O jornalista que toma conhecimento de uma Ação Penal não tem o direito de publicar “maldosamente” que o acusado teve a prisão solicitada, se a informação não está expressa na petição inicial. Com esse entendimento, o juiz Antônio Silva Pereira, da 15ª Vara Criminal de Salvador, condenou o jornalista Aguirre Talento a seis meses e seis dias de detenção em regime aberto por considerá-lo responsável por uma “publicação difamatória”. A pena foi substituída pela prestação de serviços e pagamento de dez salários mínimos (R$ 7.240).
O magistrado aceitou queixa-crime apresentada por um empresário citado em reportagens publicadas no jornal baiano A Tarde, em dezembro de 2010. O repórter relatou a existência de uma denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal que acusava Humberto Riella Sobrinho e outras quatro pessoas de executar obras sem respeitar regras de proteção ambiental. De acordo com a denúncia, os acusados haviam destruído vegetação da Mata Atlântica em estágio de regeneração e apanhado espécies de animais sem aval da autoridade competente durante a construção de um parque tecnológico.
Uma das reportagens afirmava que a procuradoria havia pedido a prisão dos acusados, já que os crimes apontados na denúncia podem levar à detenção de seis meses a um ano (no caso do artigo 29 da Lei 9.605/98) e de um a três anos (artigo 38-A da mesma lei, que tipifica atividades lesivas ao meio ambiente). Mas Riella Sobrinho afirmou que o MPF não havia requerido a prisão de qualquer pessoa e alegou ter passado por “problemas familiares terríveis”, após sua mulher ter lido a reportagem no jornal.
A defesa do jornalista disse que a publicação de notícias envolve vários protagonistas e, portanto, não fazia sentido atribuir crime a um “mero repórter”. “Na estrutura de um jornal existe um encadeamento de atos, cada qual de responsabilidade de um determinado profissional, sem os quais a matéria não pode ser publicada.” Conforme a defesa, Riella Sobrinho dispensou a investigação policial dos responsáveis e procurou a Justiça para responsabilizar apenas o jornalista.
Outro argumento da defesa foi a falta de prova que mostrasse o interesse do profissional em prejudicar Riella Sobrinho. “Como qualquer outra pessoa, [ele] está sujeito a cometer falhas ou equívocos.” O jornalista alegou que a reportagem não citava pedido de prisão preventiva, mas a possibilidade de que houvesse a prisão dos denunciados, se condenados.
Para o juiz, porém, “o fato do jornalista querelado tomar conhecimento de uma Ação Penal interposta não lhe dá o direito de publicar ‘maldosamente’ que o Ministério Publico pediu a prisão do querelante”. “As consequências foram danosas, visto que o querelante teve a sua honra maculada”, afirmou Pereira. Ainda cabe recurso.
“Atentado à liberdade”
Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) declarou ter recebido “com indignação" a notícia da condenação do jornalista. A entidade classificou a decisão como “um atentado à liberdade de imprensa” e apontou que a Organização das Nações Unidas recomenda que ações de difamação sejam tratadas no âmbito civil.
A Abraji diz ainda que, segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba), Riella Sobrinho é um dos empresários do setor imobiliário local que têm acionado a Justiça contra vários profissionais do jornal A Tarde. “As ações, que cobram até R$ 1 milhão de indenização, visam sempre o elo mais fraco: o jornalista.”
Revista Consultor Jurídico, 28 de abril de 2014
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