Cartórios do Rio irrigam os cofres de seis entidades de direito privado
A cada serviço prestado, parte da verba é destinada ilegalmente, diz Procuradoria Regional da República
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Divulgação
RIO — Os cartórios extrajudiciais fluminenses cobram, a cada serviço prestado aos usuários, uma taxa extra no valor de um décimo de Unif (Unidades de Valor Fiscal do Município), correspondente a R$ 10,86, destinada a seis entidades de direito privado. Uma delas, a Mútua dos Magistrados, que fica com 20% do total repassado por conta da tarifa, oferece atenção integral à saúde de seus associados, juízes que têm entre as atribuições a fiscalização dos cartórios.
Desde 1969, uma sucessão de leis estaduais estabelece a cobrança adicional. Todas, afirma a Procuradoria Regional da República (PRR), são ilegais, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) já firmou jurisprudência no sentido de vedar a destinação de valores recolhidos a título de custas a pessoas jurídicas de direito privado. No caso do Rio de Janeiro, que mantém prática coibida em outros estados, além da Mútua dos Magistrados, são favorecidas com o repasse a Caixa de Assistência do Ministério Público, a Caixa de Assistência dos Procuradores do Estado, a Caixa de Assistência dos Membros da Assistência Judiciária do Estado, a Associação dos Notários e Registrados, e o Sindicato dos Notários e Registradores do Rio de Janeiro.
Apenas entre janeiro e março, os emolumentos (custas cobradas pelos cartórios privados) foram reajustados duas vezes pela Corregedoria Geral de Justiça do Rio, estado cujas tarifas de cartórios estão entre as mais altas do país. O registro de um imóvel avaliado em R$ 400 mil, por exemplo, saltou de R$ 1,2 mil para R$ 2 mil. A habilitação para o casamento foi de R$ 470 para R$ 600, embora o valor básico expresso na tabela seja de R$ 121,46. Os repasses às entidades estão na conta.
O estado do Rio abriga 473 cartórios privados, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Embora não forneçam o faturamento e nem o valor repassado às entidades, alegando privacidade, um cálculo com base nos valores recolhidos ao Tribunal de Justiça (20% do total faturado) indica que, em 2012, eles arrecadaram R$ 884 milhões.
Cobranças de taxas ilegais estão entre os problemas mostrados, desde domingo, em série de reportagens do GLOBO sobre os cartórios privados. Fraudes fundiárias, cartórios biônicos e falta de transparência também figuram entre as dificuldades enfrentadas pelos usuários. O país tem 2.209 cartórios biônicos, dirigidos por tabeliães em situação provisória, muitos deles garantidos por liminares da Justiça local.
Ação no Supremo contra cobrança
A taxa extra destinada às seis entidades poupa as autenticações e reconhecimentos de firma, mas incide sobre os registros civis das pessoas naturais; de distribuição; de interdições e tutelas; e de títulos e documentos (incluindo imóveis). Para extinguir a cobrança, considerando-a inconstitucional, a PRR da 2ª Região representou, em novembro, junto ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que tem atribuição para propor ações desta natureza ao STF.
Lei incrementou grupo beneficiado
O alvo da representação é a lei estadual 6.300, aprovada em 2012, que alterou um parágrafo do decreto-lei 122/1969, incluindo a Associação dos Notários e Registrados e o Sindicato dos Notários e Registradores do Rio entre os favorecidos. No pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Procuradoria argumenta que o estado não pode instituir ou ampliar impostos sobre esses serviços ou repassar uma fração da taxa a entidades privadas.
O banco de dados do Supremo confirma que é jurisprudência pacífica na Corte o veto à destinação de valores recolhidos a título de custas e emolumentos a pessoas jurídicas de direito privado. Desavisados, os usuários dos cartórios extrajudiciais não sabem que, ao pagar por um serviço, ajudam a Mútua, por exemplo, a manter serviços como o “Fórum Academia”, que oferece aos associados musculação, aeroboxe, dança de salão, massagens, cabeleireiro e depilação.
A Associação dos Notários e Registradores do Rio de Janeiro alegou que, ao cobrar a taxa extra, apenas cumpre a lei. Informou ainda que uma liminar suspendeu os efeitos da lei que a incluiu entre os favorecidos. A Mútua e a Corregedoria do Rio, procurados, não responderam aos pedidos de informações do GLOBO.
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