Ana Garralda | El Diario | Jerusalém - 21/10/2014 - 06h00
Em movimento surgido há mais de 30 anos, oficiais do Exército israelense que se opõem à ocupação nos territórios palestinos desafiam lei que prevê até três anos de prisão a objetores de consciência
Soldados das Forças de Defesa de Israel treinam nas Colinas de Golã, em 2011
Aos 38 anos, Avner Wishnitzer é um “refusenik”, palavra de origem russa adaptada ao hebraico que designa objetores de consciência em Israel.
Cofundador e membro ativo do movimento Combatentes pela Paz, Wishnitzer fez o serviço militar obrigatório (que dura três anos para os homens e dois anos para as mulheres) e foi incorporado a uma das unidades de elite das Forças Armadas israelenses, na qual passou depois para reservista. Porém alguma coisa mudou para ele em 2004, durante a fase mais sangrenta da segunda Intifada palestina.
Foi quando decidiu assinar junto com um grupo de companheiros uma carta pública dirigida ao então primeiro-ministro, Ariel Sharon, na qual eles se negaram a continuar servindo nos territórios ocupados. “Não sou contra entrar no Exército, creio que seja uma instituição necessária, mas me oponho a continuar ocupando um território que não nos pertence”, pontua Wishnitzer no bairro Beit Hakerem de Jerusalém.
O Estado de Israel não reconhece o direito de objeção de consciência por motivos políticos – quem o faz costuma acabar preso – e apenas exime do serviço militar a população de origem árabe que consiga comprovar problemas de saúde. Até o começo deste ano, também estavam isentos os estudantes ortodoxos em uma yeshivá (escola religiosa), porém uma lei aprovada no início de 2014 acabou com essa prerrogativa.
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“Eu me identifico totalmente com os 43 oficiais e soldados que enviaram outra carta ao primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, recusando-se a espionar os palestinos”, acrescenta em relação à carta pública enviada em setembro por um grupo de membros da Unidade 8.200, pertencente à Inteligência Militar do país e dedicada a realizar escutas para coletar informações sobre habitantes de Cisjordânia, Gaza, Irã e outros países do Oriente Médio.
“A ocupação já tem quase meio século de existência. Fico contente de que haja pessoas que continuem se opondo a um sistema que é antidemocrático e imoral”, continua Avner, referindo-se aos depoimentos distribuídos na imprensa por alguns signatários da carta. “Se alguém nos interessava, compilávamos dados sobre sua situação econômica ou seu estado mental. Então planejávamos que operação poderíamos realizar para convertê-lo em um colaboracionista”, escreve um deles. “Qualquer informação que pudesse permitir a extorsão de um indivíduo era considerada relevante, seja porque ele tinha certa orientação sexual, era infiel à esposa ou precisava de tratamento médico em Israel ou na Cisjordânia. Então isso era objeto de chantagem”, escreve outro soldado.
Segundo Wishnitzer, hoje especialista em história do Oriente Médio, “eles nos fazem acreditar que não temos outra escolha a não ser lutar ou fazer o que quer que seja para nos defendermos, de forma que quando acabamos uma guerra – no caso, a recente invasão de Gaza – eles já estão nos preparando para a próxima”, alfineta.
Nas últimas semanas, os meios de comunicação israelenses seguem especulando sobre a possibilidade de uma organização jihadista perpetuar algum ataque desde as Colinas de Golã, na fronteira com a Síria, ou sobre este ser um bom momento para as Forças Armadas israelenses lançarem um ataque contra o grupo libanês Hezbollah. De acordo com Wishnitzer, a esquerda israelense atravessa uma grande crise em uma sociedade cada vez mais conservadora e se revela incapaz de dar respostas aos objetivos morais e políticos do país. “Esta crise da esquerda, porém, não começou com a segunda Intifada; é muito anterior a ela”, acrescenta.
Garoto palestino e soldado da polícia de fronteira israelense em setembro de 2012
A carta da Unidade 8.200 representou um novo impulso para antigos ativistas do movimento de objeção de consciência em Israel. “Trata-se de uma nova geração, e há mais de uma década nós apoiamos aqueles que se recusam a participar da ocupação”, explica Chen Alon, um dos fundadores da Ometz Lesarev (“coragem para recusar”, em hebraico), uma iniciativa surgida em 2002 durante a segunda Intifada e promovida por soldados e oficiais do Exército. Sua insubordinação lhe custou um mês de cadeia, pouco tempo em comparação ao ano e meio ou dois anos que passaram atrás das grades os cerca de 200 dos 650 “refuseniks” que se recusaram a fazer parte das atividades militares um ano depois, em 2003, segundo relata o ativista.
Entre os objetores de consciência em Israel, existem dois grupos bem definidos. Por um lado, quem se recusa a se alistar no Exército por questões de consciência, os chamados shministim, nome em hebraico para os que cursam o último ano do Ensino Médio, convocados para se alistar com apenas 16 anos. Estes podem cumprir várias penas que podem chegar aos três anos que, por lei, dura o serviço militar para os homens. Por outro lado, há os que já se alistaram e que decidem descumprir ordens de oficiais superiores, alegando motivos como pacifismo, antimilitarismo, questões religiosas ou recusa a qualquer atividade relacionada à ocupação israelense nos territórios palestinos. A este último grupo pertencem Chen Alon e Avner Wishnitzer.
Alguns são vistos como traidores por grande parte da sociedade israelense e por quase todo o establishment político e militar. “A carta contribuiu para a campanha de deslegitimação e mentiras contra as Forças Armadas e o Estado de Israel”, comentou o ministro da Defesa, Moshe Yaalón, em relação à carta da unidade 8.200. O ministro de Assuntos Estratégicos, Yuval Steinitz, foi mais longe. “Quem organizou e promoveu a carta e esta atitude imoral deve ir para a cadeia. Se todos agíssemos assim, o Estado de Israel já teria entrado em colapso”, afirmou há alguns dias.
Chen Alon comenta as inevitáveis consequências enfrentadas pelos signatários da última objeção de consciência. “Foram expulsos da unidade, mas não do Exército. Eles têm informação confidencial muito valiosa, e isso os protege”, acrescenta o ativista. Alon menciona que muitos dos diretores das empresas israelenses mais importantes de tecnologia avançada passaram pela 8.200.
“Quem fez parte dela costuma chamar os antigos companheiros para novos postos de trabalho. Agora é certo que eles serão repudiados”, explica este professor universitário, profissão liberal à qual muitos dos “refuseniks” israelenses acabam se dedicando. Em alguns casos, eles encontram dificuldades para conseguir trabalho em outros setores, entre eles o funcionalismo público.
“Sempre soubemos que pagaríamos um preço por nossa ação, mas sempre pensamos que valia a pena”, comenta Avner Wishnitzer, acrescentando que sua recusa, como a dos membros da unidade 8.200, concentra-se nas atividades dedicadas a manter o controle sobre a Cisjordânia e Gaza, e não contra outras ameaças regionais.
Sobre este aspecto, Ishai Menuchin, do Yesh Gvul (“há um limite”, em hebraico), organização de objetores de consciência mais antiga do país, assinala que há importantes diferenças entre o que acontecia há 20 ou 30 anos e o que acontece nos dias de hoje.
“Quando começamos em 1982, aconteceu o massacre de Sabra e Chatila no Líbano. Fomos 3.500 soldados e nos negamos a participar da guerra [180 foram presos, entre eles Menachem] e centenas de milhares de pessoas se deitaram na rua pedindo paz”, comenta Menuchin.
Durante a primeira Intifada, “a cifra foi reduzida a 2.500, e 150 acabaram presos”, acrescenta. “Hoje é mais difícil”, afirma o ativista que, depois de se recusar a participar na guerra do Líbano, continuou por duas décadas servindo no Exército. “Antes você podia fazer outras coisas se continuasse no Exército. Hoje, se você se recusa a participar da ocupação, é mais complicado, porque há muitos mais recursos e efetivos que se dedicam a ela”, aponta.
“A sociedade israelense de antes não é a de agora. Não parece importar-se com a imagem deteriorada do país, como vimos durante a última ofensiva em Gaza”, pontua Menuchin. “Estamos próximos de um Estado de apartheid. Na África do Sul, em certo momento, as pessoas pensaram que não havia esperança até que um dia houve uma mudança”, comenta o ativista. “Em Israel acontecerá a mesma coisa, mas será quando a sociedade quiser, ainda que isso pareça muito longe de acontecer”, finaliza Alon.
Tradução: Mari-Jô Zilveti
Fonte: http://operamundi.uol.com.br/
Fonte: http://operamundi.uol.com.br/
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