Agravo Regimental em Queixa-Crime n. 2012.063838-7/0001.00, da Capital
Relator: Des. Jorge Schaefer Martins
QUEIXA-CRIME. NOTÍCIA CRIMINAL QUE CORRESPONDE A ESBULHO POSSESSÓRIO SUPOSTAMENTE COMETIDO POR PREFEITO MUNICIPAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS MÍNIMOS À DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. REJEIÇÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Regimental em Queixa-Crime n. 2012.063838-7/0001.00, da comarca da Capital (Tribunal de Justiça), em que são agravantes Roberto Damiani Cardoso, Carmen Lúcia Giglio Cardoso, Dilma Damiani Cardoso, Ana Lúcia Damiani Cardoso, Maria de Lourdes Damiani, Lígia de Oliveira Czesnat, Carlos Roberto Czesnat, Aloisio Damiani de Oliveira, Leoni Teresinha Beckhauser Oliveira, Luiz Carlos Matte, Maria Alice de Oliveira Mate, Dulce Damiani de Oliveira, Gisela Damiani de Oliveira Domingues, Paulo Damiani Kotzias, Ana Maria Dutra Kotzias, Jorge Anastácio Kotzias Neto, Monica Monteiro Kotzias, Jorge Anastácio Kotzias Filho, Ana Neri da Silva, Osmar Antônio Modesto da Cruz, Rosalina Bueno da Luz, Maria Cecília Damiani Kotzias, Alexandre Anastacio Kotzias Schutz, Ana Maria Kotzias Schutz e Alexandre Anastacio Kotzias Schutz e agravado Dário Elias Berger:
ACORDAM, em Quarta Câmara Criminal, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Excelentíssimo Desembargador Roberto Lucas Pacheco e o Excelentíssimo Desembargador Substituto José Everaldo Silva.
Florianópolis, 14 de novembro de 2012.
Jorge Schaefer Martins
PRESIDENTE E RELATOR
RELATÓRIO
Inconformados com a decisão que rejeitou a queixa-crime intentada contra Dário Elias Berger, Roberto Damiani Cardoso, Carmen Lúcia Giglio Cardoso, Dilma Damiani Cardoso, Ana Lucia Damiani Cardoso, Maria de Lourdes Damiani, Lígia Oliveira Czesnat, Carlos Roberto Czesnat, Aloisio Damiani de Oliveira, Leoni Teresinha Beckhauser Oliveira, Luiz Carlos Matte, Maria Alice de Oliveira Matte, Dulce Damiani de Oliveira, Gisela Damiani de Oliveira Domingues Paulo Damiani Kotzias, Ana Maria Dutra Kotzias, Espólio de João Damiani Kotzias, Monica Monteiro Kotzias, Jorge Anastácio Kotzias Neto, Jorge Anastácio Kotzias Filho, Ana Neri da Silva, Osmar Antônio Modesto da Cruz, Rosalina Bueno da Luz, Maria Cecília Damiani Kotzias, Alexandre Anastacio Kotzias Schutz, Ana Maria Kotzias Schutz e Espólio de Elda Damiani Kotzias interpuseram agravo regimental, reiterando que em razão da construção da Avenida Beira-Mar Continental, a Municipalidade invadiu terreno de posse dos autores, sem autorização, bem como indenização prévia, configurando o tipo penal previsto no artigo 161, § 1º, inciso II, e § 3º, do Código Penal.
VOTO
O recurso não merece provimento. Com efeito, para que se possa cogitar de deflagração de ação penal, tanto de iniciativa pública como de iniciativa privada, impõe-se o preenchimento de pressupostos básicos correspondentes a prova da ocorrência do fato e indícios suficientes de autoria.
A respeito do tema, colhe-se:
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DA QUERELANTE. INJÚRIA. ART. 140 DO CP. QUEIXA-CRIME. REJEIÇÃO. JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. APLICAÇÃO DO ART. 395, III, DO CPP. PERSECUÇÃO ESCORADA EXCLUSIVAMENTE NA NARRATIVA DA VÍTIMA REALIZADA NO BOLETIM DE OCORRÊNCIA. PROVA INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A MATERIALIDADE E INDÍCIOS DA AUTORIA. DECADÊNCIA.
ESCOAMENTO DO PRAZO PREVISTO NO ART. 38 DO CPP.
- A queixa-crime deve vir amparada pela existência de justa causa ao seu prosseguimento, consubstanciada na prova da materialidade e indícios da autoria.
- Encontrando-se a peça acusatória apoiada unicamente em boletim de ocorrência, no qual consta, exclusivamente, a declaração da vítima, não há que se falar na presença de indícios de autoria e materialidade.
- Rejeitada a queixa após o lapso temporal previsto no art. 38 do Código de Processo Penal, impossibilitando a sanação do defeito que impediu o prosseguimento da ação penal privada, impõe-se o reconhecimento da extinção da punibilidade frente a decadência.
- Parecer da PGJ pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
- Recurso conhecido e improvido (Apelação Criminal n. 2009.033368-3, da comarca de Concórdia , rel. Des. Carlos Alberto Civinski).
Buscando atender aos requisitos mencionados, os querelantes noticiaram ser proprietários de área localizada na parte continental do município de Florianópolis, devidamente registrada no Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis da Capital, tendo o querelado, na condição de Prefeito Municipal, com o propósito de concretizar a implementação da "BEIRA-MAR CONTINENTAL", passado a desapropriar inúmeros imóveis situados nas imediações, sem que, no entanto, tenha havido a mesma preocupação no tocante aquele sobre o qual têm o domínio.
Dizem ter ocorrido a invasão da área, sem qualquer ordem judicial ou pedido em processo desapropriatório, atribuindo a responsabilidade pela ação à pessoa do Prefeito Municipal, tendo ele infringido a norma legal descrita.
Todavia, em que pese os argumentos aduzidos pelos querelantes, a rejeição da queixa se impõe.
Efetivamente, perceptível do exame percuciente dos autos, não figurarem os fatos narrados em desfavor do querelado na condição de esbulho possessório previsto no artigo 161, § 1º, inciso II, do Código Penal.
Vê-se, da redação do mencionado dispositivo legal, ser fundamental a ocorrência de invasão de área alheia, mediante violência ou grave ameaça à pessoa, ou ainda, mediante o concurso de duas ou mais pessoas.
Não há, na peça exordial, qualquer menção à ocupação da área sobre a qual tem os querelantes a titularidade, por força de atuação violenta, ou decorrente de grave ameaça dirigida a quem quer que seja. Isso, por óbvio, já afasta a possibilidade de admissão do delito nesse particular, o qual seria de iniciativa pública, na exata dicção do § 3º do mesmo dispositivo.
Remanesce a verificação, em sede de juízo de cognição sumária, da pretensa prática do esbulho possessório por mais de uma pessoa e, como se trata de propriedade privada, a apuração e responsabilização penal consequente dependeriam (como efetivamente ocorreu) da iniciativa do pretensamente lesado.
Menciona-se na peça inicial a ocupação irregular por agentes da guarda municipal. Por conseguinte, em tese, poder-se-ia cogitar do crime, em face de tal afirmação. Mas isso não é suficiente, mostra-se indispensável a identificação de quem fossem tais pessoas, e a mando de quem estariam a agir.
A queixa-crime não descreve, não aponta, não traz qualquer informação específica acerca do comando, ou notícia a respeito da ordem que teria emanado do alcaide, como não há, nos documentos que instruíram a inicial, qualquer demonstração de que referidos agentes tenham agido por sua determinação.
Aliás, é de se mencionar (o que é notório, independendo pois da produção da prova), que a Guarda Municipal de Florianópolis é um organismo que integra a municipalidade, mas tem chefia própria, não estando subordinada diretamente ao comando do Prefeito Municipal.
Ora, é de geral sabença que no âmbito da responsabilização penal, não se cogita da responsabilização objetiva de pessoa física, sendo indispensável a demonstração da responsabilidade subjetiva, a qual, no caso concreto, decorreria da ação direta do querelado, ou da indicação e comprovação, mesmo superficial, de que os fatos teriam ocorrido por sua determinação direta.
O que se vê, é que na prática ocorreu a desapropriação indireta pela Municipalidade, o que inclusive já provocou a propositura da ação indenizatória formulada pelos querelantes.
A propósito, colhe-se do direito administrativo o seguinte conceito de desapropriação indireta (apossamento administrativo):
Caracteriza-se o apossamento administrativo pela utilização da propriedade particular (não por requisição nem por ocupação temporária), com caráter definitivo, sem qualquer justo título.
É dizer: sem qualquer procedimento expropriatório, administrativo ou judicial, o Poder Público ocupa o bem, em caráter definitivo, incorporando-o a uma obra pública (Figueiredo, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 343).
Ainda, sobre o assunto, observa-se da obra de Hely Lopes Meirelles, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, que:
A desapropriação indireta não passa de esbulho da propriedade particular e, como tal, não encontra apoio em lei. É situação de fato que se vai generalizando em nossos dias, mas que a ela pode opor-se o proprietário até mesmo com os interditos possessórios. Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivindiçação, restando ao particular espoliado haver a indenização correspondente, da maneira mais completa possível, inclusive correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho e honorários de advogado, por se tratar de ato caracteristicamente ilícito da Administração. [...] (Curso de direito administrativo brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 602 e 603).
E, da jurisprudência desta Corte, transcreve-se:
ADMINISTRATIVO - SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO - REINTEGRAÇÃO DE POSSE CUMULADA COM PEDIDO DE DESFAZIMENTO DE OBRA DO GASODUTO BOLÍVIA-BRASIL - ÁREA OCUPADA FORA DOS LIMITES DA SERVIDÃO CONCEDIDA - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA CONSUMADA - IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO INTERDITO POSSESSÓRIO - PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO.
"Desapropriação indireta é a que se processa sem observância do procedimento legal; costuma ser equiparada ao esbulho e, por isso mesmo, pode ser obstada por meio de ação possessória. No entanto, se o proprietário não o impedir em momento oportuno, deixando que a Administração lhe dê uma destinação pública, não mais poderá reivindicar o imóvel, pois os bens expropriados, uma vez incorporados ao patrimônio público, não podem ser objeto de reivindicação (...)." (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, in Direito administrativo. São Paulo: Atlas, p. 177).
O proprietário do imóvel não tem direito ao interdito possessório em virtude de desvio do gasoduto Bolívia-Brasil para fora dos limites da servidão acordada, se ele já foi concluído, embora possa vindicar a indenização por desapropriação indireta (Apelação Cível n. 2010.048068-7, de Turvo, rel. Des. Jaime Ramos).
Por tais razões, não havendo descrição específica e comprovação de que os atos supostamente ilícitos foram provocados pelo Prefeito Municipal, pessoa física, podendo ter ocorrido por ação da Municipalidade, na condição de pessoa jurídica de direito público, e mais, como não se trata de suposto crime ambiental, única hipótese prevista no Direito Penal Brasileiro capaz de responsabilizar criminalmente uma pessoa jurídica, a queixa-crime deve ser rejeitada.
Nesse contexto, com base nos inciso I, II e III, do artigo 395 do Código de Processo Penal, mantém-se a rejeição da queixa-crime e, por consequência, nega-se provimento ao recurso.
Gabinete Des. Jorge Schaefer Martins
Fonte: PORTAL DO TJ/SC
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