O Ministério Público ajuizou a presente ação civil pública em relação à Capela Nossa Senhora do Rosário e ao Município de Florianópolis, alegando:
Consoante teor da documentação inclusa nos autos do
Inquérito Civil Público n° 06.2008.000490-4 (cópia anexa), é esclarecido que a CAPELA
NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO, localizada à Servidão Manoel Rufino de Abreu, n. 26,
Caieira do Saco dos Limões, Florianópolis – SC, foi construída no ano de 2005, sendo utilizada
para cultos religiosos, missas e ensaios musicais em um empreendimento desprovido de
estrutura para o desenvolvimento das referidas atividades.
Inicialmente foram expedidos ofícios à Fundação Municipal
do Meio Ambiente de Florianópolis – FLORAM (Ofícios n° 250/2007/28PJ e 974/2007/28PJ),
e à Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos – SUSP (ofícios n° 251/2007/28PJ e
975/2007/28PJ).
Em resposta, a SUSP informou que a referida obra na época
da sua execução já tinha sido embargada (fl. 07-09) e que no estado em que se encontra hoje,
não é passível de regularização. Ainda, juntou aos autos Laudo de Vistoria n° 38/2008 (fl. 20),
o qual concluiu que "a obra não pode ser legalizada".
Tendo em vista a urgência que o caso requer, este
Ministério Público notificou os Representantes da SUSP e da FLORAM, a Reclamante Janete
Amaral, assim como o Representante da Igreja Nossa Senhora do Rosário para que
comparecessem na reunião que realizar-se-ia no dia 02/10/2008.
Em 02/10/2008, nas dependências do Ministério Público
deste Estado, ficou estabelecido o prazo de 15 (quinze) dias para que o representante da
referida Capela manifestasse interesse em formalizar prazos para cessar as atividades no local,
em virtude das irregularidades apontadas pela SUSP, dando a correta utilização no imóvel,
conforme o Plano Diretor.
Ocorre que em 21/10/2008, o representante da Capela
Nossa Senhora do Rosário afirmou com clareza que não pretende paralisar as atividades
desenvolvidas no local, eis que "não aceita imposição de pessoas sem autoridade para tal, como
é o caso da reclamante", informando ainda que o reclamante não fez acusação diretamente à
Igreja, mas sim à Escola de Samba Consulado, e que as acusações que foram feitas contra a
Igreja são mentirosas e imprecisas, bem como o Laudo de Vistoria feito pela SUSP não
menciona ser a edificação perigosa ou prejudicial à saúde dos moradores do local, e assim, não
haveria o que falar em demolição ou proibição do uso do imóvel.
Em virtude da manifestação do representante da Capela
Nossa Senhora do Rosário, e em não havendo outra forma de realização de Termo de
Ajustamento de Conduta, senão pelo acordo de prazos por parte da demandada para
cessamento das atividades religiosas, é que este Ministério Público decidiu buscar a medida
cabível para tanto, propondo a presente Ação Civil Pública. (fls. 04-05)
Quer, por isso, a determinação para que cessem
atividades no local e que a edificação seja demolida.
O Município contestou defendendo que não agiu
contra as normas urbanísticas e que caberia à FLORAM, no caso, o exercício do
poder de polícia.
Habilitou-se na causa a Mitra Metropolitana de
Florianópolis, a qual sustentou que a obra atende a apelos da comunidade e não
causa dano urbano. Traz, porém, retorno social significativo.
Depois de réplica, foi realizada inspeção e veio
laudo técnico da FLORAM.
As partes apresentaram alegações finais.
É o relatório.
Decido.
1. As considerações técnicas do Ministério Público
expostas na inicial são irrefutáveis. De fato, são inúmeras as irregularidades
urbanísticas da construção combatida. Está em local indevido (em áreas
residenciais apenas poderia haver templos em vias maiores), ocupa-se mais do
terreno do que era possível, não se respeitam recuos, há proximidade com curso
d'água, não há licenciamento e assim por diante).
Vou, todavia, por caminho que pode parecer
heterodoxo e não ratifico o pedido de demolição.
Isso, é claro, não leva em conta aspectos religiosos,
haja vista que mesmo as Igrejas devem respeitar as normas urbanísticas.
O que vejo, na verdade, é que a demolição seria
uma penalidade desproporcional em consideração à situação real vicenciada
naquele local.
Estive lá. Cuida-se de bairro predominantemente
2residencial, ao menos na área onde está a edificação. Nas vias laterais, onde está
também a construção polêmica, são passagens estreitas. Há uma pracinha
bucólica e muitas casas, umas muito próximas das outras. A Igreja, mesmo
recente, não destoa urbanisticamente do que se vê ao seu lado. O que se percebe é
que a força da doutrina católica se sobrepôs, e sem maiores atenções às normas
municipais, construiu-se (por certo se tendo a convicção que era algo socialmente
aceito). E de fato há uma complacência com a situação tanto que concretamente
só veio aos autos o posicionamento de duas pessoas que se opõem à presença da
tal acessão (fls. 23 e 35).
Não seria razoável que fosse imposto o
desfazimento da Igreja, visto que se trata de realidade comum a tantas e tantas
comunidades, que cresceram envoltas em estabelecimentos equivalentes. Quem
caminhar pelo centro de Florianópolis os encontrará a mancheias e isso se
repetirá (claro que em menor número) nas regiões adjacentes.
Caminhei pelo entorno da Igreja, observei as
construções vizinhas e não senti, em nenhum momento, que houvesse alguma
disparidade sensível em relação àquilo que se vê em municípios de ascendência
portuguesa, com sua ruas pequenas, construções sobrepostas e proximidade com
credos cristãos.
Em outros termos, o imóvel não traz ofensa ao
interesse público. Não haveria benefício para a coletividade na sua demolição. O
único resultado seria a sensação de que a aspereza da lei imperou, tal qual se
cuidasse de um valor supremo; um dogma a ser venerado acriticamente.
Há um aspecto, todavia, que deve levar a
restrições.
A FLORAM, de forma que não foi tecnicamente
refutada, certificou que o templo causa ruídos em excesso (fls. 134).
Firmada a premissa de que há som demasiado se
deve recordar que “Comprovada a emissão de ruídos acima do limite
estabelecido em lei, impõe-se ao infrator a obrigação de fazer cessar
imediatamente as atividades poluentes” (TJSC, AI 2002.027470-0, da Capital,
rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).
Por isso, decide-se:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMANDA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO. TEMPLO RELIGIOSO. POLUIÇÃO SONORA. LIMINAR. ALVARÁ DE
FUNCIONAMENTO E PROTEÇÃO ACÚSTICA. EXIGÊNCIAS. DESPACHO JUDICIAL.
RECURSO. IMPROVIMENTO.
A paralisação de atividades religiosas por poluição sonora e
violação do sossego alheio é faculdade cabível ao judiciário em processo legal. (AgRg no AI
1997.015811-4, da Capital, rel. Des. César Abreu)
Aqui, ante o grande tempo decorrido, não creio que
seja adequado suspender a atividade em si, mas sim conceder prazo para que haja
a regularização.
Assim, julgo procedente em parte o pedido para
determinar que, em 90 dias (prazo que será contado de específica intimação
pessoal), a ré promova a sua adequação às normas que tratam da legislação que
combate a poluição sonora sob pena de interdição.
Custas, na razão de 30% (por arbitrar nesta fração a
parcial derrota da ré), pelo particular.
Sem honorários.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Florianópolis, 26 de fevereiro de 2013.
Hélio do Valle Pereira
Juiz de Direito
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