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sábado, 22 de setembro de 2012

Maracutaias abundam nas obras de restauro da ICAR



Futuro órgão da Sé pode ser caso de 'gato por lebre'

Entre os maiores financiamentos do BNDES à Cultura, obra difere do projeto aprovado

Jornal do BrasilCelina Côrtes+A-AImprimirPUBLICIDADE



Previsto para ficar pronto e inaugurado em maio de 2013 com seis concertos internacionais, o órgão em construção para a Igreja Nossa Senhora do Monte do Carmo, a Antiga Sé, no Centro do Rio, causa polêmica antes mesmo de sua conclusão. O projeto, alvo de um dos maiores financiamentos já concedidos pelo BNDES ao setor de Cultura (R$ 2,5 milhões), não está sendo executado de acordo com o projeto original. Segundo denúncia recebida pelo Jornal do Brasil, o francês Daniel Birouste, responsável pela obra, vai entregar “gato por lebre”. 

A antiga catedral do Rio de Janeiro protagonizou alguns dos mais nobres acontecimentos dos tempos do Império: as coroações de Pedro I e Pedro II, os casamentos dos imperadores, o batismo e casamento da princesa Isabel. Ao que parece, o futuro órgão não estaria à altura da importância histórica da Sé. 






Ao contrário do que ocorre no Primeiro Mundo na execução de qualquer projeto deste porte, não foi solicitado o acompanhamento por um perito de notório saber. As fraudes, porém, são atestadas por especialistas como Daniel Rigatto, de uma família há 50 anos no ramo, responsável pela recuperação do órgão da Escola de Música da UFRJ:

“Era para ser um órgão de quatro teclados e 75 registros e o projeto que vi só tem 33 registros. Além disso, os someiros, peças de grande importância no instrumento, por onde passa o ar que abastece os tubos, estão sendo feitos de madeira compensada, mais barata, quando deveria ser usada madeira maciça. E há tubos de freijó, madeira de segunda classe que não está à altura do projeto”, denunciou.

“ O que está sendo construído não é um órgão sinfônico, mas unificado (atalho inventado pelos alemães após a Segunda Guerra, para baratear a restauração dos instrumentos destruídos durante o conflito), de qualidade inferior. E também não está ocorrendo a transferência de tecnologia prevista para a concessão do empréstimo do BNDES”, completou Rigatto.

O presidente da Associação Carioca de Organeiros, Bendito Rosa, lembra que o próprio Birouste informou, durante reunião realizada este ano, que os someiros estão sendo feitos com compensado naval. “Em nossa opinião, este material não é o mais apropriado. Para tal se deveria usar madeira maciça, haja vista a possibilidade de empeno”, observa Rosa. 

Restauro e construção

O projeto foi aprovado em 2004 pela Lei Rouanet. Previa a restauração da fachada do órgão, uma boiserie (fachada) tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e a construção de um novo instrumento. José Maria Neves, professor de música da Uni Rio, apresentou um ex-aluno, Orlando de Castro, ao francês Daniel Birouste, especialista em órgãos. Orlando idealizou o projeto de restauro da boiserie e de construção do novo órgão. Birouste iria executá-lo. “Só que a configuração do órgão apresentada no projeto original, aprovada na lei, é uma. A que Birouste constrói, é outra”, resume Orlando.

Birouste rebate as acusações. Explica que a madeira compensada foi aprovada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)), porque obedeceu à busca por um tipo de madeira que não sofresse os danos provocados pela umidade e pelos cupins. “Escolhi o compensado naval, usado na construção de navios. A escolha foi feita exclusivamente para garantir vida longa ao órgão da Sé”, explicou Birouste, em português bastante fluente, embora carregado de sotaque.

Quanto à crítica sobre os 33 registros, ao invés dos 75 que alçariam o instrumento à categoria de sinfônico, o que transformaria a Sé em palco para grandes concertos internacionais, é o coordenador da Sociedade de Amigos da Antigá Sé (Samas), Ricardo Tacuchian, quem responde: “O número de tubos é irrelevante. O órgão será adaptado à realidade acústica do local onde vai funcionar”, argumenta. 

O próprio Birouste exibe tubos de madeira já construídos no Brasil, que alternam mogno e freijó. O organeiro sopra o interior de cada um desses tubos, mostrando que a escolha de dois tipos distintos de madeira tem o objetivo de alcançar sonoridades diferentes. 

Transferência de tecnologia

Segundo Birouste, o órgão está sendo construído pelo “mais moderno método” , Individual Pipe Control (IPC), que deixou para trás o sistema eletrônico e é todo controlado digitalmente. "Não tem nada a ver com o método unificado, criado no fim do século 19 com um sistema de pequenos foles, com a mesma distribuição de tubos para todos os teclados. Usamos um sistema digital, totalmente distinto", defende o francês. Para Rigatto, porém, o sistema IPC obedece aos mesmos princípios do órgão unificado, “que nunca atingirá a qualidade do órgão sinfônico”.


Orlando, Rigatto e Benedito preocupam-se ainda com a futura manutenção do instrumento. Segundo eles, não está havendo a transferência de tecnologia entre franceses e brasileiros, uma das contrapartidas para o empréstimo do BNDES. Executada em duas salas da igreja e no próprio coro, onde o instrumento ficará instalado, há três estagiários brasileiros participando do projeto. Um deles é Paulo Matelli, 46, de Pirassununga, interior de São Paulo. “Estou no projeto desde o início, já deu para aprender bastante”, ele comenta. Segundo Tacuchian, na próxima semana chegarão outros quatro brasileiros para acompanhar a obra. 

Em outra reunião, da qual a Associação Carioca de Organeiros participou, não ficou clara como será feita a manutenção do futuro órgão. “Este aspecto, tão essencial, não foi pensado nem pela Samas, nem pelo organeiro contratado. Em nosso segundo encontro essa questão continuou sem resposta. Lembramos que este tipo de preocupação não existe na maioria das instituições brasileiras. Podemos citar vários órgãos da cidade que estão a ponto de virar sucata por falta de manutenção”, alerta Benedito Rosa.

Outro episódio que ilustra a ausência de transferência de tecnologia foi a mudança de orientação contratual no documentário contratado para acompanhar este aspecto do projeto, também com recursos do BNDES. Como viam que a tal transferência não acontecia, os próprios responsáveis pela tarefa cuidaram de transformá-la em um registro formal do processo de construção do órgão. 

Tubos de metal 

Os tubos de metal – item mais caro do projeto - , liga de estanho e chumbo, segundo o projeto original, deveriam ser feitos aqui através do contrato de transferência de tecnologia. De acordo com Birouste, parte dos tubos foram construídos em sua própria empresa, La Manufacture D’Orgues – construção e restauração de órgaos e tubos, cuja sede fica no Rio de Janeiro, à Rua Sete de Setembro 14. Só que o organista diz que a empresa funciona na França, embora tenha entregado à reportagem do Jornal do Brasil um cartão com o endereço acima mencionado. “Os tubos estão chegando da França e a terceira parte será feita aqui, com colaboradores brasileiros”, afirma.

O conterrâneo de Birouste, Jean Guillou, organista titular da igreja de Saint Eustache, que abriga um dos maiores órgãos de Paris, não guarda uma boa impressão sobre organeiro, como se pode ver na tradução juramentada da carta enviada por ele ao ex-coordenador do projeto:Reprodução de trecho da carta do organista Jean Guillou

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