosa quando os governos promovem a religião no sistema de escolas públicas".
A ministra Sonia Sotomayor destacou, no voto da minoria, a questão da separação entre a igreja e o Estado. "Esta corte continua a desmantelar o muro da separação entre a igreja e o Estado que os fundadores lutaram para construir. Com uma crescente preocupação com o destino para o qual esta corte vai nos conduzir, a seguir, eu discordo, respeitosamente".
Ela acrescentou que já temia que as decisões anteriores da corte estavam "nos levando para um ponto em que a separação entre a igreja e o Estado se tornou um slogan constitucional, não um comprometimento constitucional. Hoje, a corte nos leva para um lugar onde a separação igreja-Estado se torna uma violação constitucional".
No voto da maioria, o ministro Roberts escreveu que o programa de Maine "promove uma separação mais estrita entre a igreja e o Estado do que a Constituição federal requer".
Uma das decisões anteriores a que a ministra Sonia Sotomayor se referiu foi a tomada em 2020, por 5 votos a 4. No voto vencedor, também escrito por Roberts, a maioria decidiu que um programa de financiamento estudantil de Montana não pode excluir as escolas religiosas. Ele declarou que o estado não é obrigado a dar dinheiro a escolas privadas, mas, se o fizer, não pode "desqualificar algumas escolas privadas só porque são religiosas".
Em junho de 2019, a Suprema Corte decidiu que a cruz de Bladensburg, erigida em um local público para homenagear soldados mortos na Primeira Guerra Mundial, deve ficar onde e como está e ser mantida pelos cofres públicos.
No caso de Maine, a corte anulou decisão de um tribunal federal de recursos que concluiu que os fundos não são negados a uma escola porque ela é cristã, mas porque ela vai ensinar o cristianismo.
Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2022, 20h52
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