MARCELLE SANTOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No último Réveillon, quando os mais de 3.000 passageiros de um cruzeiro voltaram seus olhos para o céu de Copacabana (no Rio) para ver a queima de fogos, Vinicius França, 20, apressou-se em fotografá-los. Para ele e os demais 1.099 tripulantes a bordo, a véspera do Ano-Novo foi dia de trabalho.
Há menos de um mês como fotógrafo de cruzeiros, França embarcou sabendo que trabalharia bastante (até 11 horas por dia, todos os dias, sem direito a folga), teria pouca privacidade e ficaria oito meses longe.
E também que ficaria quase sempre desconectado. Dentro dos navios, a internet costuma custar R$ 0,25 por minuto, então a maioria deixa para acessá-la só ao desembarcar nos portos.
Sem despesas com moradia, alimentação, transporte e academia, o salário de US$ 767 (R$ 1.800), de França, que pode chegar a US$ 1.000 (R$ 2.300) com vendas de fotografias, vai permitir que economize.
"Ganhar o que eu ganho a bordo, sem ter nenhum gasto, equivale a ganhar R$ 4.000 em terra."
Editoria de Arte/Folhapress
O mercado de cruzeiros tem vagas exclusivas para brasileiros. Isso porque uma resolução do CNIg (Conselho Nacional de Imigração) obriga embarcações que ficam por mais de 30 dias em águas brasileiras a ter 25% de sua tripulação composta por cidadãos do país.
No ano passado, foram mais de 2.500 contratados para a temporada brasileira (de novembro a março), quando 11 cruzeiros vieram ao litoral brasileiro, de acordo com a Abremar (associação desse mercado). Houve queda em relação a 2012, quando a presença de 15 cruzeiros gerou mais de 3.000 empregos.
Para trabalhar no setor, é preciso investir. São cerca de R$ 1.000 em cursos obrigatórios, quase R$ 400 com exames médicos (que devem ser reembolsados pela empresa), e gastos com deslocamentos, que podem incluir passagens para voos internacionais.
Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Raphaella Benetti teve experiência difícil, mas vai voltar a cruzeiro
Para conseguir um emprego a bordo, é preciso ter entre 18 e 45 anos e falar idiomas (no mínimo o inglês). São poucos os cargos que exigem formação específica, como os de animador (educação física) e médico. Para outros, como os de fotógrafo e de professor de dança, basta ter experiência comprovada na área.
TRABALHO ENJOADO
O maior desafio é se adaptar à vida no navio: vencer o enjoo do mar, procurar se dar bem com os colegas de cabine e aguentar a exaustiva rotina de trabalho.
Para Raphaella Benetti, 23, os primeiros meses foram os mais difíceis. Aos 21 anos, ela embarcou como camareira em um cruzeiro ganhando US$ 1.180 (R$ 2.800) por mês. Benetti diz ter sofrido assédio moral do primeiro chefe.
O supervisor conferia cada cabine arrumada por ela e, se encontrava um travesseiro torto ou um lençol amarrotado, gritava e jogava tudo pelos ares. Em dias de embarque, Benetti chegou a trabalhar 18 horas.
Ela conseguiu cumprir seu contrato e diz que a experiência a fez amadurecer. "Você aprende a ter compromisso, a ser regrado, a receber ordens. Lá, um minuto de atraso gerava motivo para ir falar com o capitão."
A jornada de trabalho acima de 11 horas viola direitos previstos no TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), assinado por representantes do setor de cruzeiros em 2010, a pedido do MPT (Ministério Público do Trabalho).
Editoria de Arte/Folhapress
Rinaldo Almeida, coordenador nacional de inspeção do trabalho portuário e aquaviário, vê "com preocupação" a situação dos tripulantes.
"As condições de trabalho a bordo podem estar comprometendo a saúde dos trabalhadores", escreveu Almeida em relatório sobre a temporada brasileira de 2012/2013, no trecho sobre a morte de uma tripulante.
A profissional morreu em fevereiro de 2012, de insuficiência respiratória aguda, após uma epidemia de gripe no navio. Antes de ficar doente, havia trabalhado ininterruptamente por 193.
O CNIg permite que brasileiros sejam contratados no exterior, quando os contratos são longos e cobrem também a temporada fora do país. Eles não estão protegidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em sim pelo TAC.
De acordo com a Abremar, a indústria de cruzeiros fornece um ambiente de trabalho que opera conforme os padrões internacionais.
Benetti voltará a embarcar num cruzeiro em março. Como ela, vários outros entrevistados contam histórias de uma vida desgastante a bordo para, depois, revelar que assinarão um novo contrato.
"Depois que você é picado pelo bichinho da viagem, é difícil à vida no chão," diz Stella Garcia, 26, tripulante desde 2009. "A bordo, você tem essa liberdade de acordar na Espanha e dormir na França", conta.
Fonte: FOLHA DE SP
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